17/02/2017
Malu Delgado
Pedro Ladeira/Folhapress
Cunha enviou 19 perguntas a serem feitas para Michel Temer e
Moreira Franco
Ao arrolar Michel Temer e Moreira Franco como testemunhas,
ex-deputado cria constrangimentos, eleva tensão no meio político e tenta barganhar
com Ministério Público condições melhores para sua delação premiada.
Quem conviveu com Eduardo Cunha (PMDB-RJ) como parlamentar e
presidente da Câmara tem relatos impressionantes sobre sua memória,
perspicácia, inteligência e refinada articulação política.
O mesmo ocorre agora, quando, réu da Operação Lava Jato,
preso desde outubro do ano passado em Curitiba, o deputado cassado surpreende
renomados criminalistas ao traçar estratégias de sua própria defesa e mostrar
conhecer detalhes dos processos dos quais é réu.
REUTERS/Adriano Machado
Temer (à esq.) poderá responder por escrito; Moreira Franco
terá de depor a um juiz
As 19 perguntas de Cunha para Temer e Moreira Franco
Ao apresentar 19
perguntas nesta quinta-feira (16) para as testemunhas que arrolou como
defesa, desta vez na Justiça Federal em Brasília, Cunha mexeu importantes peças
do jogo. Suas testemunhas serão o presidente Michel Temer e o agora ministro
Moreira Franco, seus colegas de partido de longa data.
No mundo da política, a estratégia de defesa soou como uma
ameaça. Este caso sob investigação em Brasília, do qual Cunha é réu, refere-se
a um fundo de investimentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o
FI-FGTS. Criado em 2007, esse fundo aplica recursos do FGTS "na
construção, reforma, ampliação ou implantação de empreendimentos de
infraestrutura em rodovias, portos, hidrovias, ferrovias, aeroportos, energia e
saneamento". Moreira Franco controla, no governo, exatamente o setor das
parcerias privadas com o poder público.
Rastilho de pólvora
Desde que foi preso, paira em Brasília um certo pânico, em
especial no PMDB e no Palácio do Planalto, sobre os efeitos de uma eventual
delação premiada de Cunha.
"Ele não fez nenhuma pergunta cuja resposta não saiba. A
intenção dele é exatamente essa: dizer que ele sabe as respostas. Isso é
brilhante. O que ele fez foi brilhante. É lógico que ele espalhou a
pólvora", opina o advogado Roberto Tardelli, procurador de Justiça
aposentado.
Crítico das delações premiadas, Tardelli compara Cunha a um
enxadrista experiente que deu xeque-mate no rei. Deixa no ar a possibilidade de
trazer Temer para o olho do furacão caso negocie com o Ministério Público uma
delação premiada.
"Ele tornou pública a ameaça de que vai envolver o
presidente da República", analisa o ex-procurador. A jogada é audaciosa,
na opinião do advogado, e de certa maneira Cunha tomou o baralho das mãos dos
investigadores. "Quem está dando as cartas é ele."
O preço e o timing da delação
Para Thiago Bottino, professor de direito penal da Fundação
Getúlio Vargas do Rio, não se pode entender as perguntas como uma espécie de
delação às avessas, em que Cunha antecipa alguns fatos sobre os quais poderia
ter conhecimento.
"A premissa da delação é a pessoa confessar que praticou um
crime e mostrar que outras pessoas também praticaram, e cuja participação não é
de conhecimento do Ministério Público, fornecendo provas. Cunha não está
confessando que cometeu crime."
Porém, Bottino aponta que o ex-deputado pode estar jogando
com o timing e barganhando para obter uma delação premiada mais vantajosa.
"O Ministério Público pode não ter oferecido a delação
a Cunha porque não sabe exatamente o que vai pedir. E Cunha pode não ter se
manifestado pela colaboração porque acha que, se colaborar agora, teria menos
benefícios. Os dois lados agem por estratégia."
As perguntas e as testemunhas arroladas, para o professor,
podem ter no meio jurídico um efeito muito distinto do que produzem no meio
político. Ele pontua, por exemplo, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva arrolou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seu rival na política,
como testemunha de defesa. O objetivo de Lula era que FHC informasse que é
normal fundações de ex-presidentes receberam doações.
Modus operandi
No caso de Cunha, segundo Bottino, há algo também nessa
linha. Pelas perguntas formuladas, Cunha quer deixar claro ao juiz que é um
procedimento normal, na política, um parlamentar ter encontro com empreiteiros,
por exemplo.
"As perguntas podem constranger políticos e aliados?
Podem.
Mas não é bem uma delação. O que ele está querendo dizer é que nem ele
nem aquelas pessoas que ele cita cometeram crimes. Agora, se ele vai convencer
o juiz e a opinião pública, aí são outros quinhentos", pondera o
professor.
De fato, em boa parte de seus questionamentos, Cunha pede
que Temer e Moreira Franco falem sobre encontros e indicações políticas para
cargos.
"Várias defesas são nesta linha, de mostrar que é como
sempre foi feito. É um padrão, tinha indicação política e não necessariamente
aquilo era um esquema. Você indicou fulano? Você participou da reunião onde foi
definido o nome de fulaninho para direção de tal coisa?", exemplifica o
professor da FGV.
Consequências
Temer e Moreira Franco são obrigados a dar seu testemunho. O
presidente tem a prerrogativa de fazê-lo por escrito. Moreira Franco, por ser
ministro, pode definir o dia, local e hora para o depoimento. Cabe ao juiz
deferir ou indeferir as perguntas.
O juiz Sérgio Moro, por exemplo, já ignorou parte de
perguntas que Cunha fez em outro processo a Temer sob o argumento de que ele
quis constranger o presidente.
O juiz que vai conduzir o processo em Brasília, segundo os
especialistas, fica em posição delicada. "O juiz pode ignorar essas
perguntas sobre fatos que dão a entender sobre suposto envolvimento do
presidente da República com organização criminosa e corrupção?", questiona
Tardelli. Bottino critica a decisão de Moro.
O juiz pode rejeitar as perguntas caso conclua que não têm
relação com a causa, caso redundem em repetição ou caso possam levar a uma
indução da resposta. Neste caso, explica, o juiz pode pedir a reformulação da
pergunta.
"O juiz deveria dar liberdade às partes perguntarem. Se
ele impede a pergunta, antes de ela ser feita, como vai dizer se é importante
ou não? A rigor, quem tem que produzir as provas são as partes, e não o juiz.
Se ele diz que essa pergunta não interessa, no fundo ele que está produzindo a
prova. E isso é o oposto do que o código orienta", afirma, numa crítica a
Moro.
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