11 de novembro de 2020
Na nova encíclica, o Papa Francisco propõe uma fraternidade universal naturalista, condenada por São Pio X
- José Antonio Ureta*
Fratelli Tutti não parece uma encíclica, e sim a
continuação do diálogo que desde o início de seu pontificado o Papa Francisco
vem mantendo com agnósticos como Eugenio Scalfari, Dominique Wolton ou Carlo
Petrini, na tentativa de levá-los a crer que a modernidade ateia é compatível
com a doutrina católica.
As encíclicas dos pontífices anteriores recolhiam nas verdades eternas,
contidas na Revelação divina, os ensinamentos aplicáveis à situação concreta da conjuntura eclesial
ou temporal. Pelo contrário, a nova encíclica se apresenta como um “espaço de reflexão sobre a fraternidade universal” (nº 286) e propõe uma infinidade de análises exclusivamente
humanas como denominador comum aceitável por todos, apesar das divergências
religiosas ou filosóficas. Não por acaso ela é “dirigida a todas as
pessoas de boa vontade, portanto muito além das suas convicções
religiosas” (nº 56).
Essa procura do denominador comum com o agnosticismo é evidente na
passagem da encíclica sobre “o consenso e a verdade”, onde sublinha
ser a dignidade inalienável de toda criatura humana “uma verdade que
corresponde à natureza humana, independentemente de qualquer transformação
cultural” (nº 213). E acrescenta: “Aos agnósticos este
fundamento poder-lhes-á aparecer como suficiente para conferir aos princípios
éticos basilares e não negociáveis uma validade universal de tal forma firme e
estável que consiga impedir novas catástrofes. Para os crentes, a
natureza humana, fonte de princípios éticos, foi criada por Deus, que em última
análise confere um fundamento sólido a estes princípios”. Talvez para
evitar qualquer suspeita de proselitismo religioso, esclarece que “isto
não estabelece um fixismo ético nem abre a estrada à imposição dum sistema
moral, uma vez que os princípios morais fundamentais e universalmente válidos
podem dar lugar a várias normativas práticas. Por isso, fica sempre um espaço
para o diálogo” (nº 214). [os destaques em negrito, acima e abaixo,
são meus].
Nessa busca de um denominador comum com o agnosticismo, o Papa Francisco
— nesta encíclica, com 170 citações a si mesmo, 43 citações de seus
antecessores, e apenas 20 de padres e doutores da Igreja — omite completamente
pressupostos e mesmo conceitos de natureza sobrenatural; e, de modo particular,
considerações religiosas especificamente cristãs. A encíclica Fratelli
Tutti (“Todos Irmãos”) adota uma linguagem naturalista e
inter-religiosa. Praticamente foram nela omitidos pressupostos básicos das
exortações dos papas anteriores a respeito das questões sociais: a vocação
sobrenatural do homem, a ferida introduzida pelo pecado no mundo, a necessidade
da Redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo, além da omissão do papel salvífico da
Igreja, da graça divina como requisito para o aperfeiçoamento individual e o
progresso social, e da lei natural como fundamento da ordem internacional.
O naturalismo e o interconfessionalismo estão particularmente evidentes
na ideia fundamental da encíclica, que é o “novo sonho de fraternidade
e amizade social” (nº 6) e o consequente “anseio mundial de
fraternidade” (nº 8), que Francisco quer fazer renascer a partir do
reconhecimento por todos da dignidade de cada pessoa humana, sem nenhuma
referência a Deus, salvo numa passagem que é quase um pedido de perdão por
fazê-la: “Como crentes pensamos que, sem uma abertura ao Pai de todos,
não pode haver razões sólidas e estáveis para o apelo
à
fraternidade” (nº
272). Como crentes, aliás, não apenas “pensamos que”, mas “cremos”; ou seja,
damos firme adesão a uma verdade revelada!
Mesmo a parábola do Bom Samaritano é interpretada em clave puramente humanista. Segundo o Papa, ela “revela-nos uma característica essencial do ser humano, frequentemente esquecida: fomos criados para a plenitude, que só se alcança no amor” (nº 68). Jesus “confia na parte melhor do espírito humano e, com a parábola, anima-o a aderir ao amor, reintegrar o ferido e construir uma sociedade digna de tal nome” (nº 71). O caráter laico desse amor é acentuado pela consideração de que uma pessoa de fé pode “sentir-se perto de Deus e julgar-se com mais dignidade do que os outros”, enquanto paradoxalmente “às vezes, quantos dizem que não acreditam podem viver melhor a vontade de Deus do que os crentes” (nº 74).
Este amor ao próximo não procede necessariamente do amor a Deus. A
palavra “caridade” é utilizada 33 vezes na encíclica, mas nunca está associada
à “amizade do homem para com Deus”, no que essencialmente ela
consiste (São Tomás de Aquino, Summa, II-II, q.23, a.1, resp.); de
onde segue-se que “a razão para amar o próximo é Deus” (Ibid.
q.25, a.1, resp.). O menoscabo desse caráter principalmente vertical da
caridade chega ao ponto de se afirmar que aquilo que orienta os atos das
virtudes morais (como a fortaleza, a sobriedade, a operosidade etc.) é “a
medida em que eles realizam um dinamismo de abertura e união para com outras
pessoas” (nº 91), fazendo silêncio sobre o amor a Deus.
Devido ao seu naturalismo interconfessional, Fratelli Tutti parece enquadrar-se amplamente no julgamento crítico dos escritos do Le Sillon pelo Papa São Pio X, na encíclica Notre charge apostolique, na qual mostrou que esse movimento promoveu um conceito de fraternidade não católica:
“Esta mesma doutrina católica nos ensina também que a fonte do amor do
próximo se acha no amor de Deus, pai comum e fim comum de toda a família
humana, e no amor de Jesus Cristo, do qual nós somos membros, a ponto de que
consolar um infeliz é fazer o bem ao próprio Jesus Cristo. Qualquer outro amor
é ilusão ou sentimento estéril e passageiro. Certamente, a experiência humana
aí está nas sociedades pagãs ou leigas de todos os tempos, para provar que, em
certos momentos, a consideração dos interesses comuns ou da semelhança de
natureza pesa muito pouco diante das paixões e das concupiscências do
coração. Não, Veneráveis Irmãos, não existe verdadeira fraternidade
fora da caridade cristã, que, pelo amor de Deus e de seu Filho Jesus Cristo
nosso Salvador, abrange todos os homens, para os consolar a todos, e para os
conduzir todos à mesma fé e à mesma felicidade do Céu. Separando a
fraternidade da caridade cristã assim entendida, a democracia [promovida por Le Sillon], longe de ser um progresso,
constituiria um desastroso recuo para a civilização” (§ 24, destaque
nosso).
A mesma encíclica de São Pio X fornece a luz necessária para salientar
outro aspecto condenável da Fratelli Tutti: a promoção de uma
síntese relativista da coexistência dos contrários; que, por meio do diálogo,
deve servir de apoio à fraternidade universal e à amizade social. O modelo de
uma “cultura do encontro” (mencionada seis vezes no texto) e
do “diálogo” (mencionado 46 vezes) seria São Francisco, que “não fazia
guerra dialética impondo doutrinas”, mas era sim um verdadeiro pai na
medida em que “aceita[va] aproximar-se das outras pessoas com o seu
próprio movimento, não para retê-las no que é seu, mas para ajudá-las a serem
mais elas mesmas” (nº 4).
Hoje, ao contrário, “predomina o costume de denegrir rapidamente
o adversário, aplicando-lhe atributos humilhantes, em vez de se enfrentarem num
diálogo aberto e respeitoso, onde se procure alcançar uma síntese que vá mais
além” (nº 201). Com efeito, devemos pensar que “as diferenças
são criativas, criam tensão e, na resolução duma tensão, está o progresso da
humanidade” (nº 203).
O relativismo filosófico e o interconfessionalismo religioso de Fratelli Tutti se estendem igualmente às relações entre a Igreja Católica e as outras religiões. Na foto o Papa Francisco com a líder da igreja luterana sueca, na sua visita a esse país.
Para o Papa Francisco, isto não seria relativismo, pois permanece válida uma verdade objetiva: que todo ser humano é sagrado (nº 207), e que os direitos humanos são invioláveis (nº 209) e um valor permanente, transcendente e não negociável (nº 211 e nº 273). Quanto ao resto, o que chamamos de “verdade” (as aspas são da encíclica!) é “antes de mais nada, a busca dos fundamentos mais sólidos que estão na base das nossas opções e também das nossas leis” (nº 208). Por isso, “numa sociedade pluralista, o diálogo é o caminho mais adequado para se chegar a reconhecer aquilo que sempre deve ser afirmado e respeitado e que ultrapassa o consenso ocasional” (nº 211). Daí nasce uma cultura do encontro que é “um estilo de vida que tende a formar aquele poliedro que tem muitas faces, muitos lados, mas todos compõem uma unidade rica de matizes […] uma sociedade onde as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente” (nº 215). Isto implica, de um lado, “o hábito de reconhecer, ao outro, o direito de ser ele próprio e de ser diferente” (nº 218); e, do outro lado, “um pacto cultural” que “implica também aceitar a possibilidade de ceder algo para o bem comum”, já que “ninguém será capaz de possuir toda a verdade nem satisfazer a totalidade dos seus desejos, porque uma tal pretensão levaria a querer destruir o outro, negando-lhe os seus direitos” (nº 221). Trata-se do realismo dialogante “por parte de quem pensa que deve ser fiel aos seus princípios, mas reconhecendo que o outro também tem o direito de procurar ser fiel aos dele” (idem); e permite sonhar juntos “como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos” (nº 8).
Para Francisco, isso não é sincretismo nem absorção de um pelo outro,
mas uma aposta “na resolução num plano superior que preserva em si as
preciosas potencialidades das polaridades em contraste” (nº 245), que
parece uma forma particular de dialética hegeliana em que a síntese permanece
como horizonte inatingível.
É fácil perceber que tudo isso não se coaduna com o ensinamento com que
São Pio X condenou o movimento Le Sillon, por ter-se distanciado da
doutrina católica: “O mesmo acontece com a noção da fraternidade, cuja
base eles colocam no amor dos interesses comuns, ou, além de todas as
filosofias e de todas as religiões, na simples noção de humanidade, englobando
assim no mesmo amor e numa igual tolerância todos os homens com todas as suas
misérias, tanto as intelectuais e morais quanto as físicas e temporais. Ora, a
doutrina católica nos ensina que o primeiro dever da caridade não está
na tolerância das convicções errôneas, por sinceras que sejam, nem na
indiferença teórica ou prática pelo erro ou o vício em que vemos mergulhados nossos
irmãos, mas no zelo pela sua restauração intelectual e moral, não menos que
pelo seu bem-estar material” (§ 23).
O relativismo filosófico e o interconfessionalismo religioso de Fratelli
Tutti se estendem igualmente às relações entre a Igreja Católica e as
outras religiões. Visto que consideram “cada pessoa humana como
criatura chamada a ser filho ou filha de Deus”, as várias religiões “oferecem
uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da
justiça na sociedade” (nº 271). Neste aspecto, todas as religiões seriam
iguais: “A partir da nossa experiência de fé e da sabedoria que se vem
acumulando ao longo dos séculos e aprendendo também das nossas inúmeras
fraquezas e quedas, como crentes das diversas religiões sabemos que tornar Deus
presente é um bem para as nossas sociedades” (nº 274).
Também a Bíblia se enquadra nesta equiparação, porque para Francisco
todos os “textos religiosos clássicos podem oferecer um significado
para todas as épocas, possuem uma força motivadora” (nº 275). E
mais adiante acrescenta: “Outros bebem doutras fontes. Para nós, este
manancial de dignidade humana e fraternidade está no Evangelho de Jesus
Cristo” (nº 277).
Ademais, Deus não tem opção preferencial pelos batizados em geral (que
são os únicos verdadeiros filhos de Deus), nem pelos fiéis católicos, membros
do seu Corpo místico, em particular, mas antes “o amor de Deus é o
mesmo para cada pessoa, seja qual for a religião. E se é um ateu, é o mesmo
amor” (nº 281).
Desses pressupostos religiosos e filosóficos — que seriam um denominador
comum aceitável por todos os homens — a encíclica Fratelli Tutti extrai
principalmente duas consequências práticas, que darão origem a um mal-estar que
alargará ainda mais a brecha entre o Papa Francisco e uma grande parte dos
fiéis católicos. Trata-se de: 1) a promoção da imigração como condição para uma
sociedade aberta; 2) um governo mundial para a solução dos problemas globais.
Para Francisco, “o amor que se estende para além das fronteiras está na base daquilo que chamamos “amizade social” em cada cidade ou em cada país”, condição para “uma verdadeira abertura universal” (nº 99). Tal universalismo não se confunde com a globalização desses últimos anos, que promove “o domínio homogêneo, uniforme e padronizado duma única forma cultural imperante” (nº 144), mas ele constrói uma sociedade poliédrica “onde ao mesmo tempo que cada um é respeitado no seu valor, ‘o todo é mais que a parte, sendo também mais do que a simples soma delas’” (nº 145). Como no caso do diálogo, para o Papa “uma sã abertura nunca ameaça a identidade, porque, ao enriquecer-se com elementos doutros lugares, uma cultura viva não faz uma cópia nem mera repetição, mas integra as novidades segundo modalidades próprias. Isto provoca o nascimento duma nova síntese que, em última análise, beneficia a todos” (nº 148).
Imigrantes derrubam uma barreira para
entrar na Grécia.
A encíclica condiciona a soberania das nações
sobre seu próprio território: “cada país é também do estrangeiro, já que os
bens dum território não devem ser negados a uma pessoa necessitada que provenha
doutro lugar”.
Para isso é preciso “pensar e gerar um mundo aberto” (é o título do capítulo 3 da encíclica), onde vigorem “direitos sem fronteiras” (é o subtítulo de uma seção), pois “ninguém pode ser excluído; não importa onde tenha nascido, e menos ainda contam os privilégios que outros possam ter porque nasceram em lugares com maiores possibilidades. Os confins e as fronteiras dos Estados não podem impedir que isto se cumpra” (nº 121). Visto que a destinação universal dos bens da terra não só transforma a propriedade privada numa mera função social — “quem possui uma parte é apenas para a administrar em benefício de todos” (nº 122) —mas também condiciona a soberania das nações sobre seu próprio território, pela qual “cada país é também do estrangeiro, já que os bens dum território não devem ser negados a uma pessoa necessitada que provenha doutro lugar” (nº 124).
Na realidade, os bens de qualquer país devem estar à disposição não só
dos estrangeiros que sofrem extrema necessidade, mas também dos que querem
apenas melhorar sua situação. Porque “é nosso dever respeitar o direito
que tem todo o ser humano de encontrar um lugar onde possa não apenas
satisfazer as necessidades básicas dele e da sua família, mas também
realizar-se plenamente como pessoa” (nº 129). Isso significaria
que qualquer pessoa que se considere um novo Picasso ou um novo Einstein teria
o direito de exigir sua mudança para Paris ou Massachusetts, a fim de desenvolver
plenamente os seus talentos artísticos ou científicos na Écôle des
Beaux Arts ou no MIT!
Hoje muitíssimos emigram apenas para buscar um futuro melhor nos países
ricos. Nesta nova encíclica — ao contrário do que alhures já disse de passagem
— o Papa Francisco não se preocupa com o trauma que isso provoca no país de
acolhida, nem com o direito de cada país em regular o fenômeno migratório de
acordo com as suas respectivas possibilidades. Ele se limita a dizer que “a
chegada de pessoas diferentes, que provêm dum contexto vital e cultural
distinto, transforma-se num dom” e “numa oportunidade de
enriquecimento e desenvolvimento humano integral para todos” (nº 133). E
insiste: “Se forem ajudados a integrar-se, os imigrantes são uma
bênção, uma riqueza e um novo dom, que convida a sociedade a crescer” (nº
135).
Não há referência ao risco de imigração massiva e desestabilizadora,
como é o caso atualmente na Europa, onde um forte componente muçulmano rejeita
integrar-se, a tal ponto que o presidente Macron teve de lançar uma iniciativa
contra o “separatismo islâmico” nas periferias urbanas, onde nem mesmo a
polícia pode entrar…
Para Francisco, ao contrário, é necessário destacar o risco dos “narcisismos
bairristas”, que “escondem um espírito fechado que, devido a uma
certa insegurança e medo do outro, prefere criar muralhas defensivas para sua
salvaguarda” e “encerra-se obsessivamente numas poucas ideias,
costumes e seguranças” (nº 146). A vida local “torna-se
estática e adoece” (idem), pois “os outros são, constitutivamente,
necessários para a construção duma vida plena” (nº 150).
Resultado da resposta histérica da OMS e dos governos aos desafios da covid-19, surge o espectro de uma ditadura mundial, primeiro sanitária e depois política.
Portanto, as migrações não são apenas boas em si mesmas, mas “constituirão uma pedra angular do futuro do mundo” (nº 40). A crise de saúde da covid-19 é a grande oportunidade de sair da “autoproteção egoísta”: “oxalá já não existam ‘os outros’, mas apenas um ‘nós’”, para que “a humanidade renasça com todos os rostos, todas as mãos e todas as vozes, livre das fronteiras que criamos” (nº 35), pois “a verdadeira qualidade dos diferentes países do mundo mede-se por esta capacidade de pensar não só como país, mas também como família humana” (nº 141).
Mas “para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade
mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a
amizade social” (nº 154), é necessário “fazer crescer não só
uma espiritualidade da fraternidade, mas também e ao mesmo tempo uma
organização mundial mais eficiente” (nº 165). Neste contexto, torna-se
indispensável “a maturação de instituições internacionais mais fortes e
eficazmente organizadas, com autoridades designadas de maneira imparcial por
meio de acordos entre governos nacionais e dotadas de poder de sancionar”. Não
uma “autoridade mundial” pessoal, mas instituições “dotadas
de autoridade para assegurar o bem comum mundial” (nº 172). Visto que
o parágrafo seguinte é dedicado à necessidade de uma reforma da ONU, deve-se
entender que, no espírito de Francisco, seja esta organização a responsável
para exercer esse papel. Daí ser necessário “evitar que esta
Organização seja deslegitimada” (nº 173).
Numa situação em que crises econômicas e sociais gravíssimas emergem no
horizonte, resultado da resposta histérica da OMS e dos governos aos desafios
da covid-19, surge o espectro de uma ditadura mundial, primeiro sanitária e
depois política. Esta não é uma perspectiva imaginária, produto de uma mente
“conspiratória”, mas a realização do sonho iluminista de uma República
Universal, incubada nas lojas maçônicas já antes da Revolução Francesa,
indiretamente evocada na encíclica por meio da reprodução da trilogia
“liberdade, igualdade, fraternidade” em um de seus subtítulos (nº 103).
Não é sem propósito evocar a maçonaria no final desta visão sintética da encíclica Fratelli Tutti. A edição de janeiro da revista New Hiram, órgão trimestral do Grande Oriente da Itália, publicou um artigo de Pierluigi Cascioli com um comentário elogioso do documento Fraternidade humana para a paz mundial e convivência comum, assinado em Abu Dhabi pelo Papa Francisco e pelo Imam Ahmed el-Tayeb. Esse documento foi, aliás, a principal fonte de inspiração para a elaboração da nova encíclica (nº 5), que incorporou várias passagens dessa declaração conjunta.
Segundo Cascioli, os valores da fraternidade universal contidos no
documento “podem ser perfeitamente compartilhados por outros, sobre a
base de um ‘mínimo denominador comum’ constituído pela razão”, já que “cada
ser humano tem uma infinita dignidade”. E insiste no fato de que “os
maçons, que têm o centro de gravidade na fraternidade, não poderão eximir-se de
lidar com este documento”.
A Grande Loja da Espanha não se eximiu desse desafio em relação à
encíclica Fratelli Tutti, e publicou a seguinte declaração, que não
pode deixar de surpreender os fiéis:
“Há 300 anos se deu o nascimento da Maçonaria moderna. O grande
princípio desta escola iniciática não mudou em três séculos: a construção de
uma fraternidade universal onde os seres humanos se chamem irmãos uns dos
outros, para além de seus credos concretos, de suas ideologias, de sua cor de
pele, sua classe social, língua, cultura ou nacionalidade. Este sonho fraterno
se chocou com o integrismo religioso que, no caso da Igreja Católica, propiciou
duríssimos textos de condenação à [doutrina da] tolerância da Maçonaria no
século XIX. A última encíclica do Papa Francisco demonstra quão
distante está a atual Igreja Católica de suas antigas posições. Em ‘Fratelli
tutti’, o Papa abraça a Fraternidade Universal, o grande princípio da Maçonaria
moderna”.
Dom Gilberto Pastana, bispo de Crato; Dom Roberto Ferrería, bispo
diocesano de Campos; Dom Canísio Klaus, bispo de Sinop; ou Dom Denis Lara,
bispo emérito de Itabira e assessor jurídico da CNBB, podem ser novamente
convidados por alguma loja maçônica para palestrarem numa Magna Branca (é como
os maçons denominam suas sessões abertas para não iniciados). Neste caso,
poderão limitar-se a uma leitura extensa da Fratelli Tutti, e terão
garantida uma ovação unânime.
Nosso Senhor, junto com a entrega das chaves da Igreja a São Pedro, também prometeu a preservação d’Ela até o fim dos tempos.
Na igreja, no entanto, os fiéis verterão lágrimas diante do Crucificado, pensando quão verdadeiras foram as palavras de Paulo VI quando disse que a fumaça de Satanás penetrou na Igreja.
Penetrou no templo sagrado, mas não o destruirá, pois temos a certeza da
promessa divina: “as portas do inferno não prevalecerão” (Mt
16, 18). A vitória final será da Santa Igreja Católica Apostólica Romana e da
verdadeira fraternidade cristã fundada no amor de Deus e de Jesus Cristo, sob o
olhar maternal de Maria Santíssima.
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* Fonte: Revista Catolicismo, Nº 839, Novembro/2020.
https://www.abim.inf.br/fratelli-tutti/
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