Mais de mil beijos
Felizmente, não acompanhei a encenação do Tribunal Superior
Eleitoral para absolver a chapa Dilma-Temer. Foi um dos espetáculos mais caros
e dispensáveis promovidos pela Justiça brasileira. Dispensável e custoso porque
já se anunciava por antecipação o resultado e, portanto, não era preciso
pronunciar tantas palavras inúteis e jogar fora tanto dinheiro nosso: durante
os quatro dias de apresentações foram gastos mais de R$ 20 milhões, já que, de
acordo com a ONG Contas Abertas, o TSE — também conhecido como Tribunal
Superior de Egos — custa aos cofres públicos inacreditáveis R$ 5,4 milhões por
dia ou R$ 2 bilhões por ano.
Eu estava em outro país, onde pessoas se dedicam a preparar
um futuro diferente. Com mais quatro escritores — Nélida Piñon, Verissimo, Lya
Luft e Loyola Brandão — participamos do projeto Combinando Palavras, da 17ª
Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, uma iniciativa que envolve na
leitura 5.500 estudantes da rede pública estadual. Durante meses e sob a
orientação e o estímulo de dedicadas professoras, esses jovens mergulharam na
obra dos cinco, interpretando-as e produzindo textos a partir do que leram:
crônicas, poemas, além de desenhos e caricaturas.
Depois, lotando completamente um teatro, 1.100 deles se
encontraram cada dia com um escritor (como Lya não pôde viajar, participou por
videoconferência). Pelo que me contaram Nélida e Verissimo, eles sentiram o que
senti: a certeza de que nem tudo está perdido. Ao contrário. A experiência que
vivemos ali desmente os estereótipos negativos — que a juventude não gosta de
ler, que só quer saber de internet, que jovens só se juntam para fazer bagunça.
Isso existe, claro, mas, como ensinou a professora Adriana Silva, presidente da
Fundação do Livro e Leitura de RP, “não podemos transformar fatos ruins em
realidade eterna”.
Durante umas duas horas, a conduta civilizada desses
adolescentes do ensino médio serviu de contraponto às desagradáveis cenas
ocorridas no TSE. Atentos, interessados, com intervenções pertinentes, eles
demonstraram pelas perguntas que haviam assimilado criticamente o que tinham
lido. E mais: os representantes das várias escolas que subiram ao palco para
nos homenagear nos comoveram. No meu dia, fiquei tão emocionado que, sem
conseguir palavras, recorri a um gesto, dizendo que gostaria de agradecer dando
um beijo em cada um/a da plateia. A ideia foi recebida com entusiasmo e, assim,
devo ir para o Livro dos Recordes: distribuí mais de mil beijos e posei para outras
tantas selfies numa só manhã. Mesmo para um beijoqueiro como eu, foi um feito
inédito.
O Globo, 14/06/2017
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Zuenir Ventura - Sétimo ocupante da Cadeira n.º 32 da ABL. Foi
eleito no dia 30 de outubro de 2014, na sucessão do Acadêmico Ariano Suassuna,
e recebido no dia 6 de março de 2015, pela Acadêmica Cleonice Berardinell
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