Chacina da segurança jurídica. Caso o plenário do STF
decida majoritariamente a favor do relatório (e voto) do ministro relator Edson
Fachin no julgamento do RE 1.037.365 (a momentosa questão do marco temporal),
teremos inevitavelmente, pelos anos afora, a produção permanente do caos no
campo brasileiro, graduada apenas segundo conveniências dos movimentos
revolucionários e do grupo político que tenha as rédeas em Brasília. Evaporará
a segurança jurídica. E com ela desaparecida, cairá o investimento na
agricultura, minguará o desejo de poupar e produzir dos produtores rurais, a
produtividade despencará, tombarão a geração de emprego e renda. Produção
menor, alimentos mais caros nas cidades.
Conceito de índio. O caos começa aqui. O leitor já
imaginou qual é o conceito de índio segundo o direito em vigor no Brasil? Quem
pode ser chamado de índio no Brasil? Imagine por segundos uma definição,
qualquer uma, e depois tome o choque da realidade. O voto do ministro Kassio
Nunes Marques no referido RE 1.017.365, esclarece com nítida singeleza a noção: “Índio
pode ser entendido como qualquer membro de uma comunidade indígena que seja
aceita como tal”. Vive numa comunidade; é aceito por ela como membro.
Pronto. É índio. E comunidades indígenas podem existir no mato, nas periferias,
no arranha-céu de uma grande capital. Dessa forma, um norueguês imigrante,
louro, olhos azuis, com pai e mãe vivendo na Noruega, e que resolva viver (e é
aceito) numa comunidade indígena brasileira, sabe o que é, segundo o Direito
brasileiro? Índio. E, se ao lado dele, estiverem 100 suecos e 200 dinamarqueses
nas mesmas condições? Simples, mais 100 suecos e 200 dinamarqueses índios. Pode
ser, claro, um norueguês revolucionário profissional, agitador etc. E que não
saiba uma palavra de nenhum dialeto indígena. O professor José Afonso da Silva,
citado por Nunes Marques, reforça a tese: “O sentimento de pertinência
a uma comunidade indígena é que identifica o índio”.
Moradia dos índios. O caos continua aqui. Onde moram os índios? O ministro Kassio Nunes Marques cita a estatística mais recente que tinha em mãos: “Em 2010, dos 817.963 índios que habitavam o País, 315. 180 já se encontravam em cidades, como indicou o Censo Demográfico realizado pelo IBGE”. Hoje, a proporção será maior; certamente população majoritariamente urbana. Como viviam nas tabas e cidades? Cita em abono de suas considerações Edson Vitorelli Diniz Lima: “O que se quer afirmar em linguagem mais vulgar, é que o índio não deixa de ser índio por usar calça jeans, telefone celular ou computador”. Bons exemplos, agora. Txaí Suruí [foto ao lado], a índia que representou as comunidades indígenas na COP-26 cursa Direito em Porto Velho. Nasceu lá. A mãe dela (d. Neidinha Suruí) chama-se e Ivaneide Bandeira Cardoso, é filha de seringueiros, mora em Porto Velho desde os 12 anos, não tem sangue indígena, próximo pelo menos, tem 5 filhos, dos quais dois com o cacique Almir Suruí. O seu Almir trabalha em Porto Velho como assessor de ong indigenista. D. Neidinha tem graduação em História, mestrado em Geografia e é doutoranda, também em Geografia — universidade federal. À vera, família de ativistas, que vive do ativismo.
Posse indígena, negotium perambulans in tenebris. Mais
caos derivado de ativismo extremista, que cavalga irresponsabilidades teóricas
e conceitos delirantes. Estes 800 mil índios, dos quais mais de 300 mil vivem
em cidades, segundo o censo do IBGE de 2010, têm em geral as preocupações do
brasileiro comum (emprego, estudo, diversão). Sofre com o desemprego,
assistência precária do Estado, educação ruim. E nas reservas com o garimpo
ilegal, invasões, bandos criminosos. Na maioria das vezes, suas preocupações são
as de um brasileiro de condições modesta: alimentos, emprego, segurança,
educação, crescer na vida. Com base nos institutos do Direito Civil referentes
aos vários tipos de posse e à propriedade, v. g.. usucapião, decadência,
prescrição, seria possível obter situações vantajosas para os indígenas.
Favoreceriam seu crescimento pessoal, prosperidade, inserção e participação na
sociedade brasileira. Lembra o ministro Nunes Marques em seu voto: “A
posse civil, baseada na teoria objetiva de Jhering, é o exercício de fato,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade (art. 1196 do Código
Civil). Consiste na exteriorização fática da propriedade”. Simples e
claro. A posse indígena tem como base a teoria do indigenato, adotada pela
Constituição Cidadã. É um avantesma. O ministro Nunes Marques tentou —
inutilmente, é verdade, talvez por ser tarefa impossível — pôr um pouco de
clareza no frankenstein teórico: “A posse indígena não corresponde ao
simples poder de fato sobre uma coisa para sua guarda e uso, com consequente
ânimo de tê-la como própria. É instituto constitucional embasado na
ancestralidade e na valorização da cultura indígena, cuja função é manter usos,
costumes e tradições”. Atenção, embasada na ancestralidade. Os índios
ali estiveram, têm direitos de ali manter costumes. Inclusive a dona Neidinha,
e as centenas de milhares de pessoas em situações análogas, que de indígena
nada têm. Tudo é muito contraditório? É. Mas a doutrina sobre a qual descansa a
legislação, disse eu, e repito, é um frankenstein. Dá margem para tudo. O
próprio ministro Nunes Marques reconhece que, com base nela, todo o Brasil
poderia ser transformado em terra de posse indígena: “A teoria do
indigenato foi desenvolvida no começo do século XX por José Mendes Junior.
Segundo ela, a posse indígena sobre as terras que tradicionalmente ocupam é
tida como direito congênito, inato, anterior à criação do Estado brasileiro.
[…] Em seu grau máximo, a teoria do indigenato teria potencial de eliminar até
o fundamento da soberania nacional. Se o índio era senhor e possuidor de toda a
terra que um dia fora sua, por direito congênito, como poderia o Brasil
justificar o seu poder de mando sobre o território […] em processo de devolução
aos legítimos senhores?”
Produção do caos. Dorme na curva da esquina um
caos agrário tecido com expropriações sem indenização e inseguranças
insolúveis. Estará sempre ameaçador no horizonte se dormirem no ponto as
lideranças responsáveis. É a espada que paira sobre a cabeça dos produtores
rurais. Sobre a cabeça de cada brasileiro.
Tábua de salvação no PL 490. Como afastar a ameaça,
que pode estar próxima? Há um modo factível, aprovar o PL 490, que já pode
entrar em pauta na Câmara Federal. A nova lei instauraria em larguíssima medida
a segurança jurídica no agro brasileiro.
https://www.abim.inf.br/a-producao-permanente-do-caos/
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