Era um grupo de oito pessoas. Após o
jantar, ninguém deixou a mesa, pois o anfitrião ia celebrar missa, como os
cristãos primitivos. De quando em quando, ele interrompia a cerimônia,
insatisfeito com o fogo da lareira, que procurava reavivar. A saúde frágil, era
uma águia: nada escapava a seu reduzido campo visual.
O irmão Arturo
Paoli (1912-2015) padre e missionário italiano, foto, viveu até os 102 anos.
Lutou na resistência contra os nazistas e salvou os judeus, reconhecido como
“Justo entre as Nações”. Viveu no deserto da Argélia, como Charles de Foucauld.
Doou a vida aos mais pobres da Argentina e da Venezuela. Em Foz do Iguaçu,
trabalhou, anos a fio, numa comunidade sofrida.
Olha para mim alguns segundos: “se
você é brasileiro, conhece a palavra rabicho”. “Sim, Arturo”, respondi
timidamente.
Falou do sermão aos pobres de Foz.
Precisamos do amor de Deus, mas ele também precisa do nosso amor. Havia uma
torre de alta tensão, plantada na comunidade, que não comunicava luz elétrica.
A metáfora da altura e da energia traduzia a mística de Arturo. Como sentir a
dimensão divina? Como exercer o amor de mão dupla, senão através da conversão
e, neste caso, fazendo um rabicho? Deus é luz. Ninguém merece viver nas trevas.
A exclusão social é um escândalo. Il
diavolo, o diabo. O liberalismo é a raiz de todos os males. Não tenho dúvidas.
Mas não perco a dimensão da burrice do demônio, como dizia o saudoso Hélio
Pellegrino.
Arturo Paoli foi dos primeiros a
denunciar a teologia do mercado e os que morrem esmagados pela exploração: “ao
amanhecer, abro a porta da minha casa e logo encontro nas ruas estreitas da
favela pessoas que gemem sob as rodas do mercado, e elas são a minha
família..."
Penso no Brasil em 2021. Toco uma
peça de Bach ao piano. É o que me resta. Faz escuro. Conto as estrelas. Não
tenho lágrimas.
https://www.academia.org.br/artigos/auto-de-natal-o-irmao-arturo-paoli
......
Marco Lucchesi - Sétimo ocupante da cadeira nº 15 da ABL, eleito em 3 de março de 2011, na sucessão de Pe. Fernando Bastos de Ávila, foi recebido em 20 de maio de 2011 pelo Acadêmico Tarcísio Padilha. Foi eleito Presidente da ABL para o exercício de 2018.
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