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quinta-feira, 2 de setembro de 2021

MURMÚRIOS DA TARDE – Castro Alves

 


Murmúrios da Tarde

Castro Alves

 

                    Rosa! Rosa de amor purpúrea e bela.

                                                                            Garret

 

Ontem à tarde, quando o sol morria,

A natureza era um poema santo,

De cada moita a escuridão saía,

De cada gruta rebentava um canto,

Ontem à tarde, quando o sol morria.

 

Do céu azul na profundeza escura

Brilhava a estrela, como um fruto louro,

E qual a foice, que no chão fulgura,

Mostrava a lua o semicírculo d’ouro,

Do céu azul na profundeza escura.

 

Larga harmonia embalsamava os ares!

Cantava o ninho – suspirava o lago...

E a verde pluma dos sutis palmares

Tinha das ondas o murmúrio vago...

Larga harmonia embalsamava os ares.

 

Era dos seres a harmonia imensa,

Vago concerto de saudade infinda!

“Sol – não me deixes”, diz a vaga extensa,

”Aura – não fujas”, diz a flor mais linda;

Era dos seres a harmonia imensa!

 

“Leva-me! Leva-me em teu seio amigo”

Dizia às nuvens o choroso orvalho,

“Rola que foges”, diz o ninho antigo,

“Leva-me ainda para um novo galho...”

“Leva-me! Leva-me em teu seio amigo.”

 

“Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!

“Inda um calor, antes que chegue o frio...”

E mais o musgo se conchega à penha

E mais às penha se conchega o rio...

“Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!”

 

E tu no entanto no jardim vagavas,

Rosa de amor, celestial Maria...

Ai! Como esquiva sobre o chão pisavas,

Ai! Como alegre a tua boca ria...

E tu no entanto no jardim vagavas.

 

Eras a estrela transformada em virgem!

Eras um anjo que se fez menina!

Tinhas das aves a celeste origem.

Tinhas da lua a palidez divina,

Eras a estrela transformada em virgem!

 

Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,

Que bela rosa! Que fragrância meiga!

Dir-se-ia um riso no jardim aberto,

Dir-se-ia um beijo que nasceu na veiga...

Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto!...

 

E eu que escutava o conversar das flores,

Ouvi que a rosa murmurava ardente:

“Colhe-me, ó virgem, - não terei mais dores,"

“Guarda-me, ó bela, no teu seio quente...”

E eu escutava o conversar das flores,

 

“Leva-me! Leva-me, ó gentil Maria!”

Também então eu murmurei cismando...

“Minh’alma é rosa, que a geada esfria...

“Dá-lhe em teus seios um asilo brando...

“Leva-me! Leva-me, ó gentil Maria!...”

 

                    Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1869

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Antônio de Castro Alves nasceu na comarca de Cachoeira, Estado da Bahia, a 14 de abril de 1847, sendo filho do médico Antônio Alves e de sua mulher, D. Clélia Brasília da Silva Castro. Faleceu na cidade do Salvador a 6 de julho de 1871. Na expressão de Afrânio Peixoto Castro Alves “Pôs suas ideias à frente do seu sentimento e, num tempo em que a miséria da escravidão não comovia ninguém,  despertou com os seus poemas arrebatadores, piedosos ou indignados, a sensibilidade humana e patriótica da geração que, vinte anos mais tarde, viria a conseguir a liberdade. Por isso lhe deram o nome invejável de Poeta dos Escravos. Das alturas do seu gênio compreendera que não há grande homem sem uma grande causa social a que tenha servido, e não aspirava a outra glorificação que a dessa obra realizada. A morte, depois, não importaria...

 

De tumba da infâmia erguer um povo

Fazer de um verme – um rei.

Depois morrer... que a vida está completa

- Rei ou tribuno. César ou poeta,

Que mais quereis, depois?

Basta escutar do fundo lá da cova

Dançar em vossa lousa a raça nova

Libertada por vós...”

* * *

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