Então um velho estalajadeiro disse: “Fala-nos de Comer e Beber”.
E ele
respondeu;
Pudésseis
viver do perfume da terra e, como uma planta, nutrir-vos da luz.
Mas, já que
deveis matar para comer e roubar do recém-nascido o leite de sua mãe para
saciar vossa sede, fazei disso um ato de adoração.
E que vossa
mesa seja um altar onde os puros e os inocentes da floresta e da planície são
sacrificados àquilo que é ainda mais puro e mais inocente no homem.
Quando matardes
um animal, dizei-lhe no vosso coração:
“Pelo mesmo
poder que te imola, eu também serei imolado, e eu também servirei de alimento
para outros;
Pois a lei
que te entregou às minhas mãos me entregará a mãos mais poderosas.
Teu sangue e
meu sangue nada são senão a seiva que nutre a árvore do céu”.
E quando morderdes
uma maçã, dizei-lhe no vosso coração:
“Tuas
sementes viverão no meu corpo,
E os brotos
dos teus amanhãs florescerão no meu coração,
E teu
perfume será meu hálito,
E, juntos,
regozijar-nos-emos em todas as estações.”
E no outono,
quando colherdes a uva de vossos vinhedos para o lagar, dizei-lhe no vosso
coração:
“Eu também
sou um vinhedo, e minha fruta será recolhida para o lagar,
E, como um
vinho novo, serei guardado em vasos eternos”.
E no
inverno, quando beberdes o vinho, que haja no vosso coração uma canção para
cada taça:
E que haja
na canção um pensamento para os dias do outono, para o vinhedo e para o lagar.
(O PROFETA)
Gibran Khalil Gibran
........................
UM PENSAMENTO REVESTIDO DE BELEZA
O segundo
segredo está no encontro da originalidade e beleza do pensamento com a
originalidade e beleza do estilo.
Gibran
descobre, até mesmo nos assuntos aparentemente banais e esgotados, aspectos
frescos e sugestivos; e exprime-os num estilo quase único nas literaturas
contemporâneas, em que a música, a poesia e o simbolismo do Oriente se aliam à
clareza, à lógica e à concisão do Ocidente – um estilo que possui toda a magia
das obras-primas religiosas do Oriente, como a Bíblia ou o Evangelho ou o
Corão.
A beleza
das ideias sobre os filhos, a dádiva, a religião, o prazer, o amor, o trabalho,
a liberdade, a morte, é igualada pela beleza das imagens e das parábolas com
que ele as reveste.
“Vossos filhos não são vossos filhos,
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós,
E embora vivam convosco, não vos pertencem”
“Vós pouco dais quando dais de vossas posses.
É quando derdes de vós próprios que realmente dais.”
“Hoje, não podeis ver nem ouvir, e é melhor assim.
Mas um dia o véu que cobre vossos olhos será retirado pelas
mãos que o teceram.
E a argila que obstrui vossos ouvidos será rompida pelos
dedos que a amassaram.
Então vereis,
Então ouvireis,
E não deplorareis ter conhecido a cegueira e a surdez,
Pois, naquele dia, compreendereis a finalidade oculta de
todas as coisas,
E bendireis as trevas, como bendizeis a luz.”
Em O
Profeta, cada ideia se reveste de uma imagem, se transfigura em parábola; e essas
imagens e parábolas, aliadas à melodia das frases, envolvem o livro numa
atmosfera de encantamento irresistível.
“Não
ouvistes falar do homem que cavava a terra à procura de raízes, e descobriu um
tesouro?”
“Quando
trabalhais, sois uma flauta através da qual o murmúrio das horas se transforma
em melodia. Quem de vós aceitaria ser um caniço mudo e surdo, quando tudo o
mais canta em uníssono?”
“... Pois
tem sido sempre assim com o amor: Ele só conhece sua própria profundidade na
hora da separação.”
Mesmo quando
a ideia em si está gasta, Gibran sabe renová-la pelo esplendor da forma:
“Ide, pois,
aos nossos campos e pomares, e lá aprendereis que o prazer da abelha é de sugar
o mel da flor, mas que o prazer da flor é de entregar o mel à abelha. Pois,
para a abelha, uma flor é uma fonte de vida. E para a flor, uma abelha é uma
mensageira de amor. E para ambas, a abelha e a flor, dar e receber o prazer é
uma necessidade e um êxtase.”
Num dos
cadernos em que Gibran reescrevia do próprio punho as versões sucessivas de O
Profeta, encontra-se, desenhada em caracteres árabes, a seguinte invocação: “Ajuda-me,
ó Deus, a exprimir neste livro Tua Verdade envolta em Tua Beleza!”
É mais uma
definição feliz de O Profeta e uma das razões de seu triunfo.
APRESENTAÇÃO
Mansour Chalita
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