Pegando fogo
A marchinha de
Francisco Mattoso lança o grito que nos últimos dias está na pele de todos: “Meu coração amanheceu / Pegando
fogo, fogo, fogo!” Coração e braços e pernas estão assando com o caloraço
de setembro. Nada da morena que passou
perto: foram os recordes de temperatura que nos deixaram assim.
Nós aqui no
Maranhão até que escapamos das temperaturas quarentenárias e não precisamos
entrar em quarentena, mas no Sul Maravilha a coisa foi feia. Felizmente nós
somos um povo que é antes de tudo um forte e não tivemos a mortandade que as
canículas deste século têm feito no hemisfério norte, sobretudo entre os
velhinhos como eu. Lá, quando a maré de caldo quente vem chegando, eles precisam começar as campanhas: “fique em
casa”, “hidratação de hora em hora”, “feche bem a casa”.
Feche a casa? Pois
é. Na Europa eles descobriram que as casas, bem isoladas para manter-se
aquecidas no inverno, funcionam no verão para não deixar entrar o calor. Aqui
nessa nossa cidade de São Luís temos felizmente os ventos alísios passando
pelas casas de pé direito alto e ventilação cruzada, solução equatorial que nos
deixaram os construtores portugueses.
Mas de onde vem
este fogo infernal? Hoje não há dúvida de que das mudanças climáticas
provocadas pelo homem. Aqui no Brasil não temos, infelizmente, dado a
contribuição que devíamos. Continuamos desmatando e tocando fogo, a passos
largos, na Amazônia, no Cerrado, até na Mata Atlântica — na minúscula fração da
Mata Atlântica que ainda está de pé. É claro que o centro do problema está na
Floresta Amazônica, que é tão generosa e acolhedora para o homem e que ele teima em destruir.
No começo do século
passado ficou muito conhecido um livro — aliás o nome de um livro — de Alberto
Rangel. Era um escritor empolado e difícil de ler, mas o nome colou e virou um
apelido injusto. Aliás o conto que dá nome ao livro fala de um engenheiro que
invectiva a floresta, que, na voz de Rangel, “poderia responder”:
“Fui um Paraíso.
Para a raça íncola nenhuma pátria
melhor, mais farta e benfazeja. Por
mim as tribos erravam no sublime desabafo dos instintos de conservação… Inferno
verde do explorador moderno, vândalo inquieto… alma ansiada de paixão por
dominar a terra virgem que barbaramente violenta. Eu resisto à violência dos
estupradores…”
O livro foi
prefaciado pelo extraordinário Euclides da Cunha. E se a visão de Rangel é a
oposta do “inferno verde”, a explicação de Euclides tem o toque do livro
inacabado, “O Paraíso Perdido”. “Daí as surpresas. […] as mudanças
extraordinárias e visíveis ressaltam no simples jogo das forças físicas mais
comuns. É a terra moça, a terra infante, a terra em ser, a terra que ainda está
crescendo…”Seu plano era falar do impacto, da dificuldade de apreender,
compreender a floresta. “…o que se me abria às vistas desatadas naquele excesso
de céus por cima de um excesso de águas[,] lembrava (ainda incompleta e
escrevendo-se maravilhosamente) uma página inédita e contemporânea do Gênese.”
Mas a nossa visão
contemporânea, para nós que podemos ver a floresta de avião ou mesmo do espaço,
ainda é muitas vezes de incompreensão. Mesmo quando se vê as imagens com
sensores que veem através do dossel das grandes árvores e se vê a devastação,
há uma resistência em compreendermos a finitude que também a alcança. E aí se
toca fogo. E nossa floresta está pegando fogo, causa e resultado das mudanças
climáticas.
A coisa é difícil.
Assim vamos ficar na situação de outra marchinha, essa de Haroldo Lobo e
Nassara: “Allah-la-ô ô ôôô / Mas que calor ô ôôô / Atravessamos o deserto de
Saara / O sol estava quente / Queimou a nossa cara / Allah-la-ô, ô ôôôôô / Mas
que calor, ô ôôôô ô...”
Imirante,
26/09/2023
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José Sarney - Sexto ocupante da Cadeira nº 38, eleito em 17
de julho de 1980, na sucessão de José Américo de Almeida e recebido em 6 de
novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué Montello. Recebeu os Acadêmicos Marcos
Vinicios Vilaça e Affonso Arinos de Mello Franco.
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