Nascimento de Tabocas
Já dizia
Mares de Sousa no seu almanaque de 1911: “Ponto algum do Estado, nesses últimos
anos, há tido maior desenvolvimento em comércio, lavoura, aumento de população,
de construções, de que Itabuna, que há quatro anos e dois meses era um simples
arraial. Daí bem se pode calcular a ascensão que esta localidade tem feito ao
progresso, ficando, portanto, sem razão de ser o mau juízo que porventura ainda
façam aqueles que de longe somente a conhecem pelas correspondências políticas
ou pelos telegramas e notícias alarmantes transmitidas à imprensa”.
O seu
primeiro nome foi Tabocas. Muitas vezes Carlos Sousa contou a sua história ao
Tourinho da farmácia, que era bom para escrever desaforos, mas não possuía as
letras do outro farmacêutico Artur Nilo de Santana, que fazia uns discursos
bonitos nas reuniões da filarmônica e ainda o público recordava o discurso que
pronunciou no dia da instalação do termo da vila e comarca em 8 de novembro de
1906.
Tabocas
começou propriamente a nascer no ano de 1860. Alguns ranchos, toscos casebres,
colocados ao lado da estrada, à margem direita do rio, habitados, uns por
posseiros das matas próximas, outros por pequenos comerciantes que vendiam aos
boiadeiros, que desciam, ou subiam ao sertão da vila de Conquista, cinquenta
léguas distante, no poente.
Moravam no
local, conhecido hoje pelo nome de Marimbeta, Félix Severino do Amor Divino,
Militão Francisco de Oliveira, José Severino de Oliveira, Faustino Jovita de
Santa Fé, José Alves da Silva, João Antônio do Nascimento, Maximiano de
Oliveira, Manuel Apolinário Batista, João Pinheiro do Nascimento e Anacleto
Alves da Silva.
Por muitos
anos esses homens trabalharam, anonimamente, humildemente, bravamente,
derrubando matas, fazendo roças, plantando cacau, acumulando riquezas.
Verdadeiros heróis das selvas, isolados do mundo, da civilização
adoeciam e morriam sem remédio, sem conforto, sem assistência.
Entravam nas matas para trabalhar e muitas
vezes, delas não saíam senão mortos por picadas de serpentes venenosas.
É a
história daquele velho que disse à mulher: “vou à roça buscar uns temperos para
o feijão”. Foi e não voltou. A mulher também foi e não voltou. Os filhos
começaram a chorar. Choraram o dia todo, os pais não apareceram, o fogo
apagou-se a comida não cozinhou. Já à tardinha chegou um vizinho, perguntou aos
meninos que choravam, pelos pais, e lá se foi com os meninos ao roçado, onde
encontraram, caídos e mortos, o homem e a mulher, um quase por cima do outro.
Ficaram
surpresos, ficaram espantados, não ficaram com medo, porque nas matas do cacau
o homem perde o medo, cria coragem e se torna indiferente.
De repente ouviram qualquer coisa batendo no
chão, e viram qualquer coisa se movimentando, uma coisa roliça, como uma corda
grossa, e gritaram: Uma cobra, duas cobras! Realmente, duas cobras enormes de
remexiam, irritadas, assanhadas, agressivas. Os meninos correram, o homem
atirou numa cobra e depois na outra, com uma pistola de dois canos, calibre 44.
Os dois tiros ecoaram forte na mata e os seus estampidos foram de quebrada em
quebrada desaparecendo. O homem aproximou-se cauteloso. Havia matado dois “surucucus
pico de jaca” cobra venenosa e terrível, que cresce dois metros e mora nas
selvas. Um naturalista as classificou de cascavel da terra do cacau. Sua
dentada é mortífera, não tem remédio, nem a reza cura...
Assim como
aqueles, se findavam muitos desbravadores, muitos fazendeiros de roça de cacau.
E o
paludismo, o tifo, a umidade das matas, os assaltos dos índios, mas tocaias
traiçoeiras?
Carlos
Sousa sabia de tudo, isso contado pelos velhos moradores da terra. Tinha assim
a noção de como a riqueza daquela terra, que Mares de Sousa falava no seu
almanaque, se havia construído, com sacrifício, com martírio de uma geração,
com trabalho audacioso e luta sem quartel.
Hoje tudo
se apresentava diferente.
Até um
médico vindo de Minas, de nome Coriolando Antunes, fazia consultas a prestação,
recebendo de cada cliente, para assisti-lo e à família vinte cruzeiros por mês.
(TERRAS DE ITABUNA Capítulo V)
Carlos Pereira Filho
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