As vozes pálidas escrevendo a nossa história, biografando
nossas vidas-dores, traço imperioso da ordem de produção de discurso nesse
país, parece como uma segunda morte. Aquela morte que se apresenta no filme
Corra, do diretor norte americano Jordan Peele, uma morte que é viva a servir
angustiosamente a branquitude progressista cool. Vulgo maquiavélica. Morte
que zumbifica – alma sugada – pois o crivo é da mea culpa empalidecida
comercial. Lucro de tez pálida.
Talvez Lima Barreto esteja se revirando no túmulo, na vala
inócua e fria que o colocaram, como colocam ainda hoje homens e mulheres negras
e negros, ao perceber que a sua história (biografia de gênio esgaçado pelo
racismo) está sendo escrita por representante(es) de uma “elite intelectual
brasileira” que, em sua época, ele combateu, demonstrou suas hipocrisias e
obliterações literárias chulas e fora, em vida, condenado por ela.
O jogo revelado por Lima Barreto, assim, o esmagou. Mas
agora, após 95 anos de sua morte, a casta literária privilegiada quer lhe dar
uma dose simbólica de uma boa cachaça festiva e literária, a paratiana. Talvez
eles(as) pensem ainda que todo emparedamento, enredar de obstruções raciais,
foi só loucura etílica. “Noias” intelectuais tristes.
O dândi Lima Barreto era de dimensão maior, heroica, pois
ele trazia o caos: sacarmos intelectual diante do pedantismo erudito de venta
branca, e ironia diante da mediocridade literária que se apresentava grande
sendo pequena em sua época.
A segunda morte – arquétipo fantasma da vivência de escritor
negro escrita por sujeitos(as) brancos(as) – já era anunciada em República dos
Bruzundangas. Os encaixes de discursos de autoridade que aparecem na obra
através de personagens tipos, já davam conta de arquétipos sociais, alegorias
de intelectuais e políticos brasileiros que apareciam pastosos e ridículos no
livro, e que agora pulam fantasticamente da República dos Bruzundangas e estão
na realidade a transformá-lo num signo rentável em seus livros e festividades
literárias.
O escritor Lima Barreto, escrevinhado por essa elite, não
cabe (talvez só como contrassenso) no Afonso Henrique, homem negro, suburbano
que foi escamoteado pela “bruzungandisse” burra e racista dessa laureada gente.
O que é louco, pois parece que eles têm formas de uso infinitas de nossas vidas
e obras. E quando nos articulam em linguagem, nos matam e produzem os
fantasmas representativos que se acoplam e regulam o discurso dominante.
Lima Barreto foi visionário, previu a sua segunda morte, um
mar de palavras e discursos vindos do que ele desprezava, de um foco narrativo
elitista, descrevendo os enredos, os eventos, no entanto com filtro higienista,
sobre a sua vida.
Davi Nunes é mestrando no Programa de Pós-graduação em
Estudos de Linguagem- PPGEL/UNEB, poeta, contista e escritor de livro Infantil
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