África
Cyro de Mattos
Longe, tão longe
na savana soprando
o espírito de Deus.
A aldeia uma terra
que na semana usa
manhãs de brilho,
ventos, chuvas,
contas, búzios.
Entre os cânticos,
passos, braços,
calor do peito,
suor do corpo,
ancestral laço.
Longe, tão longe
estrelas piscando.
Cachos de prata
descendo da lua
na noite calma.
A natureza plena
como deve ser
vista, tocada.
Temida no claro,
caçada no escuro
sob perfeita ordem.
Menos para o golpe
do capitão branco,
de vilania o portador,
o litoral agitando.
No saque que urdiu
ferro inconcebível
encarnado de sangue
extirpou da mãe
o filho sem dó.
Homem no porão
(em África venceu o leão)
agora no ferro, preso,
horror e lágrima
dizem que é bicho
recuado no ar fétido,
seu corpo amassado,
sem perdão marcado.
Inapagável é esse borrão
que o fez sustentar
com fortes chibatadas
todo o peso terrestre
de uma cena perversa
voraz em boca enorme.
Do sonho atrás despido,
jogado na cova rasa,
órfão, sem presteza,
sina fustigada no exílio,
apagado, mais nada.
Cyro de Mattos é escritor e poeta. Publicado por várias
editoras na Europa. Premiado no Brasil, Itália, Portugal e México. Membro da
Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa pela UESC.
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