O que é da razão ou da criação humana se interpreta. O que é de Deus, é revelado. Mas sempre há um mistério Nele, que é encoberto.
O profético alcança o Espírito e Ele,
o futuro. Mas somente Deus é futuro e definitivo. Interpretamos os sinais da
natureza, interpretamos os sonhos, interpretamos um texto literário ou
filosófico, a ciência é interpretável.
Recordo-me de quando adolescente,
caminhando pelas trilhas de Gramado, onde passava a infância no pampa, gostava
de tentar interpretar as folhas que caíam das árvores, como se as árvores
caíssem das folhas, ou as árvores voassem com os pássaros.
E era estranho que cada folha
guardava a sua identidade, nenhuma se parecia com outra, como os troncos não
são iguais.
E o tempo passa, como nós passamos.
Para Borges, o escritor argentino e para o próprio Eclesiastes, bem antes, nós
somos como sombra que passa, porque somos tempo, mesmo que creiamos inventar o
tempo, na medida em que ele nos inventa.
E apenas existe no poético, o
profético, se a vida é revelada. Vêm-me os versos de um poeta francês, François
Villon, que anotou numa de suas baladas: “onde estão as neves de antanho?”
Ainda que todas as neves se pareçam,
o seu espetáculo é impressionante. Eu o assisti, certa vez, viajando por uma
estrada da Espanha, a caminho de Sevilha, com as rodas do automóvel resvalando,
com precisão de correntes para a segurança.
E na minha memória, esta neve irrompe
com suas camadas, como o tempo é tantas vezes a neve que se apaga.
E tantas vezes é o coração que degela
o esquecimento. Ou até o esquecimento que modela ou amplia a glória.
Tribuna Online,
15/08/2021
https://www.academia.org.br/artigos/interpretacao
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Carlos Nejar - Quinto ocupante da
cadeira nº 4 da ABL, eleito em 24 de novembro de 1988, na sucessão de Vianna
Moog, foi recebido em 9 de maio de 1989 pelo Acadêmico Eduardo Portella.
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