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sábado, 12 de junho de 2021

JORGE AMADO E CYRO DE MATTOS


Jorge Amado e Cyro de Mattos

 por Ângela Fraga

 

Primeiramente assinalo a vitoriosa parceria, já há tantos anos travada entre o nosso homenageado, Cyro de Mattos, e a Fundação Jorge Amado que, através do seu braço editorial – a editora Casa de Palavras, já teve o privilégio de publicar 3 títulos de sua autoria e hoje lança o quarto. Berro de Fogo e Outras Histórias, Canto a Nossa Senhora das Matas (capa de Calasans Neto), Poemas Iberoamericanos e Canto até Hoje, capa de Juarez Paraiso.

 

Lembro com saudosismo também a amizade existente entre Cyro e Myriam Fraga, que eu particularmente tive o privilégio de compartilhar e também a amizade que tinha com o seu conterrâneo, Jorge Amado (os 3 confrades na Academia de Letras da Bahia).

 Jorge Amado em pronunciamento que consta nas atas da Academia Brasileira de Letras, certa ocasião disse sobre Cyro:

 Cyro de Mattos não se confunde à maioria de escrevinhadores que, na falta de real experiência humana e de real experimentação literária, se perdem na imitação uns dos outros, em cacoetes e fogos de artifícios enganadores. Cyro de Mattos possui uma personalidade vigorosa e original: a condição humana dos personagens que surgem de seu conhecimento e emoção nada tem de artificialismo da pequena burguesia a exibir angústia de psicanalista. Ele pisa chão verdadeiro, toca a carne e o sangue dos homens".

 E foi assim, com este fervor de alma, que ele construiu um poema. Poema curiosamente e carinhosamente intitulado:  Coisas de Myriam Fraga. Eis o poema:

 

Coisas de Myriam Fraga

 

Parir é coisa de mulheres.

Criar a flor dentro ciciada.

O ser no outro ser.

Completo acorde

até as gotas da morte.

 

Poesia é coisa de mulheres.

Às vezes acorda nesta paixão.

Rigor e lucidez na pele lambida.

 

Palavra é como brasa ...

queima até o fim...

Ilhas e ventos onde eu navego.

Ó labirinto de mim.

 

Pois bem.... Cyro lança agora, em comemoração aos 60 anos de  dedicação à literatura, o CANTO ATÉ HOJE,  que reúne toda a sua obra poética em 800 páginas, em edição impressa bem cuidada e em versão digital, como mandam os dias de hoje. O livro traz uma incrível capa ilustrada por Juarez Paraiso, e os versos ( inclusive inéditos) de toda uma trajetória de intensa atividade literária.

Um sonho do autor que está sendo realizado através do Prêmio Jorge Portugal das Artes, por meio da Lei Aldir Blanc e Fundação Cultural da Bahia.

(Aliás, já que falamos antes de amizade, não tenho como não lembrar aqui do nosso querido Jorge Portugal, grande incentivador da cultura e da literatura de nossa terra. A ideia de batizar o prêmio com o seu nome foi muito feliz...)

Jorge Amado sabiamente dizia “A amizade é o sal da vida...” e eu também sinto assim. Sem os amigos, a criação das redes, um ajudando o outro, trabalhando em prol do sucesso do outro, nada é possível. Um evento como este que estamos vivenciando agora não seria possível... basta correr o olho, como diz o povo, e perceber, que quase todos aqui tem algum ponto em comum e todos temos a amizade por Cyro!

Voltando a ele, prestemos atenção: São seis décadas da sua vida dedicadas à literatura. Curiosamente, o seu primeiro conto, publicado em 1960, em um suplemento literário do Jornal Bahia, que tinha como editor o amigo e também escritor João Ubaldo Ribeiro, intitulava-se “A CORRIDA”.

Creio eu que ali se iniciava, literalmente, uma corrida e de lá pra cá, o escritor nunca parou de contar suas histórias em prosas e versos.

E, se vocês perceberem, é também curioso, o título do livro hoje lançado aqui – CANTO ATÉ HOJE.

Ou seja, ele iniciou uma corrida em 1960 e até hoje canta e corre...

E sua necessidade vital de escrever o fez não apenas poeta, mas contista, novelista, romancista, cronista, ensaísta, autor de literatura para crianças e jovens, jornalista, advogado e, especialmente, fomentador da arte da palavra.

Impossível não falar da importância da sua atuação no cenário cultural, com destaque para uma característica muito peculiar à sua personalidade que é a perseverança, especialmente para com o “fazer” literário e os seus desdobramentos.

Vejam bem, o incansável, Cyro de Mattos, do auge dos seus 82 anos, surpreendente e encara os desafios de um mundo que ele mesmo confessa desconhecer, o chamado mundo virtual, mas não esmorece e avança bravamente  com a determinação costumeira que deu à sua trajetória um reconhecimento internacional.

Para finalizar cito aqui um pequeno trecho do depoimento de Cyro, quando participou em 1997, na Fundação Casa de Jorge Amado, do projeto “Com a Palavra o escritor”, porque me soou tão atual para o cenário que estamos a enfrentar:

 “A arte literária quando feita com amor e talento, de maneira humaníssima, reveladora do ser na existência, pode não salvar o indivíduo do seu conflitivo lado de animal social, não resolver problemas econômicos e políticos, mas é ato que torna a vida suportável, sensível, essencial. Viver sem ela seria mesmo impossível”.

 



Ângela Fraga
é diretora da Fundação Casa de Jorge Amado, filha da poeta Myriam Fraga. Escritora e advogada com especialização em administração de empresas.  O texto ora publicado faz parte de sua fala na live para lançamento do livro Canto até Hoje, de Cyro de Mattos, obra poética reunida, em 9 de abril deste ano, nas comemorações dos 60 anos de atividades literárias do autor baiano.

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