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segunda-feira, 27 de abril de 2020

O PÁSSARO DO POETA HÉLIO NUNES – Cyro de Mattos


O pássaro do poeta Hélio Nunes
Cyro de Mattos


          Foi com a imagem do pássaro que canta o amanhã justo, o amor da amada com a sua carga de ternura constante, o desejo de um mundo para o filho sem as marcas amargas do presente, que o jornalista e poeta Hélio Nunes teceu e aconteceu seu canto no único livro publicado de poesia. Com capa de Santa Rosa, Pássaro do amanhã é como  canto preso na alma, como diz o poeta, “e ele canta por minha boca.”

          Esse pássaro canta pelo amor, o sentimento mais belo,  pela liberdade,  o mais forte,  pela ternura, que está na infância, pela solidariedade aos meninos abandonados de rua, aos adultos que estão presos e não têm  dinheiro para contratar advogado. Se a esperança veste a ternura  com o sorriso da flor, o canto que veste os versos de Hélio Nunes  é revestido de palavras que se abraçam como velhas amigas, nutre-se do brilho das estrelas,  do enlevo na sua tristeza lírica, como quando o poeta vê o tempo passando enquanto navega em barquinhos de papel da doce infância.
  
          Hélio Nunes produz o poema com este sentimento forte do amor, decorrente de  sonhos  que  propõem a vida com braço ao abraço, sem a escuridão da matéria  que prende o dia claro na noite de estrelas apagadas. Mas também marcado por esse desejo de mudanças,  que extirpem as desigualdades, as doenças  sociais alimentadas com a pobreza para o sobejo das corrupções. Não é uma poesia panfletária, pelo contrário, dotada de linguagem fácil,  a  ideia nada tem de artificial. Impressiona com o seu grito, sua verdade na  palavra escrita com fogo, daí que pode ser lembrada em companhia de poetas do timbre de Thiago de Melo e Moacir Félix.

          No antológico poema “Liberdade”,  Hélio Nunes diz de seu entendimento  sobre o que significa palavra tão cara:  O vento corre,  corre,/ cochicha pelos roseirais, / pelos caminhos levanta pó, /pelos ares arvora bandeiras / raivosas de espumas. /Liberdade – o vento foi feito para correr. //A águia voa, voa, /traça no espaço azul /audaciosas linhas /de uma geometria que ainda /Einstein não estudou./ Liberdade – a águia foi feita para voar.//Além um homem falava/ de igualdade e justiça./Tinha nos olhos o mesmo brilho/ de uma estrela matutina./Liberdade – o homem nasceu para pensar.

          Vê-se assim que poucos poetas trataram o tema com o toque de simplicidade, força verdadeira de versos traçados com sons da alma e cores da vida.

          Ele foi um poeta de seu tempo e lugar. Cantou as primeiras  aventuras siderais do homem. Ofertou sorrisos e flores à amada Valquíria,  a companheira  verdadeira, a mulher de fibra  e resignada, com ela teve cinco filhos. De dia como jornalista combativo, à noite construtor de devaneios e sonhos. Certo  é que o livro Pássaro do Amanhã, há tempos raridade bibliográfica, pelo seu conteúdo lírico, desejos límpidos que não são imposições,  cantares que comovem, falares  de atualidade até hoje,   como obra literária e conteúdo humano calcado na  vida sem distorções gritantes  merece ser reeditado. Alguns de seus poemas participam da antologia  Poesia Moderna da Região do Cacau, (1977),  organizada por Telmo Padilha.

          Natural de Aracaju, Hélio Nunes nasceu no dia 17 de abril de 1931.  Fugindo da perseguição policial em 1952, passando por  Cachoeira de São Félix,  veio fixar residência em Itabuna, onde fundou uma gráfica e o “Jornal de Notícias”,  que apresentou em suas páginas uma linguagem diferente  do provincianismo de outros veículos de imprensa locais. Foi também  professor da Escola de Contabilidade local. Fez um manifesto sobre a situação deplorável de crianças que dormiam na rua.

          Perseguido pelo regime  militar de 1964, teve que vender a gráfica por preço insignificante. Fez concurso para escrivão e foi morar sozinho  em Itororó,  naquela comarca  distante de sua residência familiar fez-se eficiente  funcionário da justiça.   Continuou sendo perseguido pelo regime militar,  vítima de processos intermináveis, longe da esposa e filhos,  oprimido por terrível solidão.  Caminhante  pelas valas de grande depressão, faleceu vítima de um enfarto.  É o patrono da cadeira 30 da Academia de Letras de Itabuna.

          Podemos dizer que a sua poesia lírica está entrelaçada com a sua própria vida,   seus versos  refletem o pensamento de  quem  sonhou por um país humano, sem favelados,  crianças anêmicas e bolsões de pobreza, Seu grito não tem o recheio da pieguice,  mas nos chega  irrompido da dor, da solidão solidária, com o seu caldo de sofrimento e beleza.
 
          Abaixo vão transcritos três poemas de Hélio Nunes para despertar, ainda que seja um pouco, a memória esquecida de um bom poeta lírico.

Hélio Nunes (2º na foto)
FOTO: Memoria Grapiúnaprojeto da Fundação Jupará com patrocínio da rádio Morena FM 98.7 e jornal A Região.

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Ode à Lua Artificial

Olha a soviética no espaço
Sem quarto minguante, sem plenilúnio.
Criemos a poética desse novo astro.
Não basta dizermos que o satélite
Ronda a muitos quilômetros de altura.
Precisamos dizer,  por exemplo: amada.,
Numa tarde de domingo iremos de nave
Colher  rosas da primavera marciana.

Olha o homem avançando para o céu.
Houve uma poesia de viagens Marítimas.
É tempo da poesia das viagens siderais.

Eu sei. Um colar alvo de luas artificiais
Envolverá a terra; e pela noite sonhando
Eu oferecerei a Valquíria, noiva minha.


Rosas Rubras

Na madrugada fria de ontem
Um operário tossiu
Lançou rosas vermelhas
Perdidas no chão.

E quando o pedreiro caiu
Do alto do andaime,
Deixou rosas vermelhas
Perdidas do chão.

E o grevista tinha o punho cerrado
Recebeu no peito a fria bala,
Rosas vermelhas desabrocharam
Em seu coração.

Ah! Eu sei, é certo,
A Primavera irromper
Florida de rosas vermelhas.
Perdidas. Não.


Poema ao Meu Filho

Meu filho, chegarás na primavera:
Mil desculpas,  não poderei oferecer-te
Aquele mundo e humano que sonhei.

Meu filho, chegarás na primavera:
Quando adulto, não sê igual aos demais.
Tenhas o coração inquieto e a ternura de Valquíria.

Meu filho, chegarás na Primavera:
Ama e ama. Se te forçarem a odiar,  odeia.
O amor e o ódio têm suas grandezas.

Meu filho, chegarás na primavera:
Rosa e foguetes teleguiados também.
Vê nos povos, brancos e negros, teus irmãos.

Meu filho, chegarás na primavera:
Aos 18 anos, lê estes versos, não são conselhos,
São desejos, devaneios de um pai sonhador...

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Cyro de Mattos é escritor e poeta. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia.  Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Tem livro publicado em Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha e Dinamarca. Conquistou o Segundo Lugar do Prêmio Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro ,  duas vezes, em Gênova, Itália, o  Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras,  o da Associação Paulista de Críticos de Arte   e o Prêmio Nacional Pen Clube do Brasil. 


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