Esta falada revolução de Itabuna, explicava Carlos Sousa ao seu companheiro de palestra, o Tourinho da farmácia, tinha interpretações diversas, mas a interessante é a que contava Adolfo Lima, que foi secretário da Prefeitura. Esse Adolfo Lima, ponderou o farmacêutico, é cidadão inteligente e preparado. Viveu por aqui decentemente, metido nessas políticas e saiu limpo, sem roubar e sem matar, para viver em Ilhéus.
A história
da revolução, repetiu Carlos Sousa, é ótima. O prefeito Antônio Gonçalves
Brandão começou a manobrar safadamente para fazer um candidato ao seu gosto e
por isso rompeu com o partido que sustentava a candidatura de José Kruschewsky.
Do lado de Brandão formaram Paulino Vieira, Afonso Ligouri, Astério Rebouças,
Filadelfo Almeida. Firmino Alves e Henrique Alves ficaram na moita, soprando a
fogueira para queimarem Zezinho Kruschewsky e Gileno Amado.
Em
Salvador, as coisas não andavam boas, nem poderiam andar, com a política
fervendo, entre o Governador Moniz e Arlindo Leone, de quem o deputado
itabunenses era correligionário e amigo. Um dia, Antônio Moniz chamou ao
palácio Gileno Amado e disse-lhe: “Pelo que vejo você está sozinho, em
Itabuna”. Gileno ouviu, queimou de raiva e saiu do palácio. Efetivamente, estava
sozinho, ou quase sozinho, com a traição do prefeito e dos amigos. No passeio
do palácio, ao sair, encontrou o sargento Belarmino, um caboclo grosso e
simpático, cara de homem de coragem.
Chamou
Belarmino e disse-lhe: - Belarmino, você tem coragem para cumprir uma missão
arriscada?
- Tenho
até para morrer, é questão do senhor determinar.
- Então,
ouça, Belarmino: pegue o seu fuzil, embarque no vapor que sai hoje, para
Ilhéus. Em Ilhéus tome o trem, vá a Itabuna e entregue esta carta ao prefeito,
vivo ou morto.
- Vivo ou
morto, eu ou o prefeito? – indagou espantado, o sargento.
- Um ou
outro, Belarmino, como preferir, o caso é que entregue a carta.
Ordens
dadas, ordens cumpridas. Belarmino apanhou o fuzil, encheu a capanga de balas,
despediu-se da amante que morava numa casa da Rua da Misericórdia, beijou-a e
abraçou-a, arranjou umas fitas milagrosas do Senhor do Bonfim e embarcou no
“baiano” para Ilhéus, na terceira classe, cheia de sergipanos enjoados. Uma
viagem desgraçada, vento sul contra, mar pela frente, prenúncio de maior
temporal. O comandante do navio Jequitinhonha, um homem vermelho de nome
Correia, quanto mais o navio jogava, mais ele bebia.
No dia seguinte
saltou em Ilhéus, e foi descansar no quartel para viajar no dia imediato, no
trem das sete horas. De vez em quando apalpava o dinheiro que o deputado lhe
dera, cem mil-réis e pensava na tal ordem – “ou vivo ou morto”. Era o diabo,
mas cumpriria a ordem, “ou vivo ou morto”. Teve uma ideia. Foi à estação e
comunicou para Itabuna, pelo telefone, que no outro trem, estaria lá com uma
força.
Realmente,
no dia marcado às 11 horas saltou do trem na estação de Itabuna com o fuzil na
mão, e a passo militar. A estação estava deserta. Um ou outro curioso, um ou
outro espião. Aproximou-se de um soldado que deparou na rua e ordenou que o
acompanhasse e disse alto para ser ouvido: “a tropa vem aí”.
Com o
companheiro, marchou para a casa do Prefeito Brandão. Lembrou-se da
recomendação: “vivo ou morto”; apalpou a carta, o dinheiro, sacudiu a capanga
para ouvir o tinir das balas, umas contra as outras, e enfiou pela porta da
residência do Prefeito, apartando os homens de cara feia que encontrava no
caminho. Perfilou-se diante do prefeito, entregou a carta e disse marcial:
“Dê-me, as ordens”. Pode retirar-se! Exclamou o prefeito. E Belarmino,
militarmente, saiu, como havia entrado.
Perto da
Rua do Lopes, observou que um grupo marchava em sua direção e, incontinenti,
atirou contra o grupo que correu, tendo um jagunço perdido o chapéu arrancado
por uma bala. Ao mesmo tempo os “cauassus”, que guardavam a residência de José
Kruschewsky, começaram a atirar também e estabeleceu-se um tiroteio do diabo.
Um sujeito passou correndo e gritou: “A tropa da polícia tomou a cidade, está
chegando por todos os lados”.
Paulino
Vieira, Henrique Félix correram, fugiram ou se esconderam. Belarmino soube da
notícia, marchou para o esconderijo dos jagunços foragidos de Paulino Vieira e
nas pastagens ao lado apanhou todo o armamento jogado fora na carreira da fuga.
Estava terminada a revolução.
Foi ao
telégrafo e passou o seguinte despacho: “Deputado Gileno Amado estou vivo,
movimento dominado. Mande as ordens”.
(TERRAS DE ITABUNA – CAPÍTULO XVI)
Carlos Pereira Filho
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