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segunda-feira, 26 de junho de 2017

A SEGUNDA MORTE DE LIMA BARRETO - Por Davi Nunes

As vozes pálidas escrevendo a nossa história, biografando nossas vidas-dores, traço imperioso da ordem de produção de discurso nesse país, parece como uma segunda morte. Aquela morte que se apresenta no filme Corra, do diretor norte americano Jordan Peele, uma morte que é viva a servir angustiosamente a branquitude progressista cool. Vulgo maquiavélica. Morte que zumbifica – alma sugada –  pois o crivo é da mea culpa empalidecida comercial. Lucro de tez pálida.

Talvez Lima Barreto esteja se revirando no túmulo, na vala inócua e fria que o colocaram, como colocam ainda hoje homens e mulheres negras e negros, ao perceber que a sua história (biografia de gênio esgaçado pelo racismo) está sendo escrita por representante(es) de uma “elite intelectual brasileira” que, em sua época, ele combateu, demonstrou suas hipocrisias e obliterações literárias chulas e fora, em vida, condenado por ela.

O jogo revelado por Lima Barreto, assim, o esmagou. Mas agora, após 95 anos de sua morte, a casta literária privilegiada quer lhe dar uma dose simbólica de uma boa cachaça festiva e literária, a paratiana. Talvez eles(as) pensem ainda que todo emparedamento, enredar de obstruções raciais, foi só loucura etílica. “Noias” intelectuais tristes.

O dândi Lima Barreto era de dimensão maior, heroica, pois ele trazia o caos: sacarmos intelectual diante do pedantismo erudito de venta branca, e ironia diante da mediocridade literária que se apresentava grande sendo pequena em sua época.

A segunda morte – arquétipo fantasma da vivência de escritor negro escrita por sujeitos(as) brancos(as) – já era anunciada em República dos Bruzundangas. Os encaixes de discursos de autoridade que aparecem na obra através de personagens tipos, já davam conta de arquétipos sociais, alegorias de intelectuais e políticos brasileiros que apareciam pastosos e ridículos no livro, e que agora pulam fantasticamente da República dos Bruzundangas e estão na realidade a transformá-lo num signo rentável em seus livros e festividades literárias.

O escritor Lima Barreto, escrevinhado por essa elite, não cabe (talvez só como contrassenso) no Afonso Henrique, homem negro, suburbano que foi escamoteado pela “bruzungandisse” burra e racista dessa laureada gente. O que é louco, pois parece que eles têm formas de uso infinitas de nossas vidas e obras.  E quando nos articulam em linguagem, nos matam e produzem os fantasmas representativos que se acoplam e regulam o discurso dominante.

Lima Barreto foi visionário, previu a sua segunda morte, um mar de palavras e discursos vindos do que ele desprezava, de um foco narrativo elitista, descrevendo os enredos, os eventos, no entanto com filtro higienista, sobre a sua vida.


Davi Nunes é mestrando no Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem- PPGEL/UNEB, poeta, contista e escritor de livro Infantil



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