Princesa Isabel aos 19 anos
A Princesa Isabel, a Redentora da raça negra, perdeu o
trono, mas não a majestade, nem a nobreza de alma. Essa grande dama brasileira
inspira saudades de uma época que não conhecemos e o desejo de um futuro Brasil
verdadeiramente brasileiro.
Oscar Vidal
Neste mês ocorre o centenário do falecimento daquela que
muito justamente chamamos de “A Redentora”, a Princesa Isabel. Numa época muito
tranquila e próspera do Brasil, ela nasceu em 29 de julho de 1846, no Palácio
Imperial de São Cristóvão (depois transformado em Museu Nacional, no Rio de
Janeiro, parcialmente destruído por um incêndio em 2018).
Batizada na Imperial Capela de Nossa Senhora da Glória do
Outeiro no dia 15 de novembro de 1846, ela recebeu o nome oficial de Isabel
Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon-Duas
Sicílias e Bragança. Foi a segunda filha (a primeira menina) do nosso Imperador
Dom Pedro II e de sua esposa a Imperatriz Teresa Cristina de Bourbon-Duas
Sicílias.
Como herdeira presuntiva do Império do Brasil, Isabel
recebeu o título de Princesa Imperial. Com a morte de seus dois irmãos, ela se
tornou a primeira herdeira do Imperador. Casou-se em 1864 com o príncipe
francês Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston d’Orléans, o Conde d’Eu
(1842-1922), com quem teve quatro filhos. Ele era neto de Luís Filipe, rei dos
franceses. Ela é bisavó do atual chefe da Casa Imperial do Brasil, o Príncipe
Dom Luiz de Orleans e Bragança.
Missa Campal de Ação de Graças pela Abolição da Escravatura, realizada no dia 17 de maio de 1888, no Campo de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. No detalhe (abaixo), vê-se a Princesa Isabel Isabel ao lado do Conde d´Eu. E, do lado oposto, um pouco abaixo e perto da Princesa, em posição destacada, o Cons. João Alfredo Corrêa de Oliveira.
Controvertida questão da escravidão no Brasil
A Princesa Isabel desejava ardentemente a abolição da escravatura, mas sabia que, se o conseguisse de modo imediato, seria mal-vista por certos setores da sociedade escravocrata de então, que a culpariam pelo colapso da produção agrícola, sobretudo do café e do açúcar, e poderia dar pretexto aos positivistas e republicanos para exigirem o fim do Império. Assim, ela precisava agir com prudência, fazendo a abolição de modo paulatino e suave, sem violências, como as que já haviam ocorrido em alguns países.
Na Primeira
Regência, em razão da viagem do Imperador à Europa, em 28 de setembro de 1871 —
há exatos 150 anos — a Princesa Isabel assinou a Lei do Ventre Livre, que
alforriava todas as crianças nascidas de mulheres escravas após aquela data.
Essa lei foi patrocinada pelo gabinete liderado por José Maria da Silva
Paranhos, Visconde do Rio Branco (1819-1880), sendo Ministro do Interior João
Alfredo Corrêa de Oliveira [foto abaixo] — o mesmo que, 17 anos depois,
chefiaria o gabinete que promoveu a Lei Áurea.
Ao comemorar a aprovação dessa lei, das repletas galerias do
Parlamento lançaram os jubilosos assistentes uma chuva de rosas. Presente ao
ato, o embaixador norte-americano, James R. Partridge, emocionado, apanhou
algumas pétalas, dizendo: “Quero guardar estas flores, como lembrança
dessa maravilha. No Brasil a extinção da escravidão foi comemorada com flores,
enquanto no meu país custou uma guerra civil com quase um milhão de mortos”.
Em 28 de
setembro de 1885, no governo de João Mauricio Wanderley, Barão de Cotegipe
(1815-1889), foi promulgada a Lei dos Sexagenários, que concedia liberdade
a todos os escravos com idade igual ou superior a 60 anos.
Anos depois
— tendo caído o gabinete Cotegipe e sendo a Princesa novamente Regente do
Império —, ela deu um passo importante para livrar os escravos do cativeiro:
nomeou, como novo Presidente do Conselho de Ministros, o abolicionista João
Alfredo Corrêa de Oliveira — tio-avô paterno do inspirador e principal colaborador
desta revista, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.
No dia 8 de maio de 1888 o gabinete Corrêa de Oliveira
apresentou à Câmara dos Deputados a proposta de legislação que visava extinguir
de modo definitivo a escravidão. Dois dias depois ela era aprovada, e em
13 de maio chancelada também pelo Senado.
Nesse mesmo dia a Princesa Isabel sancionou a legislação,
conhecida como Lei Áurea, que aboliu a escravidão em todo o território
nacional. Seu belo e nobre gesto foi todo ele inspirado nos ensinamentos da Santa
Igreja Católica.
Tal era sua fidelidade à Religião que, não sem razão, o
sacerdote jesuíta Francisco Leme Lopes (1912-1983) fez alusão a ela como “Isabel,
a Católica”, comparando-a com este epíteto à Rainha Isabel de Castela e Leão
(1451-1504), que passou para a História com o muito emblemático título de “Isabel,
la Católica”.
O Imperador ficou radiante de alegria com a abolição
As ruas e
praças do Rio de Janeiro estavam em festa. Grandes comemorações revelavam o
enorme contentamento, não apenas entre os ex-escravos, mas também em outros
setores da opinião pública. A Princesa Imperial do Brasil foi aclamada como “A
Redentora”.
Naquele mesmo histórico dia, encontrando-se com o Barão de
Cotegipe, que havia feito oposição à Lei Áurea, a Princesa Isabel lhe
perguntou:
— “Barão, a abolição se fez com festas e flores. Venci
ou não venci?” — “Sim, Vossa Alteza ganhou a partida, mas perdeu o
trono”.
Ele prognosticava o tão injusto banimento da Família
Imperial. Com efeito, a Princesa Isabel teve de abandonar seu tão amado
País, pelo qual se dedicara com tanto afinco, pela Baía de Guanabara, a bordo
do vapor “Alagoas”, que a levaria com toda a Família Imperial para o exílio.
O Imperador Dom Pedro II, quando soube em Milão — onde se
encontrava recuperando-se de uma enfermidade — que a escravidão no Brasil havia
sido definitivamente abolida, ficou radiante de alegria e mandou telegrafar à
filha felicitando-a. Assim, no dia 22 de maio 1888, ditou o seguinte
telegrama: “Princesa Imperial. Grande satisfação para meu coração e graças
a Deus pela abolição da escravidão. Felicitação para vós e todos os
brasileiros. Pedro e Tereza”.
Condecoração Pontifícia “Rosa de Ouro”
No centenário de nascimento da Redentora, em 19 de julho de 1946, o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança (1909-1981), neto primogênito da Princesa Isabel, doou a “Rosa de Ouro” à Catedral do Rio de Janeiro. Ele a tinha trazido da Europa, quando retornou ao Brasil com o fim do exílio.
Fim do Império brasileiro, banimento e exílio
Sua Alteza Imperial sabia que seu gesto emancipando os escravos poderia exacerbar os ateus e republicanos que a caluniavam, levando à perda do trono. E foi de fato o que aconteceu com o golpe republicano de 15 de novembro de 1889.
Golpe muito bem descrito pelo jurista, político e jornalista
republicano Aristides da Silveira Lobo (1838-1896): “O povo assistiu
àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos
acreditaram seriamente estar vendo uma parada” (Diário Popular, 18-11-1889).
No dia seguinte ao golpe de estado, como registrou o historiador Roderick J.
Barman, a Princesa Isabel afirmou alto e bom som que “se a abolição é a
causa disto, eu não me arrependo; eu considero valer a pena perder o trono por
ela”.
Quando
a Princesa da “Rosa de Ouro” tomou conhecimento do decreto do banimento da
família imperial, reafirmou: “Mil tronos eu tivesse, mil tronos eu
sacrificaria para libertar os escravos do Brasil”. Afirmação que ecoava o
pensamento de seu pai, o Imperador Dom Pedro II, quando disse: “Prefiro
perder a coroa a tolerar a continuação do tráfico de escravos”.
Em sua
partida para o exílio, dois dias depois do golpe, a Princesa declarou: “É
com o coração despedaçado pela tristeza que me despeço dos meus amigos, de
todos os Brasileiros, e do País que eu amei e amo muito, e da felicidade
que eu tenho lutado para contribuir e pela qual eu vou continuar a manter as
mais ardentes esperanças”.
Devoção da Princesa à Rainha do Brasil
Entre diversas manifestações de devoção da Princesa Isabel a Nossa Senhora Aparecida, devemos lembrar sua visita ao Santuário de Aparecida, em 1868. E 20 anos mais tarde, logo após a aprovação da Lei Áurea, ela ofereceu à imagem milagrosa da Rainha e Padroeira do Brasil uma riquíssima coroa de ouro cravejada de brilhantes.
Naquela
ocasião, a Princesa Imperial escreveu a seguinte oração, dirigida a Nossa
Senhora Aparecida: “Eu, diante de Vós, sou uma princesa da terra, e eu me
curvo, pois Vós sois a Rainha do Céu. E eu Vos dou tão pobre presente, que seria
uma coroa igual à minha, e se eu não me sentar no trono do Brasil, rogo que a
Senhora se sente por mim e governe perpetuamente o Brasil”.
Idealizadora do Cristo Redentor no Corcovado
Na edição anterior desta revista foi publicada uma matéria
em memória dos 90 anos do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Mas não podemos
deixar de registrar, ainda que de passagem, que depois da abolição da
escravatura quiseram homenagear a Redentora erigindo no topo do Corcovado uma
grande estátua dela.
O Império foi derrubado, a República se instalou, a
homenagem foi engavetada. Anos depois, o plano voltou à tona. Quando a Princesa
Isabel soube desse projeto, foi enfática em não o aceitar, e sugeriu que
naquele mesmo lugar paradisíaco fosse erguido um enorme monumento com uma
grande imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois, Ele sim, foi o verdadeiro
Redentor dos homens. O que foi acolhido.
Mas foi somente em 1931, 10 anos após o falecimento da
Princesa, que se concluiu a monumental estátua do Cristo Redentor, hoje
considerada oficialmente uma das Maravilhas do Mundo Moderno… Ela não a viu
nesta Terra, mas a contempla do Céu.
Pedidos para que a veneranda Princesa seja beatificada
No dia 14 de novembro de 1921, há exatos 100 anos, a bondosa
Princesa falecia na França, aos 75 anos de idade. Em seu testamento podemos
admirar sua profissão de fé: “Quero morrer na Religião Católica Apostólica
Romana, no amor de Deus e no dos meus e de minha Pátria”. Atualmente seus
restos mortais se encontram numa artística sepultura na catedral de São Pedro
de Alcântara, em Petrópolis (RJ).
Crescendo de norte a sul do País os pedidos para que a
veneranda Princesa Imperial seja beatificada, e um dia — comprovando-se que ela
praticou virtudes em grau heroico — elevada à honra dos altares, em 2011 foi
dado início aos tramites necessários para abertura do processo de beatificação.
Os brasileiros amaram a Princesa Isabel de todo o coração e
esperavam que ela viesse a ser sua Imperatriz, pois conhecia e amava o Brasil e
estava disposta a tudo fazer pelo bem de nossa gente. Mas tal desígnio foi
ceifado pelas forças anticatólicas e antimonárquicas com o golpe republicano.
A República foi proclamada e o trono foi derrubado, mas não
a legenda áurea do imenso bem que a Monarquia fez ao Brasil. A legenda
permanece viva e os brasileiros têm saudades de uma época que não conheceram.
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Fonte: Revista Catolicismo, Novembro/2021, Nº 851.
Obras consultadas:
Pedro Calmon, História do Brasil, Livraria José Olympio
Editora, Rio de Janeiro, 1959.
Pedro Calmon, História da Civilização Brasileira,
Companhia Editorial Nacional, São Paulo, 6ª edição, 1958.
Leopoldo Bibiano Xavier, Revivendo o Brasil-Império (Coletânea),
Artpress – Indústria Gráfica e Editora Ltda., São Paulo, 1991.
https://www.abim.inf.br/a-princesa-que-tanto-amou-o-brasil-e-a-ele-se-dedicou-1921-2021/
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A Rosa de Ouro da Princesa Imperial
Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, com a “Rosa de Ouro”
Plinio Corrêa de Oliveira
Legionário, 14 de julho de 1946
Segundo notícias veiculadas pela imprensa, acaba de chegar
da Europa S. A. o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, que trouxe
consigo a “Rosa de Ouro” doada pelo Santo Padre Leão XIII à Princesa Isabel.
Segundo consta, essa preciosa joia será doada à Catedral do Rio de Janeiro, por
ocasião do 1º Centenário do nascimento daquela ínclita Princesa.
O fato tem atraído a atenção de todo o nosso público, quer
pela significação, quer pelo valor histórico e intrínseco da preciosa joia. E
oferece ao “Legionário” a oportunidade de pôr em evidência a atuação da Santa
Sé em um dos episódios mais marcantes da História brasileira.
Como se sabe, um dos títulos de glória da civilização cristã
consiste em haver abolido a escravidão na Europa. Em todas as grandes
civilizações pagãs da África e da Ásia, a escravidão era um instituto
geralmente admitido e adotado. A Grécia herdou do Oriente esta tradição e
durante toda a história helênica a escravidão existiu. Roma, herdeira da
civilização grega, também conheceu a escravidão.
Fac-símile da Lei Áurea
É sabido que por várias causas, e especialmente em
consequência das conquistas, os romanos, que consideravam escravos os
prisioneiros de guerra, acresceram desmesuradamente o número dos escravos, que
nos mercados de Roma um homem chegou a custar menos que um rouxinol.
Com os primeiros albores do Cristianismo, começou a luta
lenta da Igreja contra a escravidão. Numerosos eram os senhores que libertavam
seus escravos, em vida ou por testamento, para expiar seus pecados e dar glória
a Deus. Sobrevindo a Idade Média, o destino dos escravos foi sendo lentamente
melhorado, e por fim a escravidão cessou inteiramente em território europeu.
Pela primeira vez na História, um continente inteiro deixou
de ter escravos, para só ter homens livres. E este imenso fenômeno de elevação
social se verificou — como ulteriormente no Brasil — sem as perturbações
tremendas que a libertação dos escravos trouxe nos Estados Unidos.
A Renascença foi uma verdadeira ressurreição do paganismo, e
trouxe consigo uma ressurreição da escravidão. O homem cúpido e prepotente do
Renascimento restaurou em terras da América o cativeiro. Lutando obstinadamente
contra este fato, a Igreja conseguiu evitar de um modo geral o cativeiro dos
índios. Mas não chegou a evitar o dos negros.
Ficava, pois, a nódoa. Era preciso apagá-la.
Desejoso de precipitar o desfecho da luta abolicionista, Joaquim Nabuco deliberou pedir, em apoio da causa, o prestígio e a influência de Leão XIII. E, atendendo ao pedido do grande brasileiro, o Santo Padre escreveu uma Carta Encíclica em que se mostrava favorável à libertação dos escravos no Brasil.
Costuma-se interpretar o gesto de Nabuco como sendo
destinado especialmente a fazer pressão sobre a Princesa Imperial, católica
modelar, a fim de conseguir dela o gesto de libertação final. O fato é que
qualquer palavra do Pontífice teria por certo a maior ressonância junto à
Princesa. Mas se bem que esta pudesse sentir uma ou outra hesitação quanto à
oportunidade da medida, o fato é que a causa abolicionista já era causa
vencedora no nobre coração de Da. Isabel.
Ninguém ignora que ela era abolicionista de todo o coração,
a tal ponto que no próprio Paço Imperial seus filhos, ainda pequenos,
confeccionavam um pequeno jornal abolicionista que circulava com grande
irritação dos escravagistas.
De fato, a Carta de Leão XIII teve um alcance ainda maior. Nação profundamente católica, o Brasil sempre foi dócil à voz de Pedro. O vigor da opinião católica se atestou no Império tão claramente, por ocasião do “caso” de Dom Vital [Maria Gonçalves de Oliveira], que nem é necessário insistir sobre isto.
A palavra do Pontífice colocaria na caudal do movimento
abolicionista a imensa massa católica do país. No plano puramente político,
este efeito da Carta de Leão XIII talvez ainda não tenha sido devidamente
apreciado por nossos historiadores.
E veio a abolição. Leão XIII quis dar, a este propósito, um
testemunho de sua paternal admiração à nobre Princesa que assinara o decreto, e
de aplauso ao povo que tão bem o recebera. Daí o enviar o Pontífice à grande
Princesa brasileira a “Rosa de Ouro”, o mais alto testemunho de apreço que o
Papa dá aos membros de Casa reinante.
Esta joia de inestimável valor põe, portanto, em foco, a figura de Leão XIII e da grande Princesa Isabel, e evoca uma página brilhante, a um tempo da História da Igreja e do Brasil.
https://www.abim.inf.br/a-rosa-de-ouro-da-princesa-imperial/
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Uma glória da Igreja na História do Brasil
Fotografia colorida digitalmente.
Plinio Corrêa de Oliveira
Legionário, 28 de julho de 1946
Transcorrendo agora o primeiro centenário do nascimento da
Princesa Isabel, é da maior conveniência que se ponham em relevo alguns
aspectos de sua personalidade, que a opinião pública ainda não conhece
devidamente.
Não vale a pena analisar, é claro, as mil pequenas calúnias
e maldades com que a propaganda republicana procurou, durante os últimos anos
da monarquia, açular contra a herdeira da coroa, a opinião pública. “Mentez,
mentez, il en restera toujours quelque chose” (Menti, menti, sempre ficará
alguma coisa), escrevia Voltaire.
O caso da Princesa Isabel constitui significativa exceção à
regra geral. Hoje em dia, não há quem perca tempo em discutir os leitmotivs da
propaganda anti-isabelina: todos tiveram a vida efêmera das mentiras mal
contadas, e se desacreditaram por si.
Cerimônia da assinatura da Lei Áurea (Quadro de Victor Meirelles)
Entretanto, apesar de tudo isto, a figura da Princesa Isabel
ainda não é bem conhecida pelos brasileiros. Os compêndios a apresentam tão
somente como a libertadora da raça escrava. Ela emerge da sombra discreta da
vida do lar, para penetrar na grande História em um momento fulgurante. Assina
a lei de abolição.
Volta, depois, à vida de família, numa penumbra que o
exílio, pouco depois, ainda tornará mais densa. E nesta penumbra se extingue
docemente, e quase sem ruído, a sua vida terrena, numa época em que sua figura
já tinha saído inteiramente da atualidade política. Desta vida familiar
transcorrida numa nobre discrição, se desprende perfume da genuína virtude
cristã.
Reunindo estes escassos elementos informativos, o quadro
psicológico da Princesa parece compor-se facilmente: excelente dama, que viveu
sempre para o lar e que teve a felicidade de assinar em dado momento a lei de
emancipação.
Por certo, estes traços gerais são verdadeiros e eles bastam
inteiramente para justificar a glória da “Redentora”. Não há dúvida,
entretanto, de que uma análise histórica mais pormenorizada enriqueceria muito,
com novos e belos aspectos, esta noção que, se bem que bela, é no fundo
bastante sumária.
* * *
Família Imperial (Crédito da foto: Otto_Hees-Restoration)
Antes de tudo, é preciso compreender bem o que significa, em
regime monárquico, a vida de família de uma Princesa. Não se pense que é uma
vida privada, com sua agradável irresponsabilidade e doce despreocupação. A
função social da família reinante é subtil e difícil de definir. Nem por isto,
deixa de ser muito real e importante.
Para que tenhamos disto alguma ideia, é preciso
considerarmos o exemplo inglês, a suma atenção com que a opinião de todas as
camadas sociais e correntes partidárias acompanha os gestos e feitos da família
real, e a importância que atribui a qualquer acontecimento que ocorra neste
terreno.
A família reinante deve, a um tempo, ser o espelho e o
modelo do ideal familiar e social do país. Espelho, no sentido de que deve
possuir do modo mais acentuado e autêntico, o que a mentalidade doméstica e
social do país tem de típico. A família reinante deve ser como que a
concretização simbólica do espírito nacional, no que diz respeito à vida social
e familiar.
Modelo, no sentido de que cabe à dinastia a função discreta
de dirigir a evolução da mentalidade nacional, no lar e na sociedade. Munida do
prestígio social inerente à sua categoria, pode a família reinante, sobre a
qual convergem todos os olhares, por meio de seu exemplo, fazer cair em desuso
os costumes menos bons e os substituir gradualmente por outros, exercendo assim
sobre o espírito público uma função pedagógica de imensa importância.
Foi este o papel social com que deparou a Princesa, desde
seus primeiros anos. Digamos desde logo que ela o desempenhou modelarmente.
* * *
Nas ruas do Rio de Janeiro, o povo celebrou a promulgação da Lei Áurea
Se investigarmos bem a fundo as razões da popularidade que a
Família Imperial conservou, mesmo depois da República, veremos que reside em
boa parte, no êxito de sua tarefa social. O velho Imperador, com a grande
respeitabilidade de sua figura, seu porte grave e afável, sua longa barba
precocemente encanecida, representava bem o tipo ideal do excelente pai de
família brasileiro daquela época, coluna do lar, protetor suave e varonil dos
seus.
Os costumes privados do Imperador eram sabidamente
excelentes. O Imperador era como que o tipo exemplar que concentrava em si as
virtudes que cada brasileiro estimava em seu próprio Pai. O mesmo se poderia
dizer da Imperatriz, Dona Teresa Cristina. Era italiana, da Casa de Bourbon
Duas Sicílias.
Adaptou-se a nosso ambiente com a naturalidade com que o
fazem os de sua terra. Feia, boa, acolhedora, era ela mesma o protótipo da dama
brasileira, algum tanto desinteressada naquele tempo dos encargos de
representação, mas exímia em tudo quanto dissesse respeito aos deveres do lar.
Todo o mundo, consciente ou inconscientemente, se sentia um pouco parente
daquela família-tipo.
Cabia à Princesa Isabel sustentar esta tradição, representar
ela mesma a geração em que nascera, com a exatidão e fidelidade com que seus
pais haviam logrado encarnar a geração anterior. Incumbia-lhe aliar à
representação própria ao regime monárquico, a simplicidade de que os
brasileiros sempre foram tão ardentes apreciadores.
À delicadeza, essencial ao verdadeiro ideal feminino, a firmeza de pulso própria a uma herdeira da coroa. Em uma época em que as mulheres viviam tão arredadas da política que nem tinham direito de voto, ela, a Princesa Imperial, se encontrava bem no âmago da vida política, onde devia agir de modo a inspirar confiança aos homens e evitar a antipatia das mulheres!
Até que ponto foi bem sucedida em tudo isto? Não lhe
faltaram críticas. A alguns parecia excessiva sua simplicidade, seu
desinteresse pela vida de sociedade. Por uma contradição muito própria à
política brasileira, este ponto era explorado, não pelos altos círculos
sociais…, mas pela propaganda republicana.
Outros receavam que, como dama que era, não tivesse o pulso
forte que deve ter quem carrega o cetro. Mais uma vez, foram sobretudo os
republicanos que se alarmaram com a ideia de que de futuro o cetro não fosse
manuseado com suficiente força, eles que queriam a queda do trono, precisamente
para evitar os excessos do poder.
Mas é preciso dizer que não foram só os republicanos que se
desagradaram por vezes com este aspecto da atuação da Princesa. Mesmo em
círculos monárquicos, estas críticas causavam certa impressão. E alguns dos
mais férvidos defensores da coroa eram os primeiros a achar que o trono exigia
mais representação e mais força.
Até que ponto estas críticas foram fundadas? A questão se
prestaria a um muito amplo desenvolvimento. Ela pertence sobretudo ao domínio
da história dos costumes, capítulo complexo da grande História, que não se
trata razoavelmente senão com um amplo desenvolvimento de reflexões e um grande
reforço de fatos e documentos, coisa que, evidentemente, escapa aos limites de
um artigo.
Uma coisa, porém, é certa. A Princesa Imperial se conservou
muito popular durante todo o tempo da monarquia e esta popularidade perdurou
até sua morte. Quando ela faleceu, os jornais publicaram com destaque a sua
fotografia, os brasileiros fitaram comovidamente sua figura de anciã maternal e
veneranda. A lei de 13 de Maio já estava longe e a todos parecia tão natural
que não houvesse escravos no Brasil, que ninguém sentia mais a sagrada emoção
do dia da abolição.
O pesar que sua morte causou foi, para todos, um pouco como
o da morte de um membro de sua própria família. Era uma popularidade pessoal,
que lhe vinha de suas virtudes, vistas sobretudo deste ângulo fundamental: a
Princesa soubera, ela também, encarnar perfeitamente o que havia de melhor
entre as brasileiras de sua geração. Era o tipo da grande dama brasileira de
seu tempo, nobre, maternal, bondosa, que sabia fazer-se respeitar sobretudo
pelo amor.
É possível que algo pudesse ter sido mais perfeito no seu
modo de desempenhar o papel representativo de seu cargo. Somente hoje, começam
os historiadores a poder pronunciar-se sobre o assunto com isenção. E a questão
ainda depende de estudo. De um modo ou do outro em linhas gerais é inegável que
ela acertou: a sua durável popularidade prova-o de modo claríssimo.
* * *
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