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terça-feira, 18 de agosto de 2020

ERA UMA VEZ UM CASTELO – Helena Borborema

 

Itabuna-Bahia. Praça Olinto Leone (ao fundo o antigo "Castelinho", propriedade do intendente Henrique Alves e a antiga Igreja Matriz, ambas as construções não existem mais.)

Fonte: http://historiadeitabuna.blogspot.com


Era Uma Vez um Castelo

Helena Borborema


            Assim começam as histórias infantis, assim também vou iniciar esta minha recordação de infância.

            Era uma vez... muito tempo atrás, bem no início da década de vinte, um rico senhor de terras e cacauais, movido mais pelo seu espírito de esteta do que por ostentação, desejou dar a uma de suas filhas noivas, como presente de casamento, uma bela mansão. Mas, como realizar o seu sonho numa terra onde tudo faltava, onde as coisas belas do espírito nem eram cogitadas, onde o homem vivia apenas em torno dos seus imensos cacauais, seu império e horizonte? O homem rico, porém, sonhava alto, tinha visão larga para o seu tempo e seu meio. Queria uma bonita vivenda, algo que embelezasse a sua cidade, e para isso embarcou para Salvador em busca de um arquiteto.

            A planta de uma bela obra foi traçada, um mini castelo moderno, estilizado, a ser erguido nessas terras grapiúnas que ainda cheiravam a lama, e em pleno século XX. No meio de um casario desprovido de quaisquer artifícios, surgiria uma bela construção. Para tal obra, foram contratados os mais hábeis operários da cidade, entre os quais se destacava um mestre-de-obras, o português seu Américo. Numa cidade onde o comércio não chegara ainda a conhecer o requinte dos vidros coloridos, tintas especiais, como levar avante obra tão exigente como o desenho da construção requeria? Apesar de todas as dificuldades, inclusive o transporte de muito material importado, a obra foi feita. A construção lembrava um castelo, com pequenas ameias no alto adornando-o e simulação de uma torre num dos seus lados. Elegante, com suas janelas adornadas de vidros coloridos, diferente dos castelos medievais ou quatrocentistas da Europa, austeros e sombrios, assemelhava-os, no entanto, em certas linhas e aspectos, dando um visual diferente de tudo o que já se vira em terras grapiúnas.

            Um pintor, verdadeiro artista, com prática de trabalho no Rio de Janeiro e em Salvador, foi chamado para decorar o sobrado interna e externamente. Suas salas e aposentos receberam linda pintura na qual sobressaíam artísticos ramalhetes e guirlandas dispostas entre delicados frisos dourados. Pintura suave, linda, nas paredes. Além desses detalhes, estavam os lustres de irisação que só o puro cristal podia dar sob o efeito das lâmpadas, pendentes no teto de madeira trabalhada, o piso de madeira nobre formando bonitos desenhos, janelas elegantes ornadas de vidros importados, portas e escada de madeira de lei trabalhada com arte. Tudo dava ao castelinho, como passou a ser chamado, um ar de muita beleza e aristocracia.

            Primitivamente, o castelinho ostentou na sua fachada duas grandes sereias, não sei se esculpidas por seu Américo, as quais sustentavam com os braços erguidos e dobrados para trás, uma grande sacada. Anos mais tarde, foram elas demolidas e substituídas por outro ornamento. Era o sobrado uma obra de arquitetura diferente de tudo o que já se vira em Itabuna e nas demais cidades da região.

            Pelos salões do bonito castelinho circulou, nos tempos áureos, a aristocracia do cacau, representada pelos seus proprietários, os Alves Brandão, e convidados que participavam das festas da família.

            Durante anos o castelo da Praça Olinto Leone, como era também chamado, se destacou como lindo cartão-postal. Era admiração para todos que perto dele passassem. Quem não o olhava curioso? Lá estava ele, de frente para a praça, esguio, principescamente lindo, dando um quê de nobreza a todo aquele pedaço de rua e de praça. Sobressaindo no meio do tradicional casario, era aquela construção o testemunho de uma época endinheirada, monumento de amor à terra que tanto prodigalizou as benesses aos que a ela se dedicaram, nela fizeram fortuna e souberam retribuir a sua dadivosidade. Era ele o símbolo, a expressão da crença de um homem, Firmino Alves, no futuro de uma cidade.

            O tempo foi passando, e com ele foi embora uma parte daquela geração de homens suados pelo trabalho da terra, por isso mesmo carregados de amor e apego ao chão de suas lutas e ideais. Novas gentes chegaram a Itabuna, como chegam as folhas novas de uma árvore após o outono. O tronco é o mesmo, não muda, mas as folhas são outras. Veio o desapego, o desamor à tradição. Para que conservar o que nada significava de amor para elas? E num triste dia, silenciosamente, na calada da noite, impiedosamente, sem protestos, sem o menor respeito ao sentimento de um povo, sem nenhuma causa justificável, o castelinho foi jogado abaixo, como se com ele jogassem no lixo as relíquias do passado de um povo, de uma cidade.

            Hoje, já não podemos mais ostentar aquela obra de arte da Itabuna antiga, saída da destreza das mãos de artistas que a ergueram. Apenas choramos o seu desaparecimento. Os jovens itabunenses vão saber do Castelinho por ouvir contar: “era uma vez um castelo...”.

            Fui mais feliz do que eles, pois ainda guardo, como boa lembrança de infância, os momentos que olhei o lindo castelo com prazer, e o encantamento que suas grandes sereias proporcionaram ao meu espírito infantil. Recordo a sua entrada elegante, sua porta de madeira lindamente trabalhada e a escadaria externa, diante da qual muitas vezes parei, na volta da escola primária, na tentação de querer brincar de escorregar pelos seus degraus abaixo, animada pelo convite que a magia do Castelinho fazia ao meu espírito de criança, sob o olhar de pedra duro e frio das duas sereias.

 

(RETALHOS)

Helena Borborema

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HELENA BORBOREMA  

Nasceu em Itabuna. Professora de Geografia lecionou muitos anos no Colégio Divina Providência, na Ação Fraternal e no Colégio Estadual de Itabuna. Formada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia de Itabuna. Exerceu o cargo de Secretária de Educação e Cultura do Município. (A autora)

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Conhecida professora itabunense, filha do Dr. Lafayette Borborema, o primeiro advogado de Itabuna. É autora de ‘Terras do Sul’, livro em que documento, memória e imaginação se unem num discurso despretensioso para testemunhar o quadro social e humano daqueles idos de Tabocas. Para a professora universitária Margarida Fahel, ‘Terras do Sul’ são estórias simples, plenas de ‘emoção e humanidade, querendo inscrever no tempo a história de uma gente, o caminho de um rio, a esperança de uma professora que crê no homem e na terra’.  (Cyro de Mattos em ITABUNA, CHÃO DE MINHAS RAÍZES 1996)

 

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