No meio do forró, Zildo descobriu uma moça dançando, parecida com Edileusa; ombros estreitos, cabelos cacheados cor de bronze, quadril de bom tamanho. Ele não entendia por que Edileusa desistira da festa, no dia, quase na hora, sem mais nem menos. Ficou frustrado. Onde o amor retratado por ela até a véspera? Indignado, refletia o fato, debruçado no alpendre da varanda, sentindo o vento quase gelando, sacudindo a folhagem em redor; uma fogueira formando labaredas vaporosas, soltando faíscas; olhava um oitizeiro cheio de frutos amarelos, igual ao que conhecera no quintal de sua infância; os acordes da sanfona o lembravam de coisas obscuras quando nem imaginava conhecer Edileusa.
“Por que
ela desistiu assim tão de repente?” Indagava-se cheio de raiva, de decepção.
Dançaria com a moça de cabelo caído pelos ombros, afastaria a frustração que o
envolvia; depois, se a moça o simpatizasse, ficaria sua amiga ou até namorada;
via-se, a momentos, com a moça parecida junto à fogueira, assando milho verde
no braseiro, amenizando o frio, soltando fogos de um lado para outro. Olhava
novamente para ela atracada pelo meio por um sujeito de botinas amarelas, boina
vermelha lenço quadriculado no pescoço, idoso, braços fortes e cabeludos. “Vou
dançar com ela”.
Esqueceria
o que Edileusa lhe fizera, até dos bons momentos, depois que a conhecera na
Rodoviária, desembarcando de um ônibus com placa de Maceió. Esqueceria a
decepção, os beijos fingidos, os apertos corpo a corpo. “É doida por mim”,
chegou a pensar. Agora, olhava do alpendre da varanda a fogueira crepitando,
soltando faíscas pelo vento. Dançaria com a moça parecida; quem sabe podia até
ser o início de uma amizade boa, sincera?
Onde
andaria Edileusa àquelas horas? A moça parecida gingava, mexia-se agarrada com
o sujeito os braços cabeludos; a noite havia passado do meio, esfriava, e a
fogueira em frente ia baixando as labaredas, as faíscas escasseavam, o braseiro
diminuía sob a cinza acumulando-se. As mulheres que passaram o dia preparando
iguarias na cozinha, estariam cansadas e apareciam vez em quando na porta,
dando olhadelas para a sala de dança, sanfoneiro de chapéu embarbelado, blusa
vermelha floreada, calça de mescla desbotada. Edileusa estaria dormindo ou
forrozando por aí a fora?
Frustração. Teria que dançar com a moça que passava agarrada com o homem
de boina vermelha. Será que ela conhece Edileusa? Provavelmente não; nunca
estivera em Maceió onde Edileusa morou.
Só se fosse um conhecimento recente, mas a moça
nem conhecia a cidade onde Edileusa morava atualmente; de onde seria a
moça? Perguntaria isso a ela logo que começasse a dançar.
“A senhora
conhece Edileusa?” Não, senhor, diria a moça afastando o corpo, desviando os
olhos para o chão. Seria pessoa de pouca conversa, mesmo assim faria a ela
outras perguntas, mas a moça continuaria calada ou encurtando papo. “A senhora
gosta mais de Carnaval ou São João?” Por que ia trata-la de senhora? Seria
você. E se ela não aceitasse assim? “Não tenho nenhuma intimidade com o
senhor”.
A música
parou, a moça afastou-se do sujeito que lhe agradeceu cortesmente enxugando a
testa com um lenço branco; ela sentou-se, depois, num banco de madeira,
comprido, onde duas mulheres grisalhas, mastigavam milho verde assado. “Será
agora, na próxima parte”, pensou assim como se tivesse esquecido de Edileusa,
da insensatez dela deixando-o tonto, decepcionado.
Olhava
para a fogueira em brasa, para as faíscas subindo, piscando como pirilampos.
Sentiu vontade de esquentar as mãos; nem as doses de licor de jenipapo
haviam-lhe afastado a decepção; a cabeça rodava, a figura de Edileusa no meio,
fria, disfarçada; “não vou mais à festa, fica para outra vez”, lembrava com
indignação. Na parte seguinte dançaria com a moça. Encaminhou-se para ela,
“vamos dançar comigo?”
A moça
disse não, já havia-se comprometido com o sujeito os braços cabeludos que ia
chegando para ela, sorridente, de mão estendida. Zildo voltou cabisbaixo para a
varanda, encostou-se no alpendre, sentindo raiva do mundo.
A fogueira
se apagando, levantando fumaça. Decepção, tristeza, Edileusa sem juízo.
Arrasado,
ficou olhando, confuso, a manhã surgindo por trás de umas colinas neblinadas.
(LINHAS INTERCALADAS)
Ariston Caldas
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Ariston Caldas nasceu em Inhambupe, norte da
Bahia, em 15 de dezembro de 1923. Ainda menino, veio para o Sul do
estado, primeiro Uruçuca, depois Itabuna. Em 1970 se mudou para Salvador onde
residiu por 12 anos. Jornalista de profissão, Ariston trabalhou nos
jornais A Tarde, Tribuna da Bahia e Jornal da Bahia e fundou o
periódico ‘Terra Nossa’, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do
Estado da Bahia; em Itabuna foi redator da Folha do Cacau, Tribuna do
Cacau, Diário de Itabuna, dentre outros. Foi também diretor da Rádio
Jornal.
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