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domingo, 23 de abril de 2017

TERRAS DE ITABUNA - Nascimento de Tabocas

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Nascimento de Tabocas


            Já dizia Mares de Sousa no seu almanaque de 1911: “Ponto algum do Estado, nesses últimos anos, há tido maior desenvolvimento em comércio, lavoura, aumento de população, de construções, de que Itabuna, que há quatro anos e dois meses era um simples arraial. Daí bem se pode calcular a ascensão que esta localidade tem feito ao progresso, ficando, portanto, sem razão de ser o mau juízo que porventura ainda façam aqueles que de longe somente a conhecem pelas correspondências políticas ou pelos telegramas e notícias alarmantes transmitidas à imprensa”.

            O seu primeiro nome foi Tabocas. Muitas vezes Carlos Sousa contou a sua história ao Tourinho da farmácia, que era bom para escrever desaforos, mas não possuía as letras do outro farmacêutico Artur Nilo de Santana, que fazia uns discursos bonitos nas reuniões da filarmônica e ainda o público recordava o discurso que pronunciou no dia da instalação do termo da vila e comarca em 8 de novembro de 1906.

            Tabocas começou propriamente a nascer no ano de 1860. Alguns ranchos, toscos casebres, colocados ao lado da estrada, à margem direita do rio, habitados, uns por posseiros das matas próximas, outros por pequenos comerciantes que vendiam aos boiadeiros, que desciam, ou subiam ao sertão da vila de Conquista, cinquenta léguas distante, no poente.

            Moravam no local, conhecido hoje pelo nome de Marimbeta, Félix Severino do Amor Divino, Militão Francisco de Oliveira, José Severino de Oliveira, Faustino Jovita de Santa Fé, José Alves da Silva, João Antônio do Nascimento, Maximiano de Oliveira, Manuel Apolinário Batista, João Pinheiro do Nascimento e Anacleto Alves da Silva.

            Por muitos anos esses homens trabalharam, anonimamente, humildemente, bravamente, derrubando matas, fazendo roças, plantando cacau, acumulando riquezas.

            Verdadeiros heróis das selvas, isolados do mundo, da civilização adoeciam e morriam sem remédio, sem conforto, sem assistência.

            Entravam nas matas para trabalhar e muitas vezes, delas não saíam senão mortos por picadas de serpentes venenosas.

            É a história daquele velho que disse à mulher: “vou à roça buscar uns temperos para o feijão”. Foi e não voltou. A mulher também foi e não voltou. Os filhos começaram a chorar. Choraram o dia todo, os pais não apareceram, o fogo apagou-se a comida não cozinhou. Já à tardinha chegou um vizinho, perguntou aos meninos que choravam, pelos pais, e lá se foi com os meninos ao roçado, onde encontraram, caídos e mortos, o homem e a mulher, um quase por cima do outro.

            Ficaram surpresos, ficaram espantados, não ficaram com medo, porque nas matas do cacau o homem perde o medo, cria coragem e se torna indiferente.

            De repente ouviram qualquer coisa batendo no chão, e viram qualquer coisa se movimentando, uma coisa roliça, como uma corda grossa, e gritaram: Uma cobra, duas cobras! Realmente, duas cobras enormes de remexiam, irritadas, assanhadas, agressivas. Os meninos correram, o homem atirou numa cobra e depois na outra, com uma pistola de dois canos, calibre 44. Os dois tiros ecoaram forte na mata e os seus estampidos foram de quebrada em quebrada desaparecendo. O homem aproximou-se cauteloso. Havia matado dois “surucucus pico de jaca” cobra venenosa e terrível, que cresce dois metros e mora nas selvas. Um naturalista as classificou de cascavel da terra do cacau. Sua dentada é mortífera, não tem remédio, nem a reza cura...

            Assim como aqueles, se findavam muitos desbravadores, muitos fazendeiros de roça de cacau.

            E o paludismo, o tifo, a umidade das matas, os assaltos dos índios, mas tocaias traiçoeiras?

            Carlos Sousa sabia de tudo, isso contado pelos velhos moradores da terra. Tinha assim a noção de como a riqueza daquela terra, que Mares de Sousa falava no seu almanaque, se havia construído, com sacrifício, com martírio de uma geração, com trabalho audacioso e luta sem quartel.

            Hoje tudo se apresentava diferente.

            Até um médico vindo de Minas, de nome Coriolando Antunes, fazia consultas a prestação, recebendo de cada cliente, para assisti-lo e à família vinte cruzeiros por mês.


(TERRAS DE ITABUNA Capítulo V)

Carlos Pereira Filho


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