“A paisagem segue cada vez mais polarizada. Com a esperança de terminar rapidamente 2020, apresso-me a comemorar os 200 anos de Dostoiévski, ano que vem. Porque um clássico é sempre um divisor de águas. Um acontecimento impressionante. Incêndio e terremoto. Ou tudo, ou nada.
Assim aconteceu quando fui atropelado pelo “O idiota”, de
Dostoiévski, e meu sono, e minhas vísceras, e minhas lágrimas foram convocadas
de mim para mim. Tinha treze anos de idade.
Não era apenas um capítulo da literatura, mas era a Literatura
em sua potência extrema. A “nuvem-Dostoiévski” começou a habitar meus olhos. E
mal desconfiava que minha vocação estava toda em seus romances. Que minha vida
seria tocada pela chama de sua grandeza atormentada.
Li todos os seus romances até completar dezoito anos.
Comecei a aprender russo, mais tarde, com minha saudosa professora Zoé
Stepanov. Devo-lhe parte de meus sonhos adolescentes.
Guardo um punhado de versos nas fibras do meu coração.
Contemplei o “Cristo de Holbein”, que comoveu Dostoiévski, e o apartamento em
Florença, onde terminou “O idiota”, enquanto ele, Dostoiévski, e eu,
passeávamos pelo jardim de Boboli, numa conversa que não termina.
Saudades do Brasil. E das grandes ideias”.
O Globo, 09/09/2020
Marco Lucchesi - Sétimo ocupante da cadeira nº 15 da ABL,
eleito em 3 de março de 2011, na sucessão de Pe. Fernando Bastos de Ávila, foi
recebido em 20 de maio de 2011 pelo Acadêmico Tarcísio Padilha. Foi eleito Presidente
da ABL para o exercício de 2018.
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