A Poesia Mansa de Conceição Nunes Brook
Cyro de
Mattos
Filha
do pecuarista Isaac Nunes e Dona Rosalva, Conceição Nunes Brook nasceu em
Ibicaraí onde viveu a infância, preenchida de brincadeiras e coisas naturais na
música da inocência. Mudou-se para Salvador onde a moça de beleza
radiante foi eleita Miss Glamour Girl. Quando
morou no Rio mais tarde foi estudante da PUC. Casada com um norte-americano, de quem teve
três filhos, mudou-se para os Estados Unidos.
Sempre se
sentiu estranha nos Estados Unidos, a alma com seus bemóis líricos em compasso
brasileiro não aceitava os sons de uma paisagem humana distante, permeada de cenas
diferentes. Pouco lhe dizia no íntimo, que pulsava no Brasil. Era ave presa na solidão dos vazios, sem
plumagem, nem bondoso canto nos
caminhos da indiferença. Tornou-se uma
criatura estranha, sem ajuste no cenário que não lhe dizia respeito, sem
conexão da alma, a motivar o disfarce
onde não havia tempo para renascer. Era
natural que o tempo fosse parado, “todo o ser disperso com medo do amanhã.”
Avistava
Nova York sem as substâncias que correm nas veias, vindas da infância e das
lembranças fraternas, que viravam agora a mulher sozinha na difícil arte de
camuflar. Via Nova York como serpente traiçoeira, de bote armado na esquina, a
que fere, queima e cega, tritura e devora “inocentes e deslumbrados
mortais.” Separada do marido, voltou ao
Brasil, vindo a falecer anos depois, vítima de doença cancerígena.
Publicou
dois livros de poesia, Teu rosto de bem-me-quer, pela Editora Itapuã, Salvador,
1978, e Me basta uma janela, Editora Record, Rio de Janeiro, 1984, com o desenho
da capa e ilustrações internas do consagrado Carlos Bastos. Chama a atenção que poeta
desconhecido, jovem, sem convívio na ambiência literária da época, em Salvador
e no Rio, tenha conseguido a proeza de ter publicado seu segundo livro de
poesia por uma editora importante, de circulação nacional, sediada na metrópole
carioca. Naquela época Rio e São Paulo funcionavam como tambores culturais do
Brasil. E até hoje com um lirismo valioso em forma de carícia, embora de legado
pequeno, continue sua poesia nem sequer referenciada com o seu
nome no dicionário de autores baianos, nem em antologias da poesia na região
sul baiana.
Há poetas que
fazem da vida uma canção de versos mansos, na qual a inspiração reveste-se de
ternura, pulsa na transpiração leve até nos momentos difíceis. A poesia de
Conceição Nunes Brook é dessa natureza doce, de tristeza bondosa, tecida com os
fios do sonho que se abriga na palavra terna para falar da vida com suas
falhas. Risca o instante no eterno tocado
de partituras sentimentais, que pulsam antigas e batem no agora ferido.
Um dos poemas belos
do livro, “Lamento da Esposa Esquecida”, versos que soam como gemidos do vento,
que fere e não tem volta, a poeta diz do marido ausente, a quem gostaria de
falar, como o ar que entra pela fresta. Lembrar “do ritmo manso da respiração
do nosso filho a dormir” e mais, que ele visse “as duas borboletas tênues que
há pouco pousaram em minha janela e voaram juntas num amor fugaz e eterno,
pois são curtas as suas vidas”.
Longe de ser
uma poesia hermética, mas figurativa em sua estética definida com clareza, apoiada
em unidades rítmicas leves, Conceição Nunes Brook faz de cada poema uma música,
um leve sentido, tocado pela vida transformada no mais belo sonho. No encanto envolve
com seus dizeres reveladores de segredos, angústia, confissões tristes,
impressões alimentadas de esperança, como se fosse seu propósito final guardar esse
transe transmitido pela musa mansa no
coração como um manual de delicadeza perfeito.
Até quando aparece em momento grave, a vida sobreposta na areia dos
caminhos passageiros, emerge de uma luz, que leve e distante esquecerá de quem se foi, mas apesar disso se
conserva como suave nesta distância da alma.
Ante a certeza
que a vida é falha, limitada, contraditória, a gerar o medo e o amor, ruídos
comuns da solidão, imperfeições das ausências que não se explicam, essa poesia se
basta quando enxerga a vida através de uma
janela. É desta janela que reparte os sentimentos, captura temas e momentos de acordes
graves. Para ler o que enxerga com o
coração, em suas circunstâncias, basta essa janela aberta no imaginário, que
aflora de dentro de si como densa e pungente fantasia.
Dessa janela é que avista a vida a galopar em
ágeis montarias no jóquei, o vermelho das flores nos galhos de esplêndido dia, o
Cristo de braços abertos para os
espantos filtrados em máquinas fotográficas, a lembrança das vacas mansas e
brancas a ruminar o tempo em mansidão
nos campos verdes da fazenda paterna. Ali, nesta janela, sabe a
sonho e choro como momentos essenciais da existência, ternuras e decepções
inevitáveis, que deixam no final a harmonia perfeita do poema merecido.
Leitora
constante de Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Cesário Verde, Shakespeare e
Walt Whitman, mostra-se em algumas epígrafes no poema nessa boa companhia. Cônscia
de que, como Ann M. Lindberg, somos todos ilhas em um mar comum, essa baiana de
Ibicaraí diz no verso as coisas mais simples e menos intencionais, pois nela o
frágil é forte, alimenta-se da verde esperança.
Sua poesia é
necessidade vital, como dormir, comer, sonhar, habita o tempo intervalar entre
viver e morrer. Sempre mirando essa flor
com desvelo, impressa no chão de bondade triste, diz no poema “Inevitável” de
sua crença:
Uns morrem de amor
Eu faço poesia
Uns marcham em protesto
Meu lema é a poesia
Uns se suicidam
Ou são homicidas
Meu ópio é a poesia
Uns se desesperam
Meu grito é a poesia
Uns morrem no exílio
Meu país é a poesia
Uns dão volta ao mundo
Meu barco é a poesia
Uns trancam-se mudos
Meu silêncio é a poesia
Uns, danças e festas
Meu canto é a poesia
Uns ganham medalhas
Meu prêmio é a poesia
Ou são condenados
Minha pena é a poesia
Uns pedem socorro
Meu amparo é a poesia,
Uns querem resposta
Quanto a mim:
Me basta a poesia.
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Cyro de Mattos é ficcionista e poeta. Publicado em inglês,
francês, italiano, espanhol, alemão, dinamarquês, russo. Premiado no Brasil,
Portugal, Itália e México. Membro titular da Academia de Letras da Bahia.
Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz.
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