7 de junho de 2020
Por trás da pandemia vai surgindo o espectro de uma
ditadura para implantar uma “nova ordem mundial”. Simultaneamente cresce a
oposição à globalização, bem caracterizada no Brasil, nos EUA e na Igreja.
· Adolpho Lindenberg
·
A atual pandemia está sendo utilizada pelos agentes da globalização para
alegar que, por serem universais, os grandes males que nos atingem precisam ser
sanados por uma entidade supranacional. Algo parecido com uma ONU, só que com
mais poderes. A globalização, em seu início, apresentou-se como mero processo
político de integração de países, mas recentemente tornou-se um instrumento
para os que almejam uma nova ordem mundial orquestrada por um governo
supranacional.
Esse intuito, porém, está sendo contestado por um movimento ético-político recente, diversificado, difícil de ser definido, que muitos classificam como “onda conservadora”. Na Europa, as pessoas não suportam mais as ingerências descabidas da União Europeia nos governos de seus países. E multiplicam-se nos Estados Unidos as reações contra o movimento globalizante e os intuitos reformistas do Papa Francisco. Talvez possam auxiliar a compreensão do fenômeno os qualificativos “saturação” e “inconformidade” da população, em relação às propostas revolucionárias.
Até recentemente, a globalização, por ser incentivada pela mídia e
pelo establishment, parecia incoercível. Mas hoje ela tem
despertado reações dos que a julgam uma ameaça às soberanias nacionais e à privacidade
das pessoas. No Brasil, temos um exemplo na intenção de entidades ligadas à ONU
— no caso a OMS (Organização Mundial da Saúde) — de se sobreporem ao nosso
governo, obrigando-o a aceitar suas diretrizes no combate ao coronavírus.
A instauração de um governo mundial tem sido denunciada por numerosos
autores católicos como um projeto de inspiração revolucionária. Entre eles
figura o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, que assim se expressa num de seus
magistrais ensaios: “Como prefigura de um Governo Mundial, a ONU almeja
a mistura de todas as raças, de todas as nações e de todas as línguas para
formar um tipo humano já anunciado — o homem pardo da ONU. O homem pardo
professará também uma religião que será ecumênica, uma mistura sincrética e
eclética de todas as religiões”.
“Nova ordem mundial”, pretexto para uma ditadura global
Voltaram a figurar na lista dos best-sellers os livros
que desde o século XIX vêm sendo publicados na Europa, em especial na França,
alertando para o perigo da instauração de um governo mundial com poderes
ditatoriais — o tão comentado big brother. Os mais recentes
deixaram de acusar a maçonaria e passaram a denunciar as poderosas fundações
norte-americanas. Ao lado dos grandes bancos e de pessoas como o bilionário
George Soros, elas dão suporte financeiro aos programas globalizantes. O
compêndio Nova Ordem Mundial, de Alexandre Costa, enumera mais de
100 obras com esse intuito.
Temáticas referentes à criação de um governo mundial com poderes
ditatoriais começaram a ser discutidas por jornalistas em seus programas
televisivos, despertando grande interesse entre o público. Com algum alívio,
pode-se constatar que a maioria deles é contrária à sua instauração.
Está tendo grande sucesso o livro Sociedade do cansaço, do
filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. Destaca os poderes cada vez maiores que o
Estado chinês utiliza para saber de cada indivíduo o que ele pensa, qual seu
posicionamento político, quanto ganha, quais são seus hábitos. Embora o artigo
se limite a descrever o crescente poder do governo chinês, sua leitura nos
permite prever quais meios um eventual governo mundial terá à sua disposição
para restringir a privacidade e a autonomia das pessoas. Chul Han assim
descreve o que está ocorrendo no país mais populoso do mundo:
“Na China existem 200 milhões de câmeras de vigilância, muitas delas com
reconhecimento facial. Essas câmeras dotadas de inteligência artificial podem
observar e avaliar qualquer espaço público: lojas, ruas, aeroportos. A vida
pode chegar a se tornar muito perigosa. Na China essa vigilância social é
possível, porque ocorre uma irrestrita troca de dados entre os usuários da
Internet e dos smartphones com as autoridades. No vocabulário dos chineses não
há o termo ‘esfera privada’. Todo esse aparelhamento, segundo se divulgou,
mostrou-se muito eficaz para controlar a epidemia do coronavírus”.
Câmeras vigiam continuamente as ruas de Londres
Revigoramento de reações contra-revolucionárias
O senador democrata Bernie Sanders perdeu o apoio
para disputar a Presidência por causa de suas posições acentuadamente
esquerdistas
Nos Estados Unidos de modo especial, mas também em outros países, o
público conservador saturou-se com a exuberância com que os movimentos ditos
sociais — ecológico extremado, LGBT, pró-imigração, tribalismo e dezenas de outros
— atuam com o apoio do establishment e da mídia.
Concomitantemente, o aborto, a ideologia de gênero, o “casasamento”
homossexual, os pseudo-direitos humanos estão sendo legalizados na maior parte
dos países ocidentais, sem que contra isso o Papa Francisco se manifeste. Essas
mazelas, tendo atingido excessos inacreditáveis, estão despertando nos
católicos tradicionais as mais diversas reações — protestos, marchas,
abaixo-assinados, terços rezados em público, entre outras sadias reações.
O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira afirmava que a velocidade do processo
revolucionário, visando eliminar os últimos vestígios da Cristandade, é
limitada pelo perigo de a opinião pública conservadora acordar de sua letargia
e expressar sua inconformidade. E isso é exatamente o que está acontecendo
nestes últimos anos. Boa parte do público, que até havia pouco dava as
boas-vindas às reformas progressistas, nos dias atuais começou a reagir, a se
organizar politicamente e a querer que os antigos valores éticos voltem a
pautar o comportamento humano.
Essas reações tomaram corpo, revigorando os partidos de direita na
Europa e o Republicano nos EUA. O orgulho nacional, a defesa da família e uma
política mais firme em relação à socialização interna, vistos até pouco tempo
atrás como frutos de um nacionalismo malsão, tornaram-se nos EUA o hit do
momento.
O Partido Democrata americano adotou uma agenda progressista acentuada,
a ponto de um líder socialista como o senador Bernie Sanders ser escolhido para
disputar a Presidência; e está perdendo seu prestígio junto aos eleitores
devido a essa posição. O apoio a Trump, ao contrário, está se consolidando.
A esquerda, após décadas, parece ter encontrado um adversário à sua
altura. Até alguns anos atrás, ninguém se atrevia a dizer-se “de direita”,
reacionário, conservador, mas agora esses termos deixaram de ser pejorativos.
Com a derrota dos sociais-democratas nas eleições europeias recentes, e o
desligamento da Inglaterra da União Europeia, consolidou-se a chamada “onda
conservadora”. Por falta de outra denominação adequada, seus seguidores
passaram a ser denominados “populistas”, pelo fato de estarem em sintonia com
as aspirações do povo.
Abrindo um parêntese, é impossível deixar de apontar o paradoxo de
o establishment e a mídia estarem acusando os populistas de
serem antidemocráticos, quando na verdade são estes que auscultam os anseios da
opinião pública, utilizando para isso as redes sociais. Com efeito, o povo
influencia o governo com mais autenticidade por meio do universo virtual do que
pelo sistema pouco confiável de eleições dos representantes, realizadas de
quatro em quatro anos.
Muito sintomático nessa “onda conservadora” foi a
marcante presença de jovens, como estes que rezam de joelhos nas adjacências de
Notre-Dame de Paris no dia do trágico incêndio. Alguns deles portavam o terço
em suas mãos
“Onda conservadora” comprovada entre brasileiros
O establishment não poupa críticas aos líderes
populistas por pregarem um patriotismo e uma moralidade fora de moda. Acusa-os
de caipiras, evangélicos de carreira ou de fascistas. Essas críticas são de tal
modo unilaterais e agressivas, que o público deixou de levá-las a sério. O que
está ocorrendo agora no Brasil comprova o acima dito: o presidente Bolsonaro
está suportando um inferno astral especialmente midiático, acusado pelo que
disse e pelo que não disse, sendo denegrido por sua postura popular e
moralizante. Uma coisa é certa, certíssima: se ele deixasse de se opor à
ideologia de gênero e ao aborto, de enaltecer o patriotismo e os valores do
“antigo Brasil”, as críticas seriam substituídas por aplausos da mídia, e ele
seria apontado como um grande presidente.
A onda conservadora não foi planejada por políticos nem é fruto da
iniciativa de um líder carismático. Nasceu concomitantemente em quase todos os
países, de modo espontâneo e com surpreendente vigor. Algo parecido com o que
ocorre quando a vegetação, adormecida por uma longa estiagem, renasce após as
primeiras chuvas com uma vitalidade a toda prova.
Até pouco tempo atrás o establishment menosprezava sua
existência, crendo ser fruto de mentalidades retrógradas ou de heranças
fascistas. Mas agora foi obrigado a reconhecer que parte da opinião pública a
está vendo com simpatia — digamos mesmo, com alívio — por ter encontrado um
movimento alinhado com suas convicções e disposto a combater em sua defesa. Um
combate do qual muitos gostariam de participar, mas que não dispõem de meios ou
de coragem para fazê-lo.
Jovens participantes da Marcha pela Vida, realizada
anualmente em Washington, exibem cartazes e bradam slogans contra o assassinato
de inocentes. Cenas como esta são cada vez mais frequentes em muitos países e
têm indiscutível repercussão no mundo político.
Nos EUA polarizado, preeminência do polo mais tradicional
Uma análise de como eclodiu a onda conservadora nos Estados Unidos pode
nos auxiliar a ver como as pessoas reagem quando seus modos de vida e suas
convicções herdadas dos antepassados ficam ameaçados pela Revolução. De início
manifestam seu desagrado, depois partem para protestos os mais variados, e
finalmente organizam-se em movimentos ou partidos políticos.
Nos EUA, é de longa data uma oposição latente entre as mentalidades e os
modos de viver dos habitantes das costas Leste e Oeste (Nova York, Washington,
Los Angeles, São Francisco), e do outro lado os equivalentes americanos do
Centro e Oeste. Dir-se-ia que um muro de discordância passou a dividir os
democratas e os republicanos. Essa oposição é antiga, mas recentemente
acentuou-se e passou a assemelhar-se a um conflito infindável.
Os democratas e o establishment liberal (esquerdista,
no sentido americano) possuem um estado de espírito que outrora era descrito
como sendo o American way of life. Consiste numa visão otimista da
realidade, descompromissada e na crença de que o progresso e o conhecimento
solucionarão todas as mazelas que nos afligem. Além dessa concepção rósea do
mundo, são simpáticos aos movimentos sociais e indulgentes quanto às
reivindicações das minorias; são globalizantes, enquanto julgam inevitável um
governo mundial; e estão convictos de que a tão almejada paz entre os EUA e os
países comunistas só será obtida por meio da boa vontade e de concessões
recíprocas. São críticos ao uso de armas pelo público, restringem as verbas
para as Forças Armadas e são defensores convictos do Obama care e
de outros atendimentos sociais pelo Estado.
Pessoas típicas dessa mentalidade são os líderes políticos democratas e
os participantes do jet-set internacional — artistas,
escritores, figuras de proa do movimento ecologista —, todos enaltecidos pela
mídia e por membros do establishment.
A onda conservadora nos EUA é formada por dois públicos diferentes: o
primeiro inclui os americanos fiéis às suas tradições cristãs, que cultivam os
valores típicos do tempo em que foram pioneiros — honestidade, trabalho árduo,
consumo morigerado. Desconfiam do governo e ficam desagradados com as extravagâncias
de seus conterrâneos da costa leste. É devido a eles que o Partido Republicano
tem conseguido vencer as eleições.
O segundo público participante da onda conservadora é formado por
aqueles que defendem a liberdade econômica e são contrários à assistência
social estatal. Empresários e banqueiros de grande porte se alinham aos
moradores das pequenas cidades do Meio Oeste, de mentalidade conservadora, com
o objetivo de proteger o país das novidades socializantes vindas da Europa logo
após o fim da guerra, tão caras aos democratas. Dir-se-ia uma conjunção
esdrúxula, inviável à primeira vista, mas que provou sua viabilidade ao
participarem lado a lado da “onda conservadora”.
Quem viaja pelo interior dos Estados Unidos fica admirado com o número
de casas com a bandeira nacional hasteada, mesmo nos estados com predomínio
democrata. O derrotismo vigente nos anos da guerra do Vietnam foi submergido
pelas primeiras ondas conservadoras, e Trump não só venceu as eleições como
também se tornou o ponto de referência para os governos populistas do mundo
inteiro.
O apoio popular a Trump é devido, em parte, à insatisfação dos
americanos ao verem que o individualismo empreendedor, tão caro a eles e tão
bem descrito nos livros de Anna Ryan, estar sendo contestado pelos que julgam
que a solidariedade entre as pessoas é mais importante do que a competição. Por
outro lado, explica-se por ter ressuscitado o “orgulho nacional”, sintetizado
no lema America first, por ter acabado com o desemprego e
contrabalançado o poderio comercial da China.
Crise na Igreja e onda conservadora católica
A densidade revolucionária, presente na atual crise pela qual a Igreja
está passando, não tem comparação com a de qualquer outro cisma ou heresia do
passado. O Papa Francisco, aparentando simplicidade evangélica, mostra
desagrado em relação ao esplendor ostensivo da corte pontifícia; preferência
pelas vítimas de um sistema que visa ao enriquecimento, e não à partilha; e
assim tornou-se uma figura simpática a vários setores da opinião pública no
início de seu pontificado. Com o tempo, no entanto, começou a revelar sua
verdadeira face de um reformador convicto, intencionado em transformar a Igreja
Católica num simulacro do modelo criado por Jesus Cristo.
Seu hábito de expor seus planos enquanto retorna das viagens ao exterior
permitiu-lhe apresentar-se como sendo um humilde devoto de São Francisco,
incompreendido pelos “poderosos”, indulgente com as fraquezas humanas, protetor
dos pobres e oprimidos. Ele sorri, mostra-se confortado por estar conversando
com seus companheiros de viagem, cria um ambiente informal, acolhedor,
distendido. Quem poderá acusá-lo de desdém pelo ensino tradicional, vituperado
como se fosse fruto de um dogmatismo rígido já superado?
Tal imagem edulcorada, no entanto, é frequentemente contrariada pela
rispidez com que trata os prelados que não partilham de seus projetos,
transformando-se em amargura e desencanto revelados em suas fotografias.
Suas palavras dúbias, pouco ortodoxas, seu modo popularesco de se
apresentar em público e seu alinhamento com a esquerda vêm suscitando reações
de cardeais, teólogos e fiéis católicos, e até mesmo de não católicos.
Exemplos dessas reações são as Marchas pela Vida, os
abaixo-assinados, os protestos contra peças de teatro satânicas e blasfemas, o
Terço rezado em praças públicas, todas iniciativas promovidas ou apoiadas pela
TFP americana (American Society for the Defense of Tradition, Family, and
Property) [foto acima]. Tão significativo quanto essas iniciativas é
o apoio entusiasta encontrado no público jovem. A essas se acrescentam as
publicações do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira e do Pan-Amazon
Synod Watch, bem como a atuação do Prof. Roberto de Mattei e dos publicistas
José Antonio Ureta e Julio Loredo, que ao longo do Sínodo Amazônico alertaram
os fiéis para as heresias presentes nos movimentos ambientalista e indigenista.
O fato de o conteúdo revolucionário estar ficando cada vez mais visível
nos movimentos reformistas — LGBT, feministas, imigração, tribalismo, ecologia
extremada, patrocinados pela ONU e apoiados pelo Papa — deixou os católicos
conservadores alarmados e dispostos a participar das reações que estão
eclodindo por toda parte. Em razão da espontaneidade de cada uma dessas
reações, e de se insurgirem contra este ou aquele contrassenso sem estarem
interconectadas, não é fácil a formação de uma onda conservadora religiosa
semelhante às existentes no campo político. Se em determinado momento, porém, os
cardeais e bispos de orientação conservadora formarem uma frente única com os
fiéis perplexos com o que está ocorrendo na Igreja, as reações crescerão,
tomarão corpo e se transformarão num movimento de proporções universais. Terão
eles, num futuro próximo, o poder de inverter a marcha dos acontecimentos?
Decorrem de uma graça especial as atuais ondas conservadoras, tanto as
políticas quanto a religiosa? São elas instrumentos de Nossa Senhora para
congregar os fiéis num confronto final com os revolucionários? Seja como for, a
desproporção de forças é assustadora. Os revolucionários contam com o apoio do
atual Papa e da maioria dos cardeais e bispos, da mídia internacional e das
entidades que se pretendem supranacionais. O que fazer? Rezar, continuar a participar
dos movimentos contra-revolucionários? Sim, e cada vez mais, pois Nossa Senhora
prometeu em Fátima que o seu Imaculado Coração triunfará. Mas Ela depende para
isso do nosso esforço, e o tem implorado repetidamente para que possa cumprir o
que prometeu.
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