14 de agosto de 2020
Dormição e Assunção da Virgem – Fra Angélico (1395-1455). The Isabella Stewart Gardner Museum, Boston (EUA)
As dores da Santíssima Virgem são representadas por espadas cravadas em seu Coração, e o dogma da Assunção evoca seu triunfo sobre tantos sofrimentos. Na festa da Assunção, em 15 de agosto, uma renovação desse triunfo foi a vitória da Polônia católica sobre os exércitos soviéticos, milagre cujo centenário comemoramos neste ano.
Luis Dufaur
A Assunção de Nossa Senhora foi confirmada como dogma de Fé pelo Papa Pio XII, na Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, no dia 1° de novembro de 1950.[1] Essa verdade era professada desde os tempos dos Apóstolos, suas testemunhas oculares, que a narraram a seus sucessores. O dogma coloca a Santa Mãe de Deus acima de qualquer criatura, mesmo as canonizadas, justificando o culto de hiperdulia que a Igreja lhe tributa.
Após uma morte suavíssima, qualificada de “dormição de Nossa
Senhora”, a Santíssima Virgem se ergueu como quem sai de um sono, numa
transição efetuada pelo poder de Deus, e subiu aos céus na presença dos
Apóstolos e fiéis reunidos em torno d’Ela. A glorificação e a alegria por este
privilégio, sem equivalentes até o fim do mundo, só foram inferiores às da
Ascensão triunfal de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Como figurar o esplendor da Assunção
Maria Santíssima foi elevada ao Céu, rodeada pelo respeito e
recolhimento dos presentes, diante dos quais se acentuava assim, cada vez mais,
sua semelhança com seu Filho Divino. O esplendor de Nosso Senhor transfigurado
se comunicava a Ela, fazendo-a refulgir cada vez mais como rainha e mãe, até
desaparecer dos olhos humanos. Ao mesmo tempo o Céu se transformava, porque sua
Rainha nele ingressava em triunfo.
Pouco depois, na Terra tudo voltava à sua rotina, mas os
primeiros católicos retornavam para suas casas com uma sensação parecida com a
que tiveram na Ascensão de Nosso Senhor. Maravilhados, com enorme saudade,
levando na retina algo que nem podiam ter imaginado a respeito de Nossa
Senhora.
No momento da Assunção transpareceu a alegria e a vitória
sobre as dores inenarráveis que Ela padeceu em vida, segundo lhe anunciara o
profeta Simeão: “Uma espada transpassará a tua alma” (Lc 2, 35). O
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira se alegrava com essa arquitetonia da dor
transformada em alegria eterna: “Nossa Senhora é representada com o
coração circundado de gládios espirituais, que representam a alma d’Ela ferida
pela espada da dor, de que falou o profeta Simeão. Eu gostaria de ser pintor
para representar Nossa Senhora subindo ao Céu, com o coração ferido à mostra,
mas saindo dessa espada as mais belas luzes que se possa imaginar. Porque a sua
grande alegria era ter suportado os tormentos e ter vencido todas as batalhas.[2]
Glorificação no Céu e novos triunfos na Terra
Depois de ter passado por toda espécie de sofrimentos,
angústias, dilacerações e humilhações, a Santa Mãe de Deus foi honrada por seu
Divino Filho com a Assunção, um privilégio único na história do mundo. A
glorificação de Maria deixa eclipsada a dos Césares vitoriosos aclamados na Via
Triunfal de Roma, a dos exércitos aliados desfilando sob o Arco do Triunfo de
Paris, e a de qualquer outra exaltação humana. Por isso sua glória na ordem do
universo é o mais alto reflexo criado do resplendor supremo de Deus.
Em atenção a essa vitória, o católico deve levar ao último
extremo sua combatividade pela glorificação da Corredentora do gênero humano, e
lutar como um cruzado pelo seu reinado na Terra. São ainda de Plinio Corrêa de
Oliveira estes comentários: “Algo da luminosa magnificência da Assunção se
repetirá quando começar o Reino de Maria. Veremos então o mundo todo
transformado, e Nossa Senhora brilhando sobre a Terra; pois seu reinado estará
se efetivando, e estarão começando também dias maravilhosos de graças como
nunca houve antes”.[3]
Após a Assunção, a Santíssima Virgem nunca mais estaria
estavelmente na Terra, mas começava do Céu sua grande missão. Estabeleceu uma
misteriosa comunicação com os seus devotos, sobretudo os que se consagraram a
Ela com amor, coragem, constância e fé, virtudes recomendadas por São Luís
Maria Grignion de Montfort. São estas virtudes necessárias sobretudo diante do
neopaganismo moderno, monstro apocalíptico que tenta tiranizar os fiéis,
privando-os de apoios terrenos para arrastar consigo grande número de tíbios e
interesseiros.
O “milagre do Vístula” (agosto de 1920) – Jerzy Kossak, 1930.
O milagre do Vístula: vitória sobre o comunismo
Neste ano de 2020 a Igreja comemora o centenário de um
exemplo característico da ação de Nossa Senhora da Assunção em favor dos fiéis:
o “milagre do Vístula”, ocorrido em agosto de 1920 (trinta anos antes da
proclamação do dogma).
Quatro corpos de exército da URSS comunista avançavam contra
a capital da católica Polônia. Numa ordem dada a seus soldados em 4 de julho de
1920, o general bolchevista Mikhail Tukhachevsky foi lapidarmente claro: “No
caminho para a conflagração mundial comunista, tem-se que passar sobre o
cadáver da Polônia”.[4] Em
Moscou, Lenin exigia ferozmente a “revolução mundial” e a aniquilação do
“obstáculo polonês”. E os soldados comunistas cantavam: “Esta é nossa
batalha última e decisiva. Surgirá a nova raça humana”.
Cena de um filme representando a batalha
Revoluções marxistas explodiam na Europa ocidental arruinada
pela Primeira Guerra Mundial; a grande mídia anunciava falsamente que os russos
já eram donos de Varsóvia; os embaixadores ocidentais fugiram da capital (com
exceção do Núncio, que era o futuro Papa Pio XI); os especialistas militares
ocidentais davam a situação por perdida; e a confluência das hostes russas com
as massas subversivas europeias parecia um fato incontornável.
O Papa Bento XV enviou um apelo ao mundo católico, pedindo
orações a Nossa Senhora de Czestochowa (Padroeira da Polônia) e à Mãe do Bom
Conselho, por essa nação ameaçada de naufragar no próprio sangue, perseguida
pelo exército vermelho. E o jornal socialista italiano Avanti debochava
do Papa, espalhando sarcasticamente: “Fiquem tranquilos! O Pontífice
Romano acredita na eficácia da Virgem!”.[5]
Na Polônia, anciãos, mulheres, adolescentes e feridos,
prosternados em igrejas, ruas e praças, multiplicavam seus apelos ao Santíssimo
Sacramento e a Nossa Senhora. A desproporção das forças era evidente, e só um
milagre evitaria a catástrofe. Contudo, corria de boca em boca uma intuição,
sem se saber sua origem: no dia 15 de agosto, festa da Assunção de Nossa
Senhora, Ela faria o milagre.
Apesar das tendências socialistas do marechal Józef Piłsudski (1867–1935) [foto ao lado], coube a ele conduzir a guerra contra os soviéticos. Percebendo que na linha de ofensiva dos inimigos se abrira uma brecha, empreendeu uma manobra desesperada e muito ousada: retirou de Varsóvia as tropas habilitadas ao combate, que a defendiam, e preencheu as vagas das trincheiras convocando todos os que podiam segurar uma arma, ainda que não soubessem usá-la. Além de mulheres, velhos e feridos, destacaram-se nesse palco da batalha os escoteiros, que ali morreram em grande número na luta corpo a corpo contra soldados experimentados e cruéis.
Com o destacamento que conseguira em Varsóvia, o marechal
Pilsudski atravessou a brecha sem ser percebido. Talvez sem se lembrar do
significado daquele grande dia 15 de agosto, festa da Assunção, deu o golpe
decisivo contra os exércitos soviéticos. Após um giro perigoso, atacou-os de
surpresa, em manobra envolvente. A coincidência de datas empolgou os poloneses,
que infligiram aos comunistas uma derrota da qual jamais se recuperariam, e foi
completada por sucessivas batalhas posteriores. Narra-se que alguns soldados
soviéticos teriam visto Nossa Senhora de Czestochowa aparecer sobre as nuvens.
Os delegados soviéticos chegam para as negociações do armistício depois da humilhante derrota comunista na Batalha do Vístula em 1920
A batalha é considerada uma das mais importantes da história
universal. Lenin, o tirânico pai da URSS, lamentou em Moscou a “enorme
derrota”, que reduziu a supremacia da revolução bolchevista a um único país, a
Rússia. O sonho da “revolução mundial” ficou espatifado, pois o próprio Lenin
considerava que, para a “experiência socialista” dar certo, deveria ser
universal. Em 24 de agosto o embaixador britânico SirHorace Rumbold (1869–1941)
chegou a Poznan, Alemanha, procedente de Varsóvia. Espantado com a inversão da
sorte das armas, comentou: “É uma repetição da derrota dos turcos sob os
muros de Viena, em 1683”.[6]
No enterro do marechal Pilsudski, em 12 de maio de 1935, o
Cardeal Primaz da Polônia August Hlond afirmou: “A vitória do heroico
exército polonês, chamada de ‘milagre do Vístula’, teve a importância de
Lepanto e Viena”.[7] O
Papa Pio XI, falando sobre a Mãe de Deus, referiu-se ao “milagre sobre o
Vístula”, resumindo-o com estas palavras: “O anjo das trevas empreendeu
uma gigantesca batalha contra o anjo da luz”.[8] As
forças armadas polonesas adotaram Nossa Senhora da Assunção como Padroeira
principal.
Assunção e a glorificação da Igreja
Finalizamos com mais um oportuno e valioso comentário do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira aos seus amigos e discípulos:
“Depois da Ascensão de Nosso Senhor, o fato mais
esplendorosamente glorioso da História humana foi quando Nossa Senhora subiu ao
Céu ante os olhos humanos. Por seu caráter ordenativo, ele é comparável apenas
ao dia do Juízo Final. A implantação do Reino de Maria — por assim dizer, a
assunção da Igreja Católica — é o que devemos desejar na festa da
Assunção. E desejar também que a tristeza e o gládio de dor que traspassou o
Imaculado Coração de Maria nos preparem para compreender a
alegria imensa dessa vitória, refulgindo com a maior formosura desde
os tempos apostólicos.
“Na festa da Assunção devemos pedir a Ela que olhe para
nossas falhas e nos conceda o perdão, para atravessarmos a nossa época com a
certeza de que, quanto mais profunda for a tristeza, maior ainda será a alegria
que teremos depois, na aurora do Reino de Maria Assunta aos Céus”.[9]
[1]http://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/apost_constitutions/documents/hf_p-xii_apc_19501101_munificentissimus-deus.html.
[2] Palestra
de 15 de agosto de 1966. As palestras citadas neste artigo não foram revistas
pelo autor.
[3] Palestra
de 14 de agosto de 1965.
[4] “Devocionário
e novena a Nossa Senhora da Defesa”, Edições Loyola, SP, 2003, pág. 67 na
edição Google, https://books.google.com.br/books?id=roS2x71wX1sC&pg=PA64&lpg=PA64&dq=milagre+do+vistula&source=bl&ots=rIflf1DmkA&sig=ACfU3U2WGFmJT4D8ANAfgszJv6_YZwkFXw&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwjh2sXHwozqAhU0GbkGHVIGBAAQ6AEwF3oECGoQAQ)
[5] http://casaggi.blogspot.com/2011/09/cosi-leuropa-fu-salvata-dallarmata.html.
[6] “Devocionário…”.
pág. 68.
[7] id.
ibid.
[8] http://sunday.niedziela.pl/artykul.php?dz=z_historii&id_art=00072.
[9] Palestra
de 14 de agosto de 1963.
http://www.abim.inf.br/o-milagre-do-vistula-e-a-assuncao-de-nossa-senhora/
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