Meu pai dizia que Pedro Longuinho era um carpinteiro ordinário. Acrescentando:
- Nunca
aprendeu a arte.
Pedro era
primo terceiro de minha mãe – esmirrado, ombros estreitos e cabelo escorrido
caindo sobre a testa. Sua fala era quase um resmungo. Ele não tinha filho e
residia com a mulher numa casa abarracada em uma rua que ia dar na beira do rio,
onde havia uma ponte de madeira.
Os
transportes para a cidade eram escassos e ruins e ele havia acertado fazer umas
cancelas numa fazenda distante três léguas. Como meu pai tinha bom conhecimento
com proprietários de caminhões, Pedro apadrinhou-se dele para conseguir um
lugar no primeiro carro que aparecesse.
- Graças a
Deus estarei na fazenda bem antes do meio-dia. – Ele falou para a mulher que
ajeitava uns bilros numa almofada feita de chitão.
- Homem, o
carro é seu? Então não fique aí fazendo planos à toa. – Advertiu-lhe ela.
Antes de
ter uma confirmação do meu pai, ele começou no domingo à tarde a arrumar as
coisas num bocapio enorme. Chovia e o rio vinha enchendo rápido. Os moradores
falavam que “já subiu mais de um metro”. Isso preocupava Pedro que tinha plano
de viajar no dia seguinte bem cedinho.
- É, a
ponte é muito alta. Para o rio chegar até o lastro dela precisa de um mundo de água,
e a chuva não está tão grossa assim – comentou para a mulher sentada ao lado da
almofada de chitão, enquanto arrumava coisas num bocapio – serrote, martelo,
enxó, esquadro, compasso; calça velha, uma camisa de brim, um pedaço de fumo de
corda e o que ia lembrando. Não queria deixar nada para a última hora.
Quando o dia amanheceu, ele pulou da
cama, coou café, cozinhou aipim e deu milho às galinhas no terreiro do quintal;
vestiu uma roupa limpa, calçou os borzeguins amarelos, fez algumas
recomendações à mulher e saiu rua a fora, com o bocapio, em direção à cabeceira
da ponte onde costumavam esperar transporte. Por algum tempo ficou de pé, teso,
bocapio ao lado, certo de que o caminhão arranjado por meu pai não iria
demorar. Mais de uma hora depois ele cansou e resolveu sentar-se numa pedra
grande que havia perto da cabeceira da ponte, onde ficou chupando roletes de
cana, olhando para o rio que parecia baixar.
- Inda bem
que a chuva passou e o rio está secando, resmungou para si mesmo. O caminhão só
apareceu próximo das dez horas, quando Pedro já se encontrava aporrinhado.
Junto a ele o carro parou. O motorista, sujeito sarará e barrigudo, de bigode
cheio, desceu da cabine e perguntou-lhe:
- Pedro
Longuinho é o senhor?
- Pois
não! – respondeu ele, saliente.
- ... É. Mestre Chico me falou para levá-lo
até uma fazenda. Mas olhe a situação. Houve um imprevisto... – disse o
motorista apontando para a carroceria do caminhão cheia de vacas leiteiras, e
para a cabine onde iam duas mulheres com uns meninos ao colo. Pedro,
sustentando o bocapio pesado como chumbo, ficou entalado e quando o carro sumiu
na curva depois da ponte, ele resmungou, com raiva. “Diabo os leve!” – jogando
para um lado o resto dos roletes espetados em taliscas de bambu.
(LINHAS INTERCALADAS)
Ariston Caldas
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Ariston Caldas nasceu em Inhambupe, norte da Bahia, em 15 de dezembro de 1923. Ainda menino, veio para o Sul do estado, primeiro Uruçuca, depois Itabuna. Em 1970 se mudou para Salvador onde residiu por 12 anos. Jornalista de profissão, Ariston trabalhou nos jornais A Tarde, Tribuna da Bahia e Jornal da Bahia e fundou o periódico ‘Terra Nossa’, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia; em Itabuna foi redator da Folha do Cacau, Tribuna do Cacau, Diário de Itabuna, dentre outros. Foi também diretor da Rádio Jornal de Itabuna.
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