26 de abril de 2020
Plinio Maria Solimeo
Hoje em dia tudo é pretexto para o aborto, sobretudo quando o feto
apresenta anomalias congênitas tidas como insanáveis. O que dizer então quando
o ultrassom prenuncia um menino tetraplégico, com os membros e o tronco
totalmente paralisados? Que mãe em nossos dias tem coragem e fé suficientes
para permitir que ele nasça?
Pois foi o que ocorreu no início do século XI com Hermann
Contractus, ou Hermano Contraído ou Aleijado, que se tornou um dos maiores
gênios já vistos pelo mundo.
Esse menino tão disforme, incapaz de caminhar ou de se movimentar,
e consequentemente incapacitado para qualquer estudo, nasceu no dia 18 de julho
de 1013 em Altshausen, na Alemanha.
Comenta o site espanhol Religion em libertad, do
qual extraímos esta matéria: “Em qualquer civilização não cristã, de
qualquer época e latitude, uma pessoa como Hermann teria sido eliminada, ou não
teria nascido. Por que seus pais decidiram não eliminá-lo? Por que os monges de
Reichenau decidiram não eliminá-lo? Por que ele, nas dramáticas condições de
dor física em que vivia, não pediu para ser eliminado? Mons. Luigi Giussani
assim nos explica: ‘Porque para ele Deus era incomensuravelmente mais
pertinente e existencialmente mais vivo do que para nós. Só Cristo dá um
sentido de Deus tão concreto, poderoso, incisivo, dominante e apaixonante’.
Sim, só Cristo dá. E uma sociedade que renega este aporte não é uma sociedade
mais evoluída ou mais moderna. É apenas uma sociedade mais pobre e mais
cínica”.
Quando os monges começaram a lhe ensinar as primeiras letras, perceberam
que Herman possuía uma inteligência muito acima da média, o que o levava a
aprender a ler e escrever com facilidade. Então o fizeram estudar. Aprendeu
latim, grego e árabe e se tornou perito em várias ciências. Fez-se monge aos
vinte anos e passou o resto de sua vida na Abadia que o acolhera.
Desdobrando-se em solicitude, os bondosos monges haviam construído para
ele uma cadeira transportável que lhe permitia ser levado para onde necessitasse.
Nela, entretanto, devia permanecer sempre em uma posição, pois qualquer
movimento lhe era doloroso.
Hermann escreveu também obras espirituais dedicadas a religiosas e
sacerdotes; tratados sobre a ciência da música; diversas obras sobre geometria
e aritmética; as gestas de Conrado II e de Henrique III; compôs o Ofício
litúrgico de alguns santos (São Gregório Magno, Santa Afra de Augusta, Santos
Gordiano e Epímaco e Wolfgang de Regensburg). Além disso, escreveu sequências
sobre a Virgem Maria, a Cruz e a Páscoa.
Quando no final da vida ficou cego,
Hermann começou a escrever hinos religiosos, tanto a letra quanto a música, a
mais conhecida das quais é asublime antífona Salve Regina (Salve Rainha). Compôs também a letra e
música da Alma Redemptoris Mater, que uma alma bem formada não pode
ouvir sem profunda emoção.
Comenta Religion en Libertad: “Enquanto
compunha o canto da Salve Regina e escrevia o verso gementes
et flentes in hac lacrimarum Valle (gemendo e chorando neste vale de
lágrimas), Hermann se referia também ao sofrimento que lhe causava sua própria
condição física. É incrível que um dos raros hinos que sobreviveram à reforma
litúrgica post-conciliar, e que ainda se canta nas igrejas há mais de mil anos,
seja precisamente composto por um tetraplégico, um incapaz, uma pessoa que a
mentalidade de hoje definiria como ‘indigna de viver’; mais ainda, inclusive
‘indigna de nascer’, e que, com toda probabilidade, na sociedade atual, seria
abortada. O fato de que se continue a cantar há mais de um milênio a Salve
Regina parece realmente uma dádiva de Deus”.
Entretanto, o campo no qual Hermann mais revelou a grandeza de seu
gênio foi o da astronomia. São dele dois dos mais importantes tratados sobre o
astrolábio, o De Mensura Astrolabii e o De
Utilitatibus Astrolabii, com instruções para a construção desse aparelho,
na época grande novidade na Europa. Essas obras lhe valeram o epíteto de Prodigium
saeculi (milagre do século). Sua fama fez com que o Imperador Santo
Henrique III e o Papa Leão IX fossem visitá-lo no mosteiro de Reichenau.
Continua Religión em Libertad: “Dizia
Giussani: ‘Como pode uma existência de sofrimento tornar-se tão rica e amável?
Essa energia conferida pela adesão à realidade última das coisas permite
utilizar também o que o mundo que nos rodeia considera inutilizável: o mal, a
dor, o cansaço de viver, a incapacidade física e moral, o aborrecimento,
inclusive a resistência a Deus. Tudo pode ser transformado e mostrar
maravilhosamente os efeitos de sua transformação quando se vive em função da
realidade verdadeira: se ‘se oferece a Deus’, como reza a tradição cristã.
Oferecer a Deus qualquer miséria é o contrário da abdicação, de uma aceitação
automática, de uma resignação passiva; é o vínculo, afirmado de maneira
consciente e enérgica, da própria particularidade com o universal’. Hermann
soube ser uma testemunha luminosa dessa transformação em seu oferecimento a
Deus com uma serenidade que causou assombro entre seus contemporâneos”.
Esse gênio santo e sofredor entregou sua bela alma ao seu
Criador no dia 24 de setembro de 1054, com apenas 41 anos de idade. Seu fiel
discípulo Bertoldo assim descreve seus últimos dias: “Quando, afinal, a
bondade amorosa do Senhor se dignou libertar sua santa alma da tediosa prisão
do mundo, ele teve uma pleurisia, e sofreu durante dez dias uma grande dor’. Em
seu leito de morte, Hermann consolou seu discípulo, que o velava triste, com estas
últimas palavras: ‘Não chores por mim, meu amigo. Sinta-te feliz e contente com
meu destino. Pensa cada dia que tu também terás que morrer, e esforça-te para
estar sempre preparado para esta eventualidade, e reflete sobre tua última
viagem, porque não sabes nem a hora nem o dia que me seguirás, a teu
queridíssimo amigo Hermann’. Dizendo isto, expirou”, após ter recebido a
Sagrada Eucaristia.
Texto da Oração
Salve, Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura, esperança nossa, salve! A vós bradamos os degredados filhos de Eva; a vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei, e depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto de vosso ventre. Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo. |
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