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terça-feira, 5 de janeiro de 2021

UM CARPINTEIRO ORDINÁRIO – Ariston Caldas

 


         Meu pai dizia que Pedro Longuinho era um carpinteiro ordinário. Acrescentando:

            - Nunca aprendeu a arte.

            Pedro era primo terceiro de minha mãe – esmirrado, ombros estreitos e cabelo escorrido caindo sobre a testa. Sua fala era quase um resmungo. Ele não tinha filho e residia com a mulher numa casa abarracada em uma rua que ia dar na beira do rio, onde havia uma ponte de madeira.

            Os transportes para a cidade eram escassos e ruins e ele havia acertado fazer umas cancelas numa fazenda distante três léguas. Como meu pai tinha bom conhecimento com proprietários de caminhões, Pedro apadrinhou-se dele para conseguir um lugar no primeiro carro que aparecesse.

            - Graças a Deus estarei na fazenda bem antes do meio-dia. – Ele falou para a mulher que ajeitava uns bilros numa almofada feita de chitão.

            - Homem, o carro é seu? Então não fique aí fazendo planos à toa. – Advertiu-lhe ela.

            Antes de ter uma confirmação do meu pai, ele começou no domingo à tarde a arrumar as coisas num bocapio enorme. Chovia e o rio vinha enchendo rápido. Os moradores falavam que “já subiu mais de um metro”. Isso preocupava Pedro que tinha plano de viajar no dia seguinte bem cedinho.

            - É, a ponte é muito alta. Para o rio chegar até o lastro dela precisa de um mundo de água, e a chuva não está tão grossa assim – comentou para a mulher sentada ao lado da almofada de chitão, enquanto arrumava coisas num bocapio – serrote, martelo, enxó, esquadro, compasso; calça velha, uma camisa de brim, um pedaço de fumo de corda e o que ia lembrando. Não queria deixar nada para a última hora.

            Quando o dia amanheceu, ele pulou da cama, coou café, cozinhou aipim e deu milho às galinhas no terreiro do quintal; vestiu uma roupa limpa, calçou os borzeguins amarelos, fez algumas recomendações à mulher e saiu rua a fora, com o bocapio, em direção à cabeceira da ponte onde costumavam esperar transporte. Por algum tempo ficou de pé, teso, bocapio ao lado, certo de que o caminhão arranjado por meu pai não iria demorar. Mais de uma hora depois ele cansou e resolveu sentar-se numa pedra grande que havia perto da cabeceira da ponte, onde ficou chupando roletes de cana, olhando para o rio que parecia baixar.

            - Inda bem que a chuva passou e o rio está secando, resmungou para si mesmo. O caminhão só apareceu próximo das dez horas, quando Pedro já se encontrava aporrinhado. Junto a ele o carro parou. O motorista, sujeito sarará e barrigudo, de bigode cheio, desceu da cabine e perguntou-lhe:

            - Pedro Longuinho é o senhor?

            - Pois não! – respondeu ele, saliente.

            - ... É. Mestre Chico me falou para levá-lo até uma fazenda. Mas olhe a situação. Houve um imprevisto... – disse o motorista apontando para a carroceria do caminhão cheia de vacas leiteiras, e para a cabine onde iam duas mulheres com uns meninos ao colo. Pedro, sustentando o bocapio pesado como chumbo, ficou entalado e quando o carro sumiu na curva depois da ponte, ele resmungou, com raiva. “Diabo os leve!” – jogando para um lado o resto dos roletes espetados em taliscas de bambu.

 

(LINHAS INTERCALADAS)

Ariston Caldas

 

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Ariston Caldas nasceu em Inhambupe, norte da Bahia, em 15 de dezembro de 1923. Ainda menino, veio para o Sul do estado, primeiro Uruçuca, depois Itabuna. Em 1970 se mudou para Salvador onde residiu por 12 anos. Jornalista de profissão, Ariston trabalhou nos jornais A Tarde, Tribuna da Bahia e Jornal da Bahia e fundou o periódico ‘Terra Nossa’, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia; em Itabuna foi redator da Folha do Cacau, Tribuna do Cacau, Diário de Itabuna, dentre outros. Foi também diretor da Rádio Jornal de Itabuna.

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