“Tenho Sede!”
Rica em lições e significados, a Semana Santa nos oferece inúmeros exemplos de vida e resolução que tocam nas nuvens do mistério. Um deles é a narração, pelas páginas dos evangelhos, da sede devoradora que consumia Nosso Senhor Jesus Cristo durante a paixão. Que lições tal sede nos dá?
O Divino Mestre de fato sofreu sede física pelos sofrimentos atrozes a que foi submetido, pela quantidade de sangue que derramou, e pela consequente febre que O abrasava. Essa sede simbolizava outra, que superabundava no seu espírito: a sede de redimir os homens. Para saciá-la, em vez de água, seus verdugos Lhe deram vinagre e fel.
Foi por meio de uma verdadeira guerra que Jesus Cristo
conquistou o seu reino, que não era deste mundo, mas que se travou aqui na
Terra para que fosse completo. Ele se tornou homem, padeceu e morreu na Cruz
para nos salvar, além de nos deixar a Igreja, seu Corpo Místico.
Na pena de Plinio Corrêa de Oliveira, a Igreja “em
suas instituições, em sua doutrina, em suas leis, em sua unidade, em sua
universalidade, em sua insuperável catolicidade, é um verdadeiro espelho no
qual se reflete nosso Divino Salvador. Mais ainda, Ela é o próprio Corpo Místico
de Cristo”.
Enquanto tal, a Igreja forjou e plasmou a civilização
cristã, passando a reinar nos corações e na sociedade. Em sua agonia mortal no
Horto das Oliveiras, Nosso Senhor anteviu o que se passa hoje com a perda da
fé, a descristianização da sociedade, a perfídia dos corações, dentro e fora da
Santa Igreja. E sofreu por tudo isso!
O que nos diria nas atuais circunstâncias? — Quae
utilitas in sanguine meo? (Qual a utilidade do meu sangue?). Ele nos
olharia com infinita compaixão, constatando a perda de milhões de almas todos
os dias, vendo a impiedade grassar em todos os rincões da Terra.
Veria também a indiferença e a frieza daqueles que poderiam
ser chamados de pupila de seus olhos e delícias do seu coração, os preferidos
do seu divino amor e predileção. Qual a utilidade do meu sangue se a borrasca e
a escuridão continuam a cobrir toda a Terra? Não se vê uma nesga de luz.
Que utilidade é esta de seu sangue? Durante a Crucifixão,
até as pedras se fenderam, os sepulcros se abriram como que proclamando que Ele
era rei dos vivos e dos mortos. Sua ardente sede de almas, representada pela
sede física, simbolizava o zelo divino em purificar a Terra.
Para Santo Agostinho, Aquele que parecia homem sofreu tudo
isso, e todos os que estavam escondidos de Deus, sofreram. Assim se cumpriram
as Escrituras: “E na minha sede me deram a beber vinagre” (Sl
68, 22). “Tenho sede”, como se dissesse: Isso precisa ser
feito. Os judeus eram o vinagre, resultado da degeneração do vinho dos
patriarcas e profetas.
Antes de expirar, Jesus pôs aos olhos de todos o cumprimento
da Lei, o que foi predito, o complemento de toda sua obra salvadora,
servindo-se de exemplo para os seus discípulos e seguidores: “Tudo está
consumado”, o sacrifício estava completo, a honra de Deus havia sido
expiada e as portas do céu abertas.
Jesus Cristo perseverou até o fim, e sofreu sua Crucifixão,
Paixão e Morte vencendo o mundo, o demônio e a carne. A vitória da Cruz
luminosa e resplandecente passou a reinar em todas as instituições, sobretudo a
familiar, como elemento saudável e vivificador da sociedade cristã.
Sua sede incomensurável foi a de sofrer por nós e de
conceder novamente aos homens aquilo que os nossos primeiros pais perderam, ou
seja, a beleza, a pureza de nossos corações, a graça divina para estarmos
constantemente em comunicação com o nosso Criador. E como seus filhos
regenerados pelo Deus encarnado, sermos agradáveis a toda Trindade Santíssima.
Pelas chagas de Jesus Cristo fomos todos curados. As suas
feridas, espinhos e açoites se tornaram fonte inexaurível para nossas
reflexões, além de um tesouro também inesgotável para haurirmos forças e zelo
para trabalhar pela glória de Deus e a salvação das almas.
Resta-nos recorrer à Mãe de todas as mães nos momentos de
aflição, à Mãe Dolorosa que acompanhou seu divino Filho em todos os passos da
Paixão, e pedirmos a Ela a graça de ter sempre diante dos nossos olhos o
Redentor sofredor e chagado, como Ela O contemplava na Paixão.
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*Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria – Cardoso
Moreira (RJ).
https://www.abim.inf.br/tenho-sede/
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