Projeto Apollo
Meu filho mais moço, Vinicius, acaba de chegar à avançada
idade de 6 anos. Entre seus presentes de aniversário, ganhou um foguete Apollo
de isopor, com propulsão a vento, invenção de um provável camelô da China.
Não sou dado a recordações proustianas, mas esse episódio me
devolveu à infância. Ali pelos 9 de idade, no princípio dos anos 60, também
ganhei uma réplica de foguete Apollo, trazida de presente dos Estados Unidos
pelo único amigo próspero de meu pai — porque nós, os pais e filhos da classe
média, raramente íamos muito além de Tribobó.
Como eu não tinha habilidade para montar as centenas de
peças de meu foguete, recorri a um amigo mais velho, Ricardo, um ancião de
cerca de 17 anos. Ele passou uma tarde inteira montando as peças do meu sonho.
Um parêntese. O Projeto Apollo começou nessa época, com o
propósito de conquistar o espaço para os americanos. Eles já haviam levado uma
surra dos russos, que tinham posto em órbita o satélite Sputnik, depois a
cadela Laika, e por fim o primeiro astronauta, Yuri Gagárin. Em resposta, os
americanos lançaram o Projeto Apollo, para chegar à Lua antes dos soviéticos.
Fecha o parêntese.
O Ricardo montou com perícia e paciência todas as pecinhas
do meu foguete. Fiquei ali, ao seu lado, pensando nos voos que faria no futuro,
na Nasa da imaginação.
Fiz muitos planos para o meu foguete. Pensei em levá-lo ao
colégio para exibi-lo aos colegas. Eu era apenas um menino latino-americano,
sem parentes importantes e vindo do interior, mas imaginei que, graças ao meu
foguete, ganharia prestígio com os amigos da beira-mar.
Quem sabe até eu conquistasse a simpatia de certa colega de
turma, carioca da gema que, como supremo charme, usava precocemente aparelho
nos dentes. Esclareço que tinha especial atração pelas meninas de aparelho, e
não sabia que elas, meninas com ou sem aparelho, em geral não tinham interesse
pelos foguetes. Enfim, me lembro de ter passado a noite em claro, ao lado do
meu troféu, sonhando acordado.
O único problema é que eu era um menino arteiro, muito
chegado a travessuras. Numa das manhãs seguintes, aprontei alguma. Não me
lembro qual foi meu malfeito, mas devo ter implicado com meus irmãos, ou dito
alguma coisa inconveniente, compulsão da qual nunca me livrei. Minha mãe era
uma mulher dulcíssima, porém obstinada na educação dos filhos. Fez menção de me
sapecar um corretivo.
Como eu tinha know-how de apanhar, me escondi atrás do
sofá. Com isso, me tornei inalcançável para minha mãe. Em represália, ela
passou a mão no primeiro objeto ao seu alcance —que, desgraçadamente, era o meu
foguete —, e o atirou nas minhas costas. E meu sonho se despedaçou em mil
caquinhos de plástico.
Foi assim que abandonei o Projeto Apollo.
O Globo, 09/07/201
Geraldo Carneiro
- Sexto ocupante da Cadeira 24 da ABL, eleito em 27 de outubro de 2016, na
sucessão de Sábato Magaldi e recebido em 31 de março de 2017 pelo Acadêmico
Antonio Carlos Secchin.
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