Por amor
Recordo-me bem das alvoradas e, com mais nitidez, do por do
sol no velho cais banhado pelas águas do Rio Buranhém, que se mesclavam com as vindas do oceano,
separados, o rio e o mar, por um colossal recife em barreira esculpido pela
natureza, a desenhar uma das mais belas paisagens por ela criadas. Vejo-me na
Ponta de Areia, local próximo ao cais. Na beira da praia, havia a tarifa –
ponto de comércio de mariscos -. Ao lado, uma amendoeira antiga cercada por
espécie de banco de madeira, meio desforme e rústico, onde as pessoas se
reuniam para conversar, jogar dominó, tomar um trago e também confidenciar
juras de amor. Próximo dali, na Praia do Cruzeiro, misturam-se pitangueiras,
mangabeiras, cajueiros e, na areia branca, os pés de gurus se espalhavam
entrelaçados e ofertavam frutos roxeados de sabor inesquecível, sem igual.
A eles se misturavam os pés de cocos de caxandó. Eu era menino e, juntamente com meus amigos, desfrutava daquilo tudo. Adorava ir à tarifa com o meu avô comprar peixe. O preferido dele era Guaricema. Minha avó fazia uma moqueca de Guaricema frita, servida com mangabas, que até hoje guardo na lembrança. Numa dessas idas e vindas à tarifa, ou- vir um marujo, em tom zombador, de deboche, contar ao meu avô o que houvera se passado com “Beijinho”, um pescador, homem do mar. Assim o chamavam porque era de baixa estatura. Seu nome era Benjamim.
A eles se misturavam os pés de cocos de caxandó. Eu era menino e, juntamente com meus amigos, desfrutava daquilo tudo. Adorava ir à tarifa com o meu avô comprar peixe. O preferido dele era Guaricema. Minha avó fazia uma moqueca de Guaricema frita, servida com mangabas, que até hoje guardo na lembrança. Numa dessas idas e vindas à tarifa, ou- vir um marujo, em tom zombador, de deboche, contar ao meu avô o que houvera se passado com “Beijinho”, um pescador, homem do mar. Assim o chamavam porque era de baixa estatura. Seu nome era Benjamim.
Sujeito forte, valente, destemido. Beijinho era pai de
Maciel e de Otávio, frutos do seu casamento
com Ana, conhecida por Donana, a mulher de sua vida. Havia duas coisas que
realmente amava Ana e o mar. Eram pescadores, mestres na arte de navegar. Não
tinham estudo, mas experiência não lhes faltava. Tinham um saveiro batizado de
“Marujo”. Da embarcação tiravam o sustento.
O casamento de mais de 40 anos findara com a morte de
Donana. A dor da perda da mulher amada, modificou-lhe
complemente a vida. Beijinho não mais saia de casa. Fez-se triste. Nada mais
fazia sentido. Desde o passamento, há um ano, a solidão e a tristeza passaram a
lhe fazer companhia.
Certo dia, seus filhos convenceram-no a visitar “Marujo”. Estava o saveiro completamente reformado. Convencido pelos filhos resolveu, então, voltar ao mar. O barco foi guarnecido do necessário à finalidade. No dia seguinte, bem cedinho, deixaram o cais. O veleiro rompeu a barra e rasgou o mar. A previsão de retorno era no final da tarde. A depender da pescaria, dormiriam no mar e voltariam no dia seguinte. A pesca era artesanal. Não havia instrumentos de navegação, salvo a bússola. Falava mais alto a experiência, até mesmo na localização dos chamados pesqueiros em alto mar.
Certo dia, seus filhos convenceram-no a visitar “Marujo”. Estava o saveiro completamente reformado. Convencido pelos filhos resolveu, então, voltar ao mar. O barco foi guarnecido do necessário à finalidade. No dia seguinte, bem cedinho, deixaram o cais. O veleiro rompeu a barra e rasgou o mar. A previsão de retorno era no final da tarde. A depender da pescaria, dormiriam no mar e voltariam no dia seguinte. A pesca era artesanal. Não havia instrumentos de navegação, salvo a bússola. Falava mais alto a experiência, até mesmo na localização dos chamados pesqueiros em alto mar.
Naquele dia tudo estava correndo muito bem. Haviam
localizado um pesqueiro e farta era a pesca. Animados, resolveram pernoitar.
Caía a tarde. As estrelas, ainda meio tímidas, começam a piscar no firmamento.
De repente, o tempo se transformou. O vento sul soprava impiedosamente, cujas
rajadas violentas despertaram a ira de Netuno, deixando o mar revolto. A
natureza chorava em forma de tormenta e seus gritos se revelavam no estrondo
estarrecedor dos trovões. Por vezes cuspia labaredas de fogo a iluminar, por
breves segundos, o breu da noite.
Em meio a esse cenário, o saveiro desgovernado bailava, ora
para a esquerda, ora para a direita, ora para cima, ora para baixo, sem saber
ao certo para onde ir. Dentro dele, os homens desesperados, rogavam a Deus a
salvação. A chuva apagou as duas lamparinas que se encontram do lado de fora do
convés. Tudo ficou turvo. Tateando em busca de uma delas, Beijinho
desequilibrou-se e caiu ao mar. Desesperado, mestre Otávio lançou-se ao mar em
fúria para socorrer seu velho pai. Seu guia era a intuição. Do saveiro, com uma
lanterna, Maciel norteava a Otávio. Os gritos aflitos deram a Otávio a
localização de Beijinho. Agarrado ao pai tentava bravamente levá-lo a bordo,
mas não conseguia devido não só às circunstâncias, mas à resistência dele em
querer morrer no mar. Sem alternativa, deferiu-lhe um soco, vindo ele a
desmaiar. Maciel arremessou- lhe uma boia amarrada numa corda. Agarrou-se à
boia e puxado por Maciel, finalmente veio a bordo trazendo consigo o pai.
Exausto, no convés, agarrado ao seu pai, viu a noite lentamente passar.
O dia amanheceu. O tempo havia melhorado. Beijinho acordou. Ainda assustado, o mestre Otávio lhe pergunta: “meu pai, por que o senhor dizia aos gritos que queria morrer”? Ao que ele respondeu: “porque não cumpri a jura que fiz a Ana, a mulher que sempre amei e amo, de partir antes dela para esperá-la no céu, na casa de Deus e, num cantinho, revivermos o nosso grande amor”. Em silêncio, atentamente, meu avô a tudo ouviu. Apaixonado por minha avó, não fez qualquer comentário. Pensei comigo como podia àquele homem desdenhar do amor? Afinal, quem nunca quis morrer por amor?
O dia amanheceu. O tempo havia melhorado. Beijinho acordou. Ainda assustado, o mestre Otávio lhe pergunta: “meu pai, por que o senhor dizia aos gritos que queria morrer”? Ao que ele respondeu: “porque não cumpri a jura que fiz a Ana, a mulher que sempre amei e amo, de partir antes dela para esperá-la no céu, na casa de Deus e, num cantinho, revivermos o nosso grande amor”. Em silêncio, atentamente, meu avô a tudo ouviu. Apaixonado por minha avó, não fez qualquer comentário. Pensei comigo como podia àquele homem desdenhar do amor? Afinal, quem nunca quis morrer por amor?
E tenho, até hoje, que só desdenha do amor quem não conhece
o amor.
Amar é preciso.
Viver não é preciso.
Sobre o autor:
Antônio Carlos de
Souza Hygino
Juiz de Direito titular da 5ª Vara Cível da Comarca de
Itabuna – Bahia.
E-Mail: hyginoantonio@bol.com.br
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