Ano que vai, ano que vem
O tempo é algo em que vivemos, com
que não nos conformamos e que festejamos. Os versos de T. S. Eliot, que sempre
cito, dizem tudo: 'O tempo presente e o passado / esta? O ambos talvez no tempo
futuro, / e o tempo futuro está contido no tempo passado.' Já o Padre Vieira
explicava que 'se no passado se vê o futuro, e no futuro se vê o passado, segue-se
que no passado e no futuro se vê o presente, porque o presente é o futuro do
passado, e o mesmo presente é o passado do futuro'.
O homem, para conviver com essa
complicação, resolveu recriar o tempo, imaginando que poderia controlá-lo.
Inventou maneiras de marcar as horas e os dias pela passagem do Sol; e a
sucessão de dias pela passagem da Lua. Depois começou a contar os anos pelas
estações, bem marcadas estas pelos solstícios de inverno e de verão. Apesar de
grande parte da Humanidade estar vivendo no ano do Tigre 4720 - só daqui a três
semanas entrarão no ano do Coelho -, e ser mais difícil saber que calendário
seguir nas áreas sob influência hindu que entender os dito cujos, a maior parte
do mundo segue o calendário definido pelo Papa Gregório XIII na bula Inter
gravíssimas.
Nós passamos na noite de sábado para
domingo pela virada - não sei bem o que virou - do ano velho para o ano novo.
E, embora o novo ano seja cheio de expectativas e esperanças, o ano velho,
neste final, foi de muita tristeza, pois marcado pela morte.
Sábado cedo morreu, em Roma, o Papa
Ratzinger, Bento XVI. Participando ainda jovem do Concílio Vaticano II, ele se
dedicou ao estudo da liturgia e defendeu a renovação do Santo Ofício. Poucos
anos depois João Paulo II o retirou da responsabilidade de ser Arcebispo de
Munique justamente para presidir a Congregação para a Doutrina da Fé, que São
Paulo VI criara para substituir a velha Inquisição Romana e sua versão mais
recente, a Sacra Congregação do Santo Ofício. No cargo se tornou o principal
auxiliar do Papa Wojtyla.
Durante anos Ratzinger defendeu com
firmeza a ortodoxia na Igreja como auxiliar do Papa, mas em 2005, com a morte
de São João Paulo II, foi eleito para substituí-lo e adotou o nome de Bento. Um
grande intelectual e brilhante escritor, pareceu viver os anos seguintes com
sofrimento, tendo dificuldade em enfrentar as tempestades que se abatiam sobre
Roma. Como solução, surpreendeu o mundo em 2013 ao renunciar ao cargo. A
profunda integridade de sua fé permanece como uma lição extraordinária.
Dia 29 Pelé deixou o esporte, do
Brasil e do mundo, com enorme saudade do seu gênio. Nenhum jogador se compara a
ele, que foi decisivo para tornar o futebol no mais amado dos jogos atléticos,
numa era em que estes expandiram-se de pequenos clubes de elite para serem
jogados em cada várzea e cada quadra de vizinhança, informalmente ou em clubes
que apaixonam multidões e movimentam quantias fabulosas. Ele foi único na
capacidade física e na inteligência do que fazer com a bola para superar os
adversários que tentassem evitar os gols inevitáveis.
Quando fui Governador, Marly
organizou um jogo beneficente entre a seleção maranhense e o time do Santos.
Conheci então sua generosidade e sua simpatia.
Convidado para uma visita oficial aos
Estados Unidos pelo Presidente Reagan, levei Pelé na comitiva. Nunca mais um
Presidente terá a oportunidade de contar com o prestígio de alguém conhecido
por toda a Humanidade, como ele era. Naquela viagem ninguém dava bola para os
Presidentes, ninguém queria saber dos Presidentes, das outras personalidades,
todos queriam era ver o Pelé.
E a literatura brasileira perdeu
Nélida Piñón, sua figura mais importante neste século em que vamos entrando,
quando o Brasil começa a expandir o caminho traçado por Jorge Amado de ter seus
autores conhecidos em todo o mundo. Nélida criou uma obra colossal, reconhecida
por um sem-número de prêmios, entre eles alguns com nomes que simbolizam sua
grandeza: Juan Rulfo, Rosalía de Castro, Cervantes. É o universo
hispano-americano, decerto, de que ela se tornara um dos maiores nomes.
Ela era para mim sobretudo uma amiga
de muitos anos, por quem tínhamos, Marly e eu, uma enorme afeição, sempre
reforçada por seus gestos de estima. Orgulho-me de ter sido um dos que apoiou
sua entrada na Academia Brasileira de Letras, onde presidiu o centenário da
Casa, e onde foi uma líder que orientou nosso caminho no século XXI. Saudade
imensa!
Mas o novo ano abre largas as portas
da esperança, nesta convenção do tempo que assimilamos para definir que será
melhor o amanhã e, já vendo isso acontecer, podemos, mais uma vez, desejar bons
anos para todos!
Os Divergentes,
03/01/2023
https://www.academia.org.br/artigos/ano-que-vai-ano-que-vem
José Sarney - Sexto
ocupante da Cadeira nº 38, eleito em 17 de julho de 1980, na sucessão de José
Américo de Almeida e recebido em 6 de novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué
Montello. Recebeu os Acadêmicos Marcos Vinicios Vilaça e Affonso Arinos de
Mello Franco.
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