O voo da sabiá
Para Bia Hygino, com afeto.
Era manhã de domingo. Encontra-se ele em sua casa de campo.
Sentado numa poltrona, na varanda, contemplava a natureza.
No jardim, havia muitas flores. Um pé jamelão trazia-lhe doces lembranças do seu tempo de criança. Um pé de amora ofertava frutos dulcíssimos. O cajueiro de frutos sem igual. As goiabeiras, o pé cambucá, as mangueiras, o pé de jambo a colorir a terra de lilás. E o pé de seriguela…. os galhos arriavam cheios de frutos maduros. Do pé de carambola seus frutos transformavam-se num doce de estrelas. Havia muito mais…
Em meio àquele cenário, solenemente casais de pavão passeavam. Em harmonia
viviam perus, patos, gansos e galos a cantar a melodia da alvorada, a qual
repetiam ao longo dia.
Os passarinhos entoavam doces melodias de amor.
Por entre os montes, um riacho serpenteava em direção ao oceano, fertilizando o
solo à margem de seu leito.
Dentro de casa, Nide preparava um delicioso café da manhã que seria servido
assim que todos estivessem sentados à mesa. Faltava apenas Bia, a filha dele
que ainda se arruma.
Estava acertada uma caminhada matinal pelas redondezas.
Em meio aquilo tudo e no aguardo do desjejum, observou uma sabiá a fazer voos
rasteiros em sua direção, sobrevoando lhe a cabeça.
No galho de cambucá, outra sabiá atentamente a tudo observa.
Olhou para cima e viu um ninho feito no espaço entre o ripão e o telhado.
Dentro dele dois ou três pássaros. Um deles ficou à beira do ninho. A sabiá
alimentava os outros dois.
Ele ficou preocupado com a possibilidade de o pequenino cair e se machucar. A
altura entre ninho e chão era de dois metros e meio, mais ou menos. Pensou em
fazer qualquer coisa que impedisse o inevitável, mas preferiu não interceder.
De repente, o cheiro de café espalhou- se pelo ar e veio o chamado. Mesa posta,
familiares sentados. Servido foi bolo de aipim, de tapioca e de milho. Mingau
de milho verde, canjica e pão. Seu compadre e cunhado, se fartou.
Com o pensamento voltado para a sabiá, retornou à varanda. Para sua surpresa,
no chão, viu aquele passarinho que estava à beira do ninho. Frágil, indefeso,
penugem esparsa, tentando fazer curtos voos por dentro da varanda. Não se
conteve. Delicadamente, buscando protegê- lo, conseguiu levá-lo de volta ao
ninho. Os pais, desesperados, do cajueiro observavam interferência do bicho
homem.
Um deles voou de onde se encontrava para o ninho e ficou como se a conversar com
o seu filho. Todos presenciaram a cena.
Na varanda, ficaram por cerca duas horas na expectativa do que pudesse
acontecer. Nada aconteceu, salvo as idas e vindas da sabiá sempre a alimentar
seus filhotes.
Resolveram, então, fazer a caminhada, conforme combinado.
Quando do retorno, já por volta do meio dia, o pequenino estava fora do ninho,
novamente no chão e com o mesmo propósito: voar.
Ele pensou em levá-lo de volta, como antes o fizera, mas seu cunhado o
dissuadiu. Ponderou para que observassem junto o que ocorreria.
Então, fazendo pequenos voos conseguiu chegar ao pé de Cambucá. Do pé de
Cambucá voou para o pé de seriguela. Daí, para o galho do cajueiro. Em seguida
para a caramboleira. Nessa trajetória acompanhada foi, à distância, pelos pais.
A certa altura foi deixado pelos seus pais e voou na imensidão do azul.
Ficou ele a pensar o que poderia acontecer ao pequenino pássaro, desde o
badoque até a ação do predador natural.
Nada, entretanto, podia fazer. O
destino estava selado: voar.
Tudo que pudesse ou que viesse a acontecer com
aquele pássaro fazia parte ou faz parte dessa história que se chama vida.
Veio o almoço e descanso vespertino.
À noite, pirilampos faziam breves clarões e os grilos cantavam em festa.
Logo de manhã retornaram à cidade.
Anos depois, perdido em seus pensamentos, sua filha, ainda adolescente, sem
qualquer experiência de vida, veio ao seu encontro e lhe disse: pai, tenho uma
surpresa. Qual?
Questionou ele. Ela lhe respondeu com alegria contagiante:
passei na seletiva do intercâmbio. Vou para Taiwan, país que fica ao sul da
China. O Senhor deixa?
Naquele instante veio em sua mente um poema do incomparável Khail Gibran, “Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da
vida por si mesma.Vêm através de vós, mas não de vós e embora vivam convosco, não vos pertencem”.
Lembrou-se, então, do voo da sabiá. Disfarçando com um sorriso o seu medo e não
contendo a lágrima que rolava em seu rosto, abraçou-a afetuosamente, sem nada
dizer.
Antônio Carlos de Souza Hygino
Juiz de Direito titular da 5ª Vara Cível da Comarca de
Itabuna – Bahia.
E-Mail: hyginoantonio@bol.com.br
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