O Jardim
O seu
começo foi modesto. Apenas alguns canteiros de flores o enfeitavam. No centro,
um coreto para a Filarmônica tocar aos domingos, e um parque infantil onde
bandos de crianças se divertiam em gangorras e balanços, após as aulas da
tarde. Como uma criança minguada de recursos, o jardim nasceu pobre, sem luxos,
mas com um prognóstico de se tornar um dia apresentável e bem sucedido.
Foi
batizado com o nome de Jardim da Praça Dr. Olinto Leone, em homenagem ao
primeiro Intendente de Itabuna. Com o tempo ele foi adquirindo aspecto melhor.
Árvores começaram a embelezá-lo. Flamboyants floridos e amendoeiras copadas
estendiam seus ramos, fornecendo sombra e frescor a todos os que sob eles se
abrigavam nas manhãs ou tardes ensolaradas.
Mais
tarde, no sentido de melhorar o seu visual, foi demolido o coreto, e em seu
lugar levantou-se uma pérgula ornamentada com dois bonitos pés de bougainville,
um roxo e outro brique. Bancos foram distribuídos ao seu redor para descanso
dos visitantes, e bonitos postes de ferro completavam a sua ornamentação. O
jardim da Praça Olinto Leone passou a ser a sala de visitas de Itabuna, local
de encontro de amigos, de espairecer, de amenizar tristezas e solidão. O seu
parque infantil foi desativado, mas as suas árvores cada vez mais crescidas e
frondosas, e os seus canteiros multicoloridos, continuaram a esparzir sombra e
alegre colorido.
À noite e
aos domingos, era ele o ponto de encontro dos jovens da cidade, uma juventude
alegre e sadia, dos namorados, dos visitantes que aqui aportavam. Quantos
namoros começaram, quantos beijos foram trocados, quantas juras de amor se
fizeram no clima romântico do jardim da praça, sob a proteção dos frondosos
flamboyants, amigos discretos e complacentes!
A cidade cresceu, administrações se sucederam e o jardim continuava alegre na
sua missão de ornamentar a praça, de dar sombra e descanso aos que o
procurassem. Enfrentou grandes enchentes do rio Cachoeira, foi testemunha de
atos cívicos e religiosos.
Parte integrante da vida da cidade, o jardim acompanhou o crescimento dos
filhos de Itabuna, que na infância brincaram sob as suas árvores, na
adolescência o procuraram como ponto de namoro, e ainda o buscam como
companheiro na solidão da velhice.
Mas o homem, aquele mesmo que tem alma e sensibilidade para criar o belo, mas
tem também o poder de destruição, um dia, voltou as suas vistas para as belas e
copadas árvores do jardim, e como que guiado por um gênio maléfico, passou a
atacar os belos e inofensivos flamboyants inertes nos seus canteiros.
Impiedosamente, com suas tesouras criminosas, com suas mãos profanadoras,
passou a decepar os belos ramos, deixando as pobres árvores semimortas, vazias
de galhos, sem flores, sem sombra mais a oferecer. Das copadas amendoeiras,
restaram quase que somente os troncos nus, eretos como postes sem nenhum
atrativo. As bonitas luminárias de ferro que clarearam as noites de itabunenses
nos seus passeios pelo jardim, foram arrancadas e banidas da cidade como
imprestável ferro-velho, sem o menor amor e consideração pelo passado. Os
bancos foram despedaçados num vandalismo impiedoso, e os seus passeios
arrebentados.
Viver é conhecer os altos e baixos inerentes à própria existência. E o jardim
da Praça Olinto Leone, tal qual um ser humano, conheceu alegria e tristeza,
bonança e decadência. Tendo começado modesto, melhorou, teve épocas alegres,
foi procurado por muitos, querido, depois desprezado e quase vilipendiado. Foi
arrebentado, humilhado, transformado em estacionamento de carros, foi tão
menosprezado que os passantes o evitavam. Só a vendedora de acarajé o procurava
com o seu fogareiro de brasas.
Era triste para quem, como ele, viu a princípio
o colorido alegre dos seus canteiros, onde até roseiras foram cultivados, o verde
brilhante das folhagens, as suas luminárias de ferro iluminando o caminho dos
passantes e velando as carícias dos namorados, viu bandos de andorinhas
chilreando na copa de suas árvores cantando o amor e a alegria, para depois
viver a dor do abandono. Desamparado, viu as tesouras agressivas mutilarem, sem
piedade, as suas árvores em esplendor de floração, deixando apenas galhos
desnudos.
Mas a vida é feita de esperanças, pois apesar dos percalços, há sempre o
amanhã. Para o jardim da praça, certamente ainda virá muito verdor, porque
afinal o amanhã é sempre outro dia, e para o próprio homem, que criou com a sua
ideia, haverá sempre um renascer ou suceder de ideias e sentimentos capazes de
protegê-lo para as gerações futuras. Cada povo tem a sua história que deve ser
preservada, e o jardim da Praça Olinto Leone faz parte da história de Itabuna.
(RETALHOS)
Helena Borborema
HELENA BORBOREMA - Nasceu em Itabuna. Professora
de Geografia lecionou muitos anos no Colégio Divina Providência, na Ação
Fraternal e no Colégio Estadual de Itabuna. Formada em Pedagogia pela Faculdade
de Filosofia de Itabuna. Exerceu o cargo de Secretária de Educação e Cultura do
Município.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário