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sábado, 1 de agosto de 2020

O COMER E BEBER – Gibran Khalil Gibran

O Comer e beber

 

          Então um velho estalajadeiro disse: “Fala-nos de Comer e Beber”.

           E ele respondeu;

          Pudésseis viver do perfume da terra e, como uma planta, nutrir-vos da luz.

          Mas, já que deveis matar para comer e roubar do recém-nascido o leite de sua mãe para saciar vossa sede, fazei disso um ato de adoração.

          E que vossa mesa seja um altar onde os puros e os inocentes da floresta e da planície são sacrificados àquilo que é ainda mais puro e mais inocente no homem.

          Quando matardes um animal, dizei-lhe no vosso coração:

          “Pelo mesmo poder que te imola, eu também serei imolado, e eu também servirei de alimento para outros;

          Pois a lei que te entregou às minhas mãos me entregará a mãos mais poderosas.

          Teu sangue e meu sangue nada são senão a seiva que nutre a árvore do céu”.

          E quando morderdes uma maçã, dizei-lhe no vosso coração:

          “Tuas sementes viverão no meu corpo,

          E os brotos dos teus amanhãs florescerão no meu coração,

          E teu perfume será meu hálito,

          E, juntos, regozijar-nos-emos em todas as estações.”

 

          E no outono, quando colherdes a uva de vossos vinhedos para o lagar, dizei-lhe no vosso coração:

          “Eu também sou um vinhedo, e minha fruta será recolhida para o lagar,

          E, como um vinho novo, serei guardado em vasos eternos”.

          E no inverno, quando beberdes o vinho, que haja no vosso coração uma canção para cada taça:

          E que haja na canção um pensamento para os dias do outono, para o vinhedo e para o lagar.

 

 

(O PROFETA)

Gibran Khalil Gibran

 

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UM PENSAMENTO REVESTIDO DE BELEZA

 

          O segundo segredo está no encontro da originalidade e beleza do pensamento com a originalidade e beleza do estilo.

            Gibran descobre, até mesmo nos assuntos aparentemente banais e esgotados, aspectos frescos e sugestivos; e exprime-os num estilo quase único nas literaturas contemporâneas, em que a música, a poesia e o simbolismo do Oriente se aliam à clareza, à lógica e à concisão do Ocidente – um estilo que possui toda a magia das obras-primas religiosas do Oriente, como a Bíblia ou o Evangelho ou o Corão.

            A beleza das ideias sobre os filhos, a dádiva, a religião, o prazer, o amor, o trabalho, a liberdade, a morte, é igualada pela beleza das imagens e das parábolas com que ele as reveste.

 

“Vossos filhos não são vossos filhos,

São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.

Vêm através de vós, mas não de vós,

E embora vivam convosco, não vos pertencem”

 

“Vós pouco dais quando dais de vossas posses.

É quando derdes de vós próprios que realmente dais.”

 

“Hoje, não podeis ver nem ouvir, e é melhor assim.

Mas um dia o véu que cobre vossos olhos será retirado pelas mãos que o teceram.

E a argila que obstrui vossos ouvidos será rompida pelos dedos que a amassaram.

Então vereis,

Então ouvireis,

E não deplorareis ter conhecido a cegueira e a surdez,

Pois, naquele dia, compreendereis a finalidade oculta de todas as coisas,

E bendireis as trevas, como bendizeis a luz.”

          Em O Profeta, cada ideia se reveste de uma imagem, se transfigura em parábola; e essas imagens e parábolas, aliadas à melodia das frases, envolvem o livro numa atmosfera de encantamento irresistível.

          “Não ouvistes falar do homem que cavava a terra à procura de raízes, e descobriu um tesouro?”

          “Quando trabalhais, sois uma flauta através da qual o murmúrio das horas se transforma em melodia. Quem de vós aceitaria ser um caniço mudo e surdo, quando tudo o mais canta em uníssono?”

          “... Pois tem sido sempre assim com o amor: Ele só conhece sua própria profundidade na hora da separação.”

          Mesmo quando a ideia em si está gasta, Gibran sabe renová-la pelo esplendor da forma:

          “Ide, pois, aos nossos campos e pomares, e lá aprendereis que o prazer da abelha é de sugar o mel da flor, mas que o prazer da flor é de entregar o mel à abelha. Pois, para a abelha, uma flor é uma fonte de vida. E para a flor, uma abelha é uma mensageira de amor. E para ambas, a abelha e a flor, dar e receber o prazer é uma necessidade e um êxtase.”

 

          Num dos cadernos em que Gibran reescrevia do próprio punho as versões sucessivas de O Profeta, encontra-se, desenhada em caracteres árabes, a seguinte invocação: “Ajuda-me, ó Deus, a exprimir neste livro Tua Verdade envolta em Tua Beleza!”

          É mais uma definição feliz de O Profeta e uma das razões de seu triunfo.

 

APRESENTAÇÃO

Mansour Chalita

 

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