Tempos do Coronavírus
Cyro de Mattos
Ninguém imaginaria que as cidades
fossem interrompidas no seu fluxo de vida com essa guerra do coronavírus. Agora
todos andam de máscara quando uma necessidade impõe que vá comprar algo
necessário na farmácia ou supermercado. Cuidado, cuide-se com os demais, lave
sempre as mãos, com álcool ou sabão, mas não esqueça o ritual, se viver é
perigoso, agora é muito mais. Esse tipo de cautela pode ser providencial, vai
salvar a sua vida.
Em nossas casas vivemos
recolhidos nessa repetitiva e irritante quarentena, que tem como um de seus
propósitos fazer com que nossa roupa fique apertada com os quilinhos que de
repente ganhamos. A notícia na televisão
informa os estragos que o coronavírus vem fazendo aos frágeis seres humanos. As
cidades estão vazias. Vivemos um clímax de filme de ficção científica. De
pesadelo e desalento.
As ruas desertas. Impiedoso, sorrateiro, veloz, o coronavírus ataca todo o planeta e não se
satisfaz com as vítimas fatais que vem fazendo a todo instante. Não bastasse
exigir o nosso confinamento,
proibir abraçar o amigo, impedir que o
beijo em carícia de lenço seja dado ao ente querido e a flor se
entreabra no rosto com a expressão do sorriso.
Horrível, infame, impiedoso, esse
coronavírus. De onde veio essa minúscula criatura que não é vista a olho nu com
sua fábrica da morte no lugar da vida? Para onde quer levar nossos assustados e
tristes corações? Por causa dela, os pais ficam sem o filho, o marido sem a
esposa, o neto sem a avó, o vizinho sem a vizinha. Ela não tem limite, até
criança é agarrada por suas pinças venenosas. Quanto aos idosos nem é bom
falar, são os que são levados mais depressa na onda dessa assassina, que mata e
não enterra, de tão estúpida com a sua traiçoeira invenção da morte.
Maneira de forjarmos uma estratégia com vistas
a diminuir suas investidas pusilânimes, é ficarmos de quarentena, recolhidos em
nossas casas, não formarmos grupos, evitarmos sair como antes, só mesmo quando
necessário. É preciso cautela até que se
ache o antídoto para mandá-la para as funduras do pior abismo. Lugar que ela merece habitar para todo o sempre,
dormir e se alimentar de nada, como é de sua predileção.
Como penso que a linguagem
literária é a mais completa como leitura
do mundo e a literatura é forma de
conhecimento da vida fundamental como o
amanhecer, além de ser fonte de prazer, quando se tem em mãos um bom livro, bem
escrito, que conte uma história com surpreendentes sentidos, sugiro que alguns que vão me ler nessa crônica reserve um pouco de
seu tempo de quarentena e tente escrever histórias, crônicas, poemas, como forma de conversar no seu estar no
mundo, tomando a palavra emprestada do
sonho. Mostre à esposa, ao filho, ao
amigo, as histórias, as crônicas ou poemas que você escreveu. Qualquer um pode
tentar. A beleza e o encantamento da vida estão em tudo. Com a arte da
palavra, você também irá descobrir isso, tenho certeza.
Afinal, todos nós, de poeta,
médico e louco temos um pouco. Por que não de escritor, seja o nosso canto
alegre, triste ou rouco?
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Cyro de Mattos é escritor e
poeta. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Publicado
em Portugal, Itália, Espanha, Alemanha, França, Dinamarca, Rússia e Estados
Unidos. Premiado no Brasil e exterior. Membro efetivo da Academia de Letras da
Bahia e de Ilhéus. Comendador da Ordem do Mérito do Governo da Bahia.
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