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terça-feira, 15 de novembro de 2016

MAR DE DENTRO - Fernanda Pompeu

Mar de Dentro


       Não sei precisar quando surgiu a noção de autor. Creio ter havido épocas em que a relevância estava no conteúdo e ninguém se importava com autorias. Mas agora, já vão séculos, autores são prestigiados. Não acho ruim. Adoro quando compartilham meus textos com meu nome associado.        Dar crédito a quem de direito é justo. Outro dia li uma verdade do escritor italiano Primo Levi (1919-1987):O mundo não é justo. Mas nós amamos a justiça. Levi dedicou sua vida a contar os horrores que presenciou em Auschwitz, o tragicamente célebre campo de concentração nazista.
    Penso também que a definição de autor extrapola completamente escritores, músicos, pintores, cineastas, desenhistas, criadores de aplicativos. A autoria está presente em todos nós. No mínimo, cada pessoa é autora de grande parte de sua história. Faz alguns anos tive o prazer de conhecer uma senhora quilombola da comunidade Kalunga na Serra Geral, Monte Alegre, Goiás. Dona Procópia dos Santos Rosa, analfabeta de pai e mãe, foi a autora da escola instalada no quilombo. Ela liderou o movimento que reivindicou e conseguiu que o Estado cuidasse da educação de crianças e adolescentes na comunidade.
        Outra categoria é a dos autores incansáveis. Gente que se reinventa por várias vezes. Meu pai (1930-2013) foi petroleiro, bancário, vendedor ambulante, livreiro, agitador de massas, contador de histórias de arrebatar ouvintes. Ele gostava das pessoas. Costumava dizer que a humanidade é mais generosa do que mesquinha. Outra reinvenção incrível foi a de Cora Coralina (1889-1985), goiana como Dona Procópia. Ela publicou seu primeiro livro aos 76 anos. Não um livro bijuteria. Escreveu joias de poemas.
       Autores do destino são pessoas que arriscam pôr a cara no mundo. Empurram limites preestabelecidos. Eles gostam de observar estrelas. Não por alheamento ou falta do que fazer. Olham para o alto para ter forças em abrilhantar o pequeno. A analfabeta que viabiliza uma escola, o trabalhador que não tem medo de começar tudo de novo, a doceira que escreve poemas no caderno de receitas. A vida tem começo e fim. Mas no durante dela somos autoras e autores de caminhos.

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