A Mata Intacta
Cyro e Mattos
É perigoso andar na mata, propaga a voz dos mais velhos.
Cada bicho traiçoeiro vive lá na terra e ar.
É assim mesmo como
dizem? A natureza estabeleceu sua ordem
para que os habitantes da mata saibam que lá existem vida e morte.
Há movimentos nos ciclos vitais de cada estação, surpresas
com os verdes e sustos nos maduros.
Lá não se mata por
prazer, somente para comer, defender-se ou proteger o filhote. Os bichos pulam
nos galhos, macaco faz deles seu trapézio dado por Deus. Pendurado no cipó vai
de uma árvore distante a outra. Alegres festejam a vida quando encontram nos
galhos os frutos maduros e doces.
Tem um sono milenar. A cabeleira verde quase sem fim. Uma
magia que não se revela, lavada pela chuva ninguém sabe como aparece.
No chão coberto de folhas a planta nasce entre os escombros
da árvore tombada. Viceja e vira outra árvore. Leva anos para virar de muitos
andares, morada dos bichos e pássaros. Vem o homem com a serra, num instante
põe abaixo o que natureza demorou anos para fazer com engenho e arte.
Será que nunca sabe que sem as árvores a mata recua, os
bichos desaparecem, as nuvens passam longe, levando com elas a chuva. A terra
fica deserta, sem os sons e as cores não se vê mais festa nos dias.
No seio fresco da mata a flor é tecida com o sonho, o ramo
de luz com o verde. Riacho mina na pedra, desce, dá volta como cobra, barco da
noite com a lua no cipoal derrama prata.
Quando vai
à mata a índia, na trilha caminha esperta, acode nas asas maternais o bicho que
caiu na cilada. Solta o passarinho no
alçapão, protege perdido o filhote, fica admirando o carinho que as araras
fazem uma na outra.
Rio não se esconde da chuva, a terra não dorme amarga.
Abelhas operosas zumbem, de mel fabricam as horas.
Macaco,
tamanduá-bandeira, preguiça, capivara, veado.
De dia expelem
odores. estrelas carregam à noite.
Cyro de Mattos é jornalista, cronista, contista, romancista,
poeta e autor de livros para crianças. Membro efetivo da Academia de Letras da
Bahia, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Doutor
Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz.
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