Viagem para a vila de Itabuna
O
pequeno barco já deixara o porto de Salvador e singrava bamboleando em busca do
porto de Ilhéus. A bordo o coronel Firmino, impávido aos balanços, sereno como
um velho lobo do mar, charuto na boca, circulava pelo pequeno barco com a
naturalidade de um veterano naquelas viagens. Um viajante comercial, que ia
representar as suas mercadorias nas casas comerciais de Ilhéus, uns poucos
sergipanos em demanda do Sul da Bahia, a pequena tripulação meio rude, meio
pressurosa e, estirado numa espreguiçadeira no estreito tombadilho, sentindo as
agruras de uma viagem marítima que enfrentava pela primeira vez, olhar perdido
no horizonte, coração apertado, o jovem advogado buscava o encontro
com o seu novo e definitivo destino. Que surpresas o aguardariam naquela terra?
Três
dias durou a viagem. A alimentação a bordo constava de café com bolacha,
servido em canecas, feijão, arroz e alguma carne. O barco às vezes esquentava
tanto que era preciso se chegar bem perto à amurada para receber no rosto a
brisa do mar, mas para isso era preciso firmeza nas pernas e muito equilíbrio
para não escorregar no vai-e-vem do balanço. O ruído das máquinas lá em baixo,
o calor, a má acomodação só despertavam uma vontade: chegar!
Na
tarde do terceiro dia um ar mais animado se estampou nos rostos dos
passageiros. Estavam passando ao largo da “pedra de Ilhéus” e os coqueirais e
contornos de morros já se delineavam ao longe. Logo mais entravam na barra e
umas horas mais desembarcavam em terra firme. A tarde começava a cair. O
coronel Firmino e o jovem Lafayette hospedaram-se por aquela noite em casa do
coronel Eustáquio Bastos, no Pontal. No dia seguinte prosseguiriam viagem de
canoa até o Banco da Vitória e, de lá, para Itabuna, iriam a cavalo. Seriam
dois dias de viagem podendo até durar mais a depender da maré e das montarias
que se tinha de arranjar. Pela manhã bem cedo deixaram o Pontal embarcando numa
grande canoa. Esta começou a deslizar silenciosa e monótona, ora beirando o
manguezal, ora enfrentando as águas mais profundas do rio Fundão, que subiam ou
desciam conforme a maré. Nessa viagem já os acompanhava um homem de confiança,
para cuidar das bagagens e providenciar as montarias. No Banco mais um
pernoite. No dia seguinte, pela manhã, os viajantes prosseguiram montados até a
vila de Itabuna. A longa viagem no lombo de um burro, para quem nunca tinha
montado em toda a sua vida, era penosa. O grupo agora era composto de mais
outro homem. Na frente ia o “camarada” mostrando o caminho, abrindo
passagem, decepando ramos baixos ou entrelaçados com o afiado facão.
Por último outro “camarada” conduzia a besta com as bagagens. Depois
de horas de viagem no meio de uma vegetação rasteira bordada de flores
silvestres, ora arbustivas, atravessaram um pedaço de mata para mais adiante
surgir uma visão inédita para o moço Lafayette: cacau! Estavam entrando numa
das grandes fazendas do coronel Henrique, passagem obrigatória para quem
demandava aquele itinerário. Ali estava a riqueza sonhada por muitos. As
árvores dos frutos de ouro se estendiam incontáveis. Nos seus troncos e galhos,
frutos verdes e amarelados se amontoavam num prenúncio de safra propícia. Era
um mundo de sombra e silêncio. Na grande quietude só se ouvia, a pedaços, o
murmúrio do Cachoeira, que corria perto, ou a estridência de alguma cigarra. No
mais, o farfalhar das folhas secas que estalavam sob as patas das cavalgaduras.
De vez em quando um alerta:
-
Abaixa a cabeça, coroné!
Era
mais um galho de cacaueiro ameaçador para o viajante distraído ou desavisado.
De repente, lá pelas tantas, os cavaleiros estacam de supetão os seus animais.
O que estaria acontecendo? Que tiroteio era aquele? Cautelosos, avançam mais
alguns metros e, com surpresa e aliviados vêm que é uma explosão de alegria dos
cabras da fazenda saudando, à maneira deles, a chegada do coronel
Henrique vindo de Ilhéus. A saudação era feita ainda a caminho já perto da
entrada da fazenda. Um verdadeiro séquito armado e a cavalo, viera recebê-lo
numa explosão de tiros de saudação.
Um
cheiro novo e desconhecido para o moço advogado enchia agora todo o ar, cheiro
de cacau fermentado, cheiro de terra molhada, de mato, de mistérios.
(LAFAYETTE DE BORBOREMA - UMA VIDA, UM IDEAL)
Helena Borborema
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HELENA BORBOREMA - Nasceu em Itabuna. Professora de
Geografia lecionou muitos anos no Colégio Divina Providência, na Ação Fraternal
e no Colégio Estadual de Itabuna. Formada em Pedagogia pela Faculdade de
Filosofia de Itabuna. Exerceu o cargo de Secretária de Educação e Cultura do
Município. (A autora)
“Filha do Dr. Lafayette Borborema, o primeiro advogado de Itabuna. É autora de ‘Terras do Sul’, livro em que documento, memória e imaginação se unem num discurso despretensioso para testemunhar o quadro social e humano daqueles idos de Tabocas. Para a professora universitária Margarida Fahel, ‘Terras do Sul’ são estórias simples, plenas de ‘emoção e humanidade, querendo inscrever no tempo a história de uma gente, o caminho de um rio, a esperança de uma professora que crê no homem e na terra" (Cyro de Mattos).
“Filha do Dr. Lafayette Borborema, o primeiro advogado de Itabuna. É autora de ‘Terras do Sul’, livro em que documento, memória e imaginação se unem num discurso despretensioso para testemunhar o quadro social e humano daqueles idos de Tabocas. Para a professora universitária Margarida Fahel, ‘Terras do Sul’ são estórias simples, plenas de ‘emoção e humanidade, querendo inscrever no tempo a história de uma gente, o caminho de um rio, a esperança de uma professora que crê no homem e na terra" (Cyro de Mattos).
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