Fernando Leite Mendes, o cronista a se resgatar
Henrique Fendrich*
Uns querem a crônica alienada como um poema informal e
libertado. Outros preferem fazê-la fragmento de conto e nada mais. Pois de mim
a crônica faz o que ela quer. (Fernando Leite Mendes)
Há um time de grandes cronistas mais ou menos célebres, tido
como a “geração de ouro da crônica”, mas também há nomes que ficaram esquecidos
com o passar dos anos e cujo resgate pode evidenciar que eles não faziam feio
em meio aos “medalhões” do gênero. Cyro de Mattos e Ivo Korytowski se
propuseram a resgatar um desses nomes, o jornalista e escritor baiano Fernando
Leite Mendes (1931-1980), de atuação na TV Tupi, e organizaram “O gigante e
a bicicleta e outras belas crônicas” (Via Litterarum, 2020), obra que dá
boas mostra da produção desse cronista.
Fernando é cronista que se destaca pela elegância da sua
linguagem e pela cultura de suas referências, assemelhando-se, nisso, ao
Henrique Pongetti, outro cronista de sucesso e talento que, no entanto, mal é
lembrado nos dias de hoje. Fernando apresenta notável acento lírico, como
aquele que mais se valoriza em cronistas como Rubem Braga e Paulo Mendes
Campos. Algumas de suas crônicas são perfeitos poemas em prosa (vide “A monja e
os sinos”).
A exemplo de Paulo Mendes Campos, ele também usa a crônica
como forma de fazer certos exercícios poéticos, entre os quais se destaca “Uma
carga de esperança”, crônica sobre um caminhão em que viajavam várias freiras.
A partir disso, o cronista parte para especulações líricas sobre aquele evento,
nas quais revela a visão mais humanizada que tinha da religião. Há ainda “A
alma e a carta”, verdadeiro esparramo lírico a valorizar o “literário” na
crônica.
Fernando Leite Mendes também se mostra um grande criador de
cenários. A partir de um evento específico (o despejo de uma velha senhora, um
suicídio na Torre Eiffel), ele como que dá um giro de 360 graus para retratar o
entorno e assim mostrar tudo o que acontece conjuntamente à história que
relata. A sensibilidade do seu olhar deixa essas pequenas histórias ainda mais
bonitas.
Também ele se ocupa de notícias dos jornais, também ele
capta, em meio a fatos frios e objetivos, a centelha de vida e poesia que
merece ser eternizada, subvertendo os valores-notícia que costumam orientar a
produção jornalística. “O burro sumiu” lembra muito a forma como o Braga
tratava as notícias. Nem se diga que não estava atento aos eventos do seu
tempo, mas mesmo a ditadura recém-inaugurada recebeu dele não um artigo, e sim
uma crônica em forma de alegoria, a sua defesa, como cronista, diante da
tirania vigente.
A passagem do tempo, indissociável ao próprio conceito de
crônica, também não lhe escapa, e, como é tradição, também há aqui e ali um
passarinho (se bem que o fim deles possa não ser muito bom nas crônicas de
Fernando). Às vezes, a crônica exigia um conto infantil de Fernando, às vezes
uma história divertida do cotidiano, uma análise brejeira dos costumes da
sociedade, e dessas obrigações todas o escritor não se furtava e as realizava a
contento.
Fernando cultivou a crônica com paixão durante grande parte
da vida e essa pequena mostra evidencia o seu talento e o acerto do seu
resgate.
*Henrique Fendrich,
jornalista, cronista,
editor da Revista
da Crônica Rubem,
Curitiba
** Fernando Leite Mendes
é baiano nascido em Ilhéus.
Homem de inteligência inquieta,
cronista maior esquecido,
atuou com destaque na televisão,
teatro, cinema, rádio e jornal,
na década de 1950, Rio de Janeiro.
Orador contagiante,
com ele a palavra estava
de bem com a vida.
(Cyro de
Mattos)
* * *
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