Há quase 18 anos o ex-governador Anthony Garotinho — que por
sua experiência devia ser um expert no assunto — definiu o PT como o partido da
boquinha, dizendo que eles já tinham uns 200 cargos em seu governo e ainda
queriam mais. Não chegava a ser original. Era o que sempre se murmurou à boca
pequena, mesmo antes que essas boquinhas tenham servido para que um prócer
partidário, o então Chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, reconhecesse no ano
passado que, ao praticar o que sempre criticara, o partido se lambuzou.
A essa altura, desde o mensalão, isso já caíra na boca do
povo. O petrolão só confirmou. Mas muitos seguidores ainda faziam boca de siri,
preferindo não tomar conhecimento do óbvio.
Enquanto isso, a boquinha ia crescendo. Virando boca de
caçapa, a engolir mundos e fundos. Sobretudo fundos. Mas a tática era negar e
acusar os outros. Igualzinho ao sapo da velha piada que todo mundo ouviu na
infância, mas não custa recordar.
Ia ter uma festa no céu . Foram contar ao sapo.
— Oba! — exclamou ele, arreganhando a bocarra.
— Vai ter muita comida, churrasco, doces.
— Oba! — e a boca se abriu ainda mais.
— Vai rolar tudo quanto é bebida, Muita birita mesmo.
— Oba! — exclamava ele, animado, cada vez escancarando mais
a boca.
— Mas só vai quem tem boca pequena...
Como bom batráquio, imediatamente o sapo se adaptou, fez
biquinho e disse com a boca bem apertada:
— Coitadinho do jacaré...
Para não ficar de fora da festança, trataram de se precaver.
Como revelou o subitamente boquirroto Emílio Odebrecht em vídeo a que o país,
boquiaberto, assistiu na semana passada, foi preciso reclamar com Lula. Mostrar
que o pessoal dele estava com a goela muito aberta, passando de jacaré a
crocodilo. Pedindo valores cada vez mais altos. Propina gerada pela grana dos
nossos impostos, saída dos cofres públicos para as empreiteiras, sob a forma de
superfaturamento, aditivos e demais malandragens e patifarias, antes de virar
caixa dois e ir comprar apoios e vantagens no governo e no Congresso.
Agora todo mundo sabe. O pessoal apanhado com a boca na
botija não teve outro jeito a não ser botar a boca no mundo. Caiu também na
boca do povo, somando-se ao mensalão. Os bem-intencionados ou ingênuos começam
a admitir autocríticas. Não dá mais para continuar na atitude do “Rouba mas faz
para os pobres”. Nem do “Rouba mas divide comigo” ou do “Rouba porque é
esperto, todo mundo rouba, se eu estivesse lá também roubava”, ao som do
clássico do grande Geraldo Pereira : “ô, que samba bom / ô, que coisa louca/ eu
também tô aí, tô aí, que que há?/ também tô nessa boca...”
Os tempos mudaram. A nova população carcerária mostra que já
não dá para achar tão normal “O que dá de malandro regular, profissional/
Malandro com aparato de malandro oficial/ Malandro candidato a malandro
federal/ Malandro com retrato na coluna social/ Malandro com contrato, com
gravata e capital /Que nunca se dá mal...”
Alguns patifes começam a se dar mal. O jeito que alguns
encontram para aliviar as penas é botar a boca no trombone. E neste artigo com
trilha sonora, não dá para garantir que os que ainda estão de fora vão
conseguir por muito tempo seguir o modelo do malandro Moreira da Silva e
transferir aos comparsas a tarefa de se explicar com a justiça: “Vou desguiando
na carreira/ A justa já vem/ E vocês digam/ Que estou me aprontando/ Enquanto
eu vou me desguiando/ Vocês vão ao distrito/ Ao delerusca se desculpando...”
Mesmo mestres exímios em desguiar na carreira vão precisar
dar alguma explicação mais convincente do que dizer que a vítima se suicidou.
Ao menos, para tentar sobreviver, fingindo passar de jacaré a lagartixa, um
bichinho tão útil para limitar a infestação de mosquitos que transmitem
doenças...
Algumas pesquisas sugerem que não está mais dando para
enganar tanta gente como antes. E sem enganar, nada se sustenta, porque toda
essa força só se baseou mesmo é na enganação. Na mentira bem contada. O que não
significa que muitos outros, de partidos variados, não se dedicassem às mesmas
práticas — com maior ou menor requinte, há mais ou menos tempo, boca de calango
ou camaleão. Ainda que sem mostrar a competência do que estamos descobrindo, na
montagem de esquema tão azeitado para nos pilhar e para lascar com o futuro do
país. Mas ninguém defende que se tenha bandido (ou político) de
estimação.
O difícil vai ser ver com clareza quem ficou de fora da
pilhagem e pode seguir em frente. Grandes celeiros de lideranças políticas — as
universidades, o movimento estudantil e sindical — sofreram as distorções desse
processo de mentira e corrupção. Rendidos, caíram de boca nas boquinhas. Mas
existem nomes merecedores de esperança, entre uns poucos sobreviventes, boas
revelações nas redes sociais ou entre ambientalistas e alternativos. Dá
trabalho procurar. Mas é hora de sairmos de lanterna em punho atrás deles. Ano
que vem tem eleição. Vamos precisar de gente decente. E competente, pelo amor
de Deus.
O Globo, 29/04/2017
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Ana Maria Machado - Sexta ocupante da Cadeira nº 1 da ABL,
eleita em 24 de abril de 2003, na sucessão de Evandro Lins e Silva e recebida
em 29 de agosto de 2003 pelo acadêmico Tarcísio Padilha. Presidiu a Academia
Brasileira de Letras em 2012 e 2013.
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