Bicentenários
Temos uma tendência
a pensar que os anos são bons ou maus, mas, parafraseando Ortega y Gasset,
podemos dizer que os anos são os anos e suas circunstâncias. Falei nas últimas
semanas de dois bicentenários de nascimento, o do Parlamento brasileiro e o de
Gonçalves Dias.
Ali mesmo na velha
cidade de Caxias, no Alto Itapicuru, onde nasceu a 10 de agosto o filho de Dona
Vicência que seria o maior poeta brasileiro, havia poucos dias - no dia 31 de
julho - tinham se rendido as tropas portuguesas comandadas pelo Major Fidié,
selando a adesão do Maranhão à Independência. Na verdade, o mercenário Cochrane
declarara a adesão feita no dia 28, já que o saque ao patrimônio da cidade, seu
real objetivo, era coisa resolvida e não soubesse qual era a situação no
interior. Coisa feia para uma coisa tão bonita como o congraçamento dos
maranhenses em torno da Independência. Mas mesmo essa paz se arrastaria por
mais um bom tempo, pois os portugueses, aqui no Maranhão como em todo o Brasil,
eram a plutocracia que, de fato, governava.
Foi o que fez, em
abril deste ano de 1823, Cipriano Barata, meio expulso das Cortes de Lisboa -
onde era deputado pela Bahia - por seu nativismo e de uma Salvador ainda
ocupada pelas tropas de Madeira, passou a publicar, em Recife, a Sentinela da
Liberdade na Guarita de Pernambuco. Pernambuco estava numa transição entre a
Revolução Pernambucana, de 1817, e a Confederação do Equador, de 1824. O Frei
Joaquim do Amor Divino Caneca, que fora preso em 1817 pelo Conde dos Arcos como
capitão de guerrilhas sob o comando do Coronel Suassuna, e fora solto em 1821,
fazia oposição aos governos do Imperador D. Pedro, embora tivesse celebrado
missa de ação de graças pela sua aclamação ao título, em dezembro do ano
anterior. A 17 de março de 1823 escrevera uma carta subversiva no Correio do
Rio de Janeiro de João Soares Lisboa e a 25 de dezembro começará a escrever a
Typhis Pernambucana, folha central na explosão nativista do ano seguinte -
quando Recife será bombardeada pelo mesmo mercenário escocês, enquanto o batalhão
de José Joaquim de Lima e Silva, com seu sobrinho Luís Alves como ajudante e
sob o comando de seu irmão Francisco de Lima e Silva, avança por terra. O tio
manda enforcar Frei Caneca - e, como todos se negassem a executar a pena
bárbara, o faz arcabuzar.
O futuro Duque
estreara no Batalhão do Imperador lutando a 28 de março de 1823. Seu tio traiu
logo o comandante mercenário francês Labatut e, no dia 2 de julho, concretizara
a adesão da Bahia à Independência, com a expulsão do General Madeira.
Nessa coisa da
Independência meu tataravô Manuel de Sousa Martins fora um precursor,
proclamando no dia 24 de janeiro de 1823, em Oeiras, a capital do Piauí, a
adesão da Província. De lá marchara para Campo Maior - adesão a 2 de fevereiro
- onde pouco depois, no dia 13 de março, se travou a grande Batalha do
Jenipapo, que o Fidié ganhou e onde perdeu a guerra.
Feio foi o que
aconteceu em Belém do Pará. Cochrane foi vitorioso a 15 de agosto. No dia 16 de
outubro houve uma revolta contra os portugueses, que continuavam mandando na
cidade. Um Grenfell, assecla do escocês, mandou trancar os brasileiros no porão
do brigue São José Diligente, onde, aglomerados e sem ar, foram ainda por cima
arcabuzados e cobertos de cal viva. No dia 22 eram 252 os mortos sufocados,
marcados pelas faces embranquecidas e os olhos e lábios arroxeados como 'com
cara de palhaços', nome que passou a denominar o brigue fúnebre.
Mas concluo essas
notas de bicentenário lembrando o de uma heroína, Maria Leopoldina, nascida
Leopoldina Carolina Josefa de Habsburgo-Lorena, nossa Imperatriz, que no dia 17
de fevereiro deu à luz a princesa Paula do Brasil e em novembro ficou grávida
da princesa Francisca do Brasil. Educada com esmero, se interessava sobretudo
por botânica e mineralogia - seu amigo José Bonifácio de Andrada e Silva era
grande mineralogista e grande botânico. Ela trouxe de Viena uma comitiva de
sábios, entre eles Spix e Martius, autores de registros fundamentais de nossas
fauna e flora, inclusive o Flora Brasiliensis, que catalogou mais de 22 mil
espécimes de mais de dois mil gêneros.
Portal Metrópoles
Online , 23/05/2023
https://www.academia.org.br/artigos/bicentenarios
José Sarney - Sexto ocupante da Cadeira nº 38 da ABL, eleito
em 17 de julho de 1980, na sucessão de José Américo de Almeida e recebido em 6
de novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué Montello. Recebeu os Acadêmicos Marcos
Vinicios Vilaça e Affonso Arinos de Mello Franco.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário