A ESTANTE
March 26, 2013
Naquele novo apartamento da Rua Visconde de Pirajá pela
primeira vez teria um escritório para trabalhar. Não era um cômodo muito grande,
mas dava para armar ali a minha tenda de reflexões e leitura: uma escrivaninha,
um sofá e os livros. Na parede da esquerda ficaria a grande e sonhada estante
que caberia todos os meus livros. Tratei de encomendá-la a seu Joaquim, um
marceneiro que tinha oficina na Rua Garcia D’Avila com Barão da Torre.
O apartamento não ficava tão perto da oficina. Era quase em
frente ao prédio onde morava Mário Pedrosa, entre a Farme de Amoedo e a antiga
Montenegro, hoje Vinicius de Moraes.
Estava ali há uma semana e nem decorara
ainda o número do prédio. Tanto que, quando seu Joaquim, ao preencher a nota da
encomenda, perguntou-me onde seria entregue a estante, tive um momento de
hesitação. Mas foi só um momento.
Pensei rápido: “Se o prédio do Mário é 228, o
meu, que fica quase em frente, deve ser 227. “Mas lembrei-me de que, ao ir ali
pela primeira vez, observara que, apesar de ficar em frente ao do Mário, havia
uma diferença na numeração.
— Visconde de Pirajá 127 — respondi, e seu Joaquim desenhou
o endereço na nota.
— Tudo bem, seu Ferreira. Dentro de um mês estará lá sua
estante.
— Um mês, seu Joaquim! Tudo isso? Veja se reduz esse prazo.
— A estante é grande, dá muito trabalho… Digamos, três
semanas.
Contei as semanas. Não via chegar o momento de ter no
escritório a estante sonhada, onde enfim poderia arrumar os livros por assunto
e autores. E, mais que isso, sentir-me um escritor de verdade, um profissional,
cercado de livros por todos os lados. No dia da entrega, voltei do trabalho
apressado para ver minha estante.
— Como é, veio? — perguntei ao entrar.
— Veio o quê?
— Como o quê? A estante!
Não viera. Seu Joaquim não cumprira com a palavra empenhada,
ah português filho de… Telefonei para ele sem dissimular, no tom da voz, minha
irritação. E ele:
— Como não cumpri? Andei com dois homens de cima para baixo
da rua e não encontrei o tal número que o senhor me indicou. Não existe na Rua
Visconde de Pirajá o número 127, senhor Ferreira.
Fiquei sem ação. Dera a ele o número errado.
— Diga-me o número certo e sua estante estará em sua casa
amanhã mesmo.
Fiquei sem palavra. Se não era 127, qual número seria? Não
era 227, disso tinha certeza… E o Joaquim ao telefone:
— Qual o número, seu Ferreira?
— É 217, seu Joaquim… É isso, 217.
— Muito bem, 217. Já anotei. Amanhã terá sua estante.
Não tive. Ao chegar em casa e verificar que a estante não
estava lá, conclui que havia dado de novo o número errado ao marceneiro. E
corri para o telefone a fim de me desculpar.
— Seu Joaquim, é o senhor Ferreira… da estante.
— O senhor está querendo brincar comigo?
Fui tomado por um frouxo de riso, enquanto seu Joaquim,
indignado, dizia que não ia mais entregar estante nenhuma, que eu fosse
buscá-la, pois já era a segunda vez que subira e descera a Visconde de Pirajá,
carregando aquela estante enorme, etc. etc…
* * *
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