Dificilmente confiro os resultados. Nunca sei se perdi ou ganhei. Talvez tenha ganho fortunas.
Para Dostoievski, humildemente.
Sou igual à maioria dos brasileiros. Um tolo que joga na
Mega Sena. Sei, sabemos todos, que não vamos ganhar. Mas jogo, acreditando que
naquele dia tudo vai virar. Assim como já virou no Brasil e deu o que está
dando, um recuo como nunca se viu, logo estaremos na pré-história. Políticos
iguais, assembleias legislativas medíocres (para a estadual não voto nunca
mais). Penso se vale a pena votar para prefeito. Olho as ruas, sujeira, lama
correndo junto ao meio-fio, produzida por construtoras, ônibus nas mãos da
bandidagem. Olhem as crateras que os caminhões deixam no asfalto das ruas, o
prejuízo que dão à comunidade. Quem é o prefeito atual? Olhando a cidade
abandonada, tenho certeza de que não existe. Mas nada de desânimo, assim como
sei que um dia ganharei a Mega Sena, teremos políticos íntegros. Devemos sonhar
com utopias.
Nessa minha idealização de mundo, abro uma gavetinha onde
guardo os resultados da Mega Sena e da Lotofácil. Não jogo fora os boletos das
apostas. Os boletos estão divididos em grupos de um jogo, dois jogos, três
jogos. Na hora de apostar, apanho aleatoriamente alguns, perfazendo uma quantia
sóbria de dinheiro. Nunca joguei bolões. Apesar da insistência da Maria, linda
atendente do guichê preferencial da lotérica que frequento. Tem alguns números
que repito há anos, talvez décadas. Nunca saíram. Mas insisto. Para apostas
uso: o dia em que nasci, ano em que entrei para a escola, ano em que tive o
primeiro emprego, ano em que vim para São Paulo, ano em que conheci Marcia,
minha mulher, ano em que repeti no científico, ano em que vi o primeiro teatro
de revista em Araraquara com vedetes coxudas, ano em que minha mãe morreu, ano
em que Alda me olhou, ano em que tirei 10 de matemática, ano em que entrei para
a Academia Paulista e também para a Brasileira, superacontecimentos e assim por
diante.
Agora, vem o mais importante. Dificilmente confiro os
resultados. Nunca sei se perdi ou ganhei. Talvez tenha ganho fortunas. Ou
melhor, perdido, porque não confiro. Tenho medo de, ganhando muito, minha vida
se transtornar, eu assediado por centenas de 'amigos' que há muito não via ou
por parentes que nunca tive. Ou então, alvo da bandidagem, de milícias, medo de
ser colocado em um carro cheio de gás. De qualquer modo, toda semana penso em
ganhar e refrescar minha vida. Que o psicoterapeuta Hiroshi explique o que nem
Freud, Melanie Klein, Jung, Lacan (favorito de Betty Milan), Adler, Bion ou
algum dos 980 psicanalistas existentes no Brasil (segundo o Google) conseguiram
esclarecer.
O Estado de S. Paulo, 19/06/2022
https://www.academia.org.br/artigos/o-jogador
Ignácio de Loyola Brandão - Décimo ocupante da Cadeira 11, eleito em 14 de março de 2019 na sucessão do Acadêmico Helio Jaguaribe.
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