5 de setembro de 2020
Evaristo de Miranda *
Qual a situação real da Amazônia? O que o Brasil pretende fazer com a Amazônia? Essas duas perguntas precisam ser respondidas. A Amazônia é apresentada de forma fragmentada, aqui e no exterior, em função de grupos de interesse, ideologias, oportunidades, oportunismos etc. É urgente superar o paradoxo colocado em 1909 por Euclides da Cunha: “A Amazônia, ainda sob o aspecto estritamente físico, conhecemo-la aos fragmentos. Mais de um século de perseverantes pesquisas e uma inestimável literatura, de numerosas monografias, mostram-no-la sob incontáveis aspectos parcelados. […] A inteligência humana não suportaria, de improviso, o peso daquela realidade portentosa”.
Quem quer saber a real situação da Amazônia se perde num
cipoal de opiniões, informações e desinformações de instituições governamentais
ou não, multiplicas via redes sociais, com pouca participação regional e muitos
interesses geopolíticos. É preciso unificar os conhecimentos e produzir um
relatório anual completo sobre a região. Uma espécie de State of de Amazon
Region, com ciência, dados, sínteses e análises dos principais temas, desafios
e processos.
A Amazônia precisa ser conhecida e reconhecida em sua
história e complexidade em pelo menos cinco dimensões inseparáveis: as dos
quadros natural, agrário, agrícola, de infraestrutura e socioeconômico.
O quadro natural inclui 50 tipos de vegetações
florestais, mistas e não florestais. Desmatamento e regeneração vegetal são
indicadores. O tema ainda inclui solos, riquezas minerais, recursos hídricos, energéticos
etc.
No quadro agrário cabe considerar as 330 terras
indígenas, as 204 unidades de conservação integral (parques nacionais, estações
ecológicas…), as muitas reservas extrativistas, de desenvolvimento sustentável,
áreas de proteção permanente e terras quilombolas. Além dos 2.132
assentamentos, onde foram instaladas 499.586 famílias, e da urgente
regularização fundiária de posses e terras não tituladas, áreas devolutas e
títulos sobrepostos.
O quadro agrícola traz o rosto de 1 milhão de
produtores e unidades de produção da Amazônia. Não há agropecuária mais
diversificada: desde os mais simples sistemas extrativistas até as mais
modernas fazendas de grãos e algodão, no norte de Mato Grosso. Quase 90% são
pequenos agricultores, desde os 116.118 cadastrados em Rondônia até os de
origem japonesa, campeões na produção de pimenta-do-reino, no Pará.
O quadro de infraestrutura varia desde Roraima, o
único Estado não interligado ao sistema elétrico nacional, até o Pará,
exportador de eletricidade. A rede viária é precária e regrediu. Estradas
asfaltadas até os anos 1980 perderam operacionalidade, caso da Porto
Velho-Manaus. A hidrovia do Madeira cresceu e a do Tocantins não existe, mesmo
com a eclusa de Tucuruí concluída. Cada Estado tem demandas muito diversas.
O quadro socioeconômico apresenta os piores
indicadores, salvo onde prosperou o agronegócio. Na pandemia, o Amazonas —
Estado mais preservado da região — é retrato dessa tragédia social. De seus 62
municípios, apenas Manaus tinha UTIs. Faltaram caixões para enterrar os mortos.
Culpa da covid ou da infraestrutura de saúde? Na Amazônia, mais de 25 milhões
de brasileiros vivem em 500 e tantas cidades. Todos têm direito à alimentação,
a saneamento, educação, saúde e progresso.
Tais dimensões, além das institucionais, deveriam estar num
Relatório Anual da Amazônia. Oferecendo aos interessados dados idôneos,
abertos, amplos. Pautando debates. Instigando contribuições efetivas. Definindo
prioridades. A portentosa realidade amazônica é desafio, e não obstáculo às
inteligências.
Mas também é preciso um plano de ação. Desde a Coroa
portuguesa, passando pelo Império do Brasil, pelo Estado Novo e pelo regime
militar, o País sempre teve planos para a região. O último foi o Programa Nossa
Natureza, do governo Sarney, há 25 anos. Criou o Ibama, o monitoramento do
desmatamento e uma série de leis. Desde então se amontoam iniciativas
setoriais, parciais, desencontradas e conflitivas. Muitas criminalizam
atividades humanas e fortalecem, na prática, os conflitos e a Amazônia Ilegal.
Esse plano de Estado, estratégico, de longo prazo, deve ser definido com a
população da Amazônia.
Qual o plano, nos próximos 10, 30 e 50 anos, para as áreas
intocadas, as áreas de agropecuária e urbanização consolidadas e as fronteiras
de expansão? Quais são os grandes objetivos e metas? Como o plano deve ser
comunicado, a brasileiros e estrangeiros, para provocar discussões pertinentes
e produtivas? Como Estados, setor privado, países e instituições internacionais
poderiam contribuir?
Dezenas de universidades e centros de pesquisa da Amazônia
têm dados e estudos sobre a realidade e sua dinâmica. O Conselho da Amazônia,
coordenado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, pode ser o locus da
produção anual do relatório e um núcleo de cristalização do plano para o
futuro.
E é bem disso que se trata: o futuro fica em cima do futuro,
e não embaixo do passado!
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* Doutor em Ecologia, é pesquisador da Embrapa Territorial.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 22-8-20 – Caderno A2 – Espaço
Aberto
https://www.abim.inf.br/amazonia-realidades-e-solucoes/
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