Agudo mundo ou do solitário caminhante nos campos insanos
Cyro de Mattos*
...matador de
pássaro terra água a mancha que envergonha.
aguda fome vil de novo impelindo-te.
fecha as pálpebras o sol quando vê tuas águas oleosas ondas dum peito
sem dó e lágrima a comemorar de ira excedido o que o coração mais lateja
desamor a queimar no verde a cobrir com cinzas os tocos das vastidões
desoladas. em flor carbonizada borboletas ausentes de odores fragrâncias sem
finas saliências a relva em hesitante tremor. sem tecer da natureza minúsculos
dramas a vida. sanha sorves de todas as
forças reunidas pulsando veias nervos num calor para matar os sobreviventes. te
ativa o cheiro enfurecido das manadas som das patas nas têmporas tua fronte do
animal transformador babando bufando nas rugas do tempo o detentor só de
fissuras o mundo te pergunta se no antigamente havia o semeador no campo de
centeio decididamente desviado da rota alegre dos dias preferindo ser o que se
acha nos gestos impuros mãos impassíveis dentro da bruma. o litoral tu fizeste de tal assombro clamor
que perfura a inocência irrompendo das gargantas sedentas do abraço. que
adiantam soluçantes vozes emanando miasmas contaminações dos peitos esvaídos a
cidade em grito? o deserto o deserto tua marcha algemando estas mãos abertas em
súplicas sopradas por vento de amanhecer sofrido. de assaltos atropelos dizem
os que são vítimas dum surpreendente audaz animal andarilho bicho insano
poliglota suicida
NÃO NOS MATE MAIS SOMOS A INFÃNCIA QUE VIVE NAS COLMEIAS DO
METRÕ DORME EM ESCADARIA DE IGREJA ROLA NAS RUAS SOLITÁRIAS PUTAS NO CALABOUÇO
DA CARNE NEGROS AÇOITADOS NOS PORÕES DA MEMÓRIA ESCRAVA POUCOS NATIVOS
SOBREVIVENTES EM GRITO DA FUGA TRESPASSADA NOS RASTROS DA DESGRAÇA
fuzilas com
o sorriso aplaudes com os dentes de metralha habitas nesta inconcebível fundura
dos mais vastos ais abismo feito invenção de fornos crematórios no espetáculo
de amontoados nos vagões como boi pro matadouro tão pele osso os que sequer
adeus podiam dar aos que ficavam sonâmbulos penetrados de angústia pelas
trilhas do horror. tua máscara o sabor dos holocaustos tuas veias até hoje
inflamadas no letreiro de ódio:
MINHA VOZ CONFUNDE ATÉ O AR AS AMARGAS SIM AO INVÉS DE
SADIOS SABERES BEM-VINDOS NO AMOR SABORES DAS FRUTAS DOCES NO VERSO DO TEMPO ME
MASCARO DE IDEOLOGIA NEGATIVA NADA DE UTOPIA COMO CANÇÃO DO AMOR
de
crimes hediondos executor numa incrível capacidade de proliferar tudo que não
se cobre com a folhagem da vida
QUERO QUE O POBRE EXPLODA MENINO DE RUA SE FODA PRETO QUE SE
LASQUE PUTA QUE VÁ PRA PUTA QUE PARIU ÍNDIO MATO AGORA É COM GRANADA
à
vontade instauras teus ares disseminando pétalas atômicas. gente flora fauna
alimentando teu ópio com ventos gemedores urdidos de agonia nos sequestros
diabólicos. o viajante das estrelas corruptor corrompido estampado no mundo não
mundo como o matador incansável dos que cantam a poesia da pomba em veias puras
da manhã carícia feita mansidão verdadeira. na bomba teu maior elogio dos
escombros no sal destas águas que despojam as cores do arco-íris nada de choro
com a menina morta a bala perdida encravada na cabeça remorso não habita teus
becos insones bem conheces tua música de eficiente terror no ar a explodir a
maravilha estilhaçada de gritos entre tudo que soterras quem te fez exilado nas
próprias sombras dos anos desalmados? não mais
pressentes sementes da terra amputada dos rumores do vento nos ramos trescalando chuva de
flores nem o encontro dos amantes com
seus anéis brilhando nos jardins do amor já não existe mais choro mais grito mais dor mais nada
conseguiste secar todas as lágrimas de
seres provisórios neste estar no mundo ambíguo. não conseguem encarar-te as
trevas há muito tempo a morte evita encontrar teu olhar medonho numa carreira
tão veloz sumiu para que o vento mais rápido nessa fuga de assombros nunca
consiga alcançá-la
apesar de tudo creio.
sabe o tempo caminhos de mim mais os outros mais o mundo. duma flauta
mágica da qual escorre uma música de tranças que se faz no seu expectante
amanhecer. enleio de canção que acena com luzes na parte obscura do ser
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* Cyro de Mattos é ficcionista, poeta, ensaísta, cronista,
romancista e autor de literatura infantojuvenil. Editado também em Portugal,
Itália, França, Espanha, Alemanha e Estados Unidos. Premiado no Brasil e
exterior. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia e Pen Clube do Brasil. Primeiro
Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Autor de mais de 80 livros.
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