Eli Boscatto
Pouco lembrado pela mídia, Rolando Boldrin tornou-se um
ícone da cultura nacional que, muito provavelmente, só será devidamente
lembrado depois da sua morte. Uma personalidade que é a cara do sertão, da
terra, do mato, um “caipira” com muito orgulho. Mas, acima de tudo, ele nos
transmite uma autenticidade de propósitos, uma paixão pelo que faz e
acredita...tanto que fica difícil não admirá-lo num país tão carente de boas
intenções...as verdadeiras, claro.
Gosto de vários estilos musicais e alguns
que, confesso, não costumo ouvir com frequência, mas tenho grande respeito. São
as canções de raiz, ou MPB regional . Aí estão incluídos, além de outros, Almir
Sater, Renato Teixeira e Rolando Boldrin. Ele representa o homem simples do
campo, um pouco ingênuo, um tanto crente e, talvez, por causa disso, feliz e
hospitaleiro.
Rolando Boldrin é cantor, ator, compositor, e parece dotado
daquela sabedoria das coisas da terra, é um poeta caipira, mas não é um
personagem que vende qualquer produto, nem é procurado pelos holofotes.
O programa Sr.Brasil, na TV Cultura, e o projeto cultural
“Vamos Tirar o Brasil da Gaveta!” fazem parte de seu currículo. Como ator, no
passado, já participou de muitas novelas, peças e filmes.
“Eu amo os atores que sabem que a única recompensa que podem
ter – não é o dinheiro, não são os aplausos – é a esperança de poder rir todos
os risos e poder chorar todos os prantos” Plínio Marcos.
Boldrin nasceu na pequena cidade interiorana de São Joaquim
da Barra, no estado de São Paulo. Desde pequeno, aos sete anos, já tocava a
viola e começou já uma empreitada musical junto com seu irmão, aos 12 anos de
idade, formando a dupla Boy e Formiga que era bem sucedida na rádio do
município.
Devido a incentivos por parte de seu pai, Boldrin foi, aos
dezesseis anos, para São Paulo - de carona em um caminhão. Lá, antes de
finalmente emplacar na carreira de cantor, foi sapateiro, frentista,
carregador, garçom e ajudante de farmacêutico. Aos 18 anos, serviu o exército
em Quitaúna e nos anos que seguiram dedicou-se à atividade musical.
Assim, Boldrin debutou em 1960 como um participante do disco
de sua futura esposa, que tornou-se sua produtora na época, Lurdinha Pereira.
Lançou seu primeiro disco solo, pela Continental, O Cantadô, em 1974.
Em 2010, foi tema do desfile da escola de samba Pérola
Negra, no carnaval de São Paulo, com o enredo "Vamos tirar o Brasil da
gaveta". O seu empenho em ressaltar a cultura nacional foi um dos pontos
centrais do desfile.
Homi Não Chora – Rolando Boldrin
Hoje aqui, oiando pra vancê meu pai, To me alembrando quanto
tempo faz Que pela primeira vez na vida eu chorei. Não foi quando nasci pru que
sei que vim berrando...
E disso ninguém se alembra, não. Foi quando um dia eu
caí...levei um trupicão, Eu era criança. Me esfolei, a perna me doeu, Quis
chorá, oiei pra vancê, que esperança. Vancê não correu pra do chão me alevanta.
Só me oiô e me falô: - Que isso, rapaz ? Alevanta já daí...
HOMI NÃO CHORA.
Aquilo que vancê falô naquela hora, Calou bem fundo, pru que
vancê era o maió homi do mundo. Não sabia menti nem pra mim nem pra ninguém...
O tempo foi passando...cresci também... Mas sempre me alembrando..
HOMI NÃO CHORA. Foi o que vancê falô. O mundo foi me dando
os solavanco, Ia sentindo das pobreza os tranco... Vendo as tristezas vorteá
nossa famía, E as vêiz as revorta que eu sentia era tanta Que me vinha um nó
cego na garganta, Uma vontade de gritá... berrá, chorá... mas quá... Tuas
palavra, pai, não me saía dos ouvido... HOMI NÃO CHORA.
Intão, mesmo sentido, eu tudo engolia E segurava as lágrima
que doía... E elas não caía, nem com tamanho de Quarqué uma dô...
Veio a guerra de 40... e eu tava lá... um homi feito, Pronto
pra defendê o Brasí. Vancê e a mãe foram me acompanhá pra despedi. A mãe,
coitada, quando me abraçô, chorô de saluçá. Mas, nóis dois, não. Nóis só se
oiêmo, se abracêmo e despedimo Como dois Homi. Sem chorá nem um pingo. Ah, me
alembro bem... era um dia de domingo. Também quem é que pode esquecê daquele
tempo ingrato ? Fui pra guerra, briguei, berrei feito um cachorro do mato, A
guerra é coisa que martrata... Fiquei ferido... com sodade de vancês... escrevi
carta. Sonhei, quase me desesperei, mas chora, memo que era bão Nunca chorei...
Pruque eu sempre me alembrava daquilo que meu pai falô: - HOMI NÃO CHORA.
Agora, vendo vancê aí... desse jeito... quieto... sem fala,
Inté com a barbinha rala, pru que não teve tempo de fazê.. Todo mundo im vorta,
oiando e chorando pru vancê... Eu quero me alembrá... quero segurá... quero
maginá Que nóis dois sempre cumbinemo de HOMI NÃO CHORÁ... quero maginá que um
dia vancê vorta pra nossa casa Pobre... e nóis vai podê de novo se vê ansim,
pra conversá. Intão vem vindo um desespero, que vai tomando conta... A dô de vê
vancê ansim é tanta... é tanta, pai, Que me vorta aquele nó cego na garganta e
uma lágrima Teimosa quase cai... Óio de novo prôs seus cabelo branco... e
arguém me diz Agora pra oiá pela úrtima vez..que tá na hora de vancê Embarcá.
Passo a minha mão na sua testa que já não tem mais
pensamento... e a dô que tô sentindo aqui dentro, Vai omentando...omentando,
quase arrebentando Os peito...e eu não vejo outro jeito senão me descurpá. O
sinhô pediu tanto pra móde eu não chorá... HOMI NÃO CHORA... o sinhô cansô de
me falá...mas, pai, Vendo o sinhô ansim indo simbora... me descurpe, mas, Tenho
que chorá.
Fonte: http://www.rolandoboldrin.com.br/home.asp#
ELI BOSCATTO
Formada em Ciências Políticas e Sociais, curiosa, inquieta,
adora se emocionar. Pretensa poeta...
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