29 de março de 2020
Plinio Maria Solimeo
Nos antigos tempos de fé, a população via nas catástrofes,
epidemias e outros fenômenos naturais descontrolados uma punição divina para os
desmandos da sociedade. A Igreja promovia então procissões e orações públicas
rogatórias de reparação, suplicando à Majestade Divina que fizesse cessar o
flagelo.
Hoje a Igreja fecha suas portas, privando os fiéis do Santo
Sacrifício da Missa e da reconciliação com Deus através do sacramento da
confissão. Por medo do vírus, nega-lhes toda assistência religiosa e, em muitos
casos, até os deixa morrer sem os últimos sacramentos.
Muitas epidemias se abateram sobre o mundo nas várias épocas
históricas. Entretanto, a Igreja estava sempre presente. Os sacerdotes cumpriam
sua missão de assistir o povo fiel durante as calamidades, inclusive com o
risco da própria vida. Exemplo disso foi São Luís Gonzaga [quadro acima], que
morreu em consequência da peste contraída enquanto levava às costas um
flagelado durante a peste em Roma.
São Carlos Borromeo levando o Santíssimo Sacramento aos
infectados pela peste
Outro exemplo ainda mais notável é o de São Carlos Borromeu.
Quando chegou a Milão a terrível Peste Negra que ceifou a vida de quase um
terço dos europeus em 1576, ele colocou todo seu clero a serviço dos atingidos.
Essa violenta epidemia contagiou em pouco tempo mais de 100 de seus valorosos
padres, que morreram como mártires da caridade durante a assistência aos empestados
[quadro ao lado]. Sem preocupar-se com a própria segurança, o então Arcebispo
de Milão julgou que a glória de Deus exigia que ele preparasse o maior número
possível de atingidos para uma morte quase certa, a fim de lhes obter a
salvação eterna. Para aplacar a cólera de Deus, São Carlos chegou a se flagelar
em praça pública, implorando em nome de seu povo o perdão de Deus e o fim da
epidemia. Finalmente, também contagiado, uma febre contínua foi debilitando
lentamente suas forças, até ele falecer no dia 4 de novembro de 1584 com apenas
46 anos de idade.
Frei Damião com crianças do coro de Kalawao na década de
1870
Poderíamos também citar o caso também heróico do sacerdote
belga São Damião de Molokai (1840-1889) [Foto ao lado], que se encerrou na
denominada “ilha maldita”, no Havaí, junto dos contagiados pela lepra a quem
fora dar assistência religiosa, morrendo como eles.
Que exemplo para tantos bispos e clérigos acomodados,
transformados em “funcionários públicos”! Felizmente há exceções, como veremos.
Na outrora catolicíssima Espanha ainda existem sacerdotes
que, enfrentando o risco de contaminação, continuam a atender espiritualmente
as vítimas da praga, a “peste chinesa”, como muitos a chamam mais
apropriadamente.
Essa peste já atingiu mais de 70.000 pessoas naquele país,
com quase 6.000 mortes. Por isso o hospital Infanta Helena [foto ao lado], de
Valdemoro, na região madrilense, está quase em estado de saturação por causa da
peste. É nele que o pároco local, Pe. Israel Guijarro (pela manhã), e o vigário
de Ciempozuelos, Pe. Julião Lozano (pela tarde), com o apoio do capelão do
hospital, José Medina, vêm trabalhando para atender os infectados.
O Pe. Lozano [foto abaixo] diz que antigamente, em pequenos
hospitais como o de Valemoro, o capelão podia passar normalmente pelas
dependências para oferecer seus serviços espirituais. Mas que hoje a situação é
diferente: “Nós, os capelães, ficamos na capela rezando até que nos chamem.
Então tomamos todas as precauções necessárias, segundo o setor. Podemos
confessar usando máscaras e luvas, guardando distâncias. Nos setores de
tratamento com aerossóis a respiração pode condensar-se em gotas, e isso é
perigoso. Há lugares onde também usamos óculos, rede de cabeça, luvas duplas e
uma vestimenta resistente”.
Além dessas precauções para evitar o contágio, os capelães,
revestidos de um traje especial, levam em uma bolsa os santos óleos para
administrar a Extrema Unção dos enfermos, e em outra as hóstias para a
Comunhão. Os sacerdotes não levam consigo o ritual, mas apenas um folheto. O
Pe. Iñaki Gallego explica que “todo material que usamos quando visitamos os
enfermos é logo descarta, sendo incinerado com o resto de resíduos do hospital”.
Quer dizer, toma-se todo o cuidado para evitar o contágio,
mas sempre há o perigo. Esses sacerdotes, por amor às almas e como pastores do
rebanho a eles confiado, o enfrentam.
O Pe. Gallego comenta que um dos fatores mais dolorosos da
enfermidade é o isolamento da família. “Quando a pessoa ingressa no hospital
com coronavírus, suspende-se o contato com a família. Deixam entrar os
sacerdotes para ministrar um sacramento se a pessoa pede. Só isso. Assim, dei a
unção dos enfermos e assisti ao falecimento de vários, incluindo a mãe do Pe.
Jon, nosso companheiro, que ingressou aqui e está em cuidados intensivos na UTI”.
Isso mostra que na Espanha, por um resto de sentimento
católico, os sacerdotes não são proibidos de entrar nos hospitais para prestar
assistência religiosa como em outros países.
Prossegue o Pe. Gallego: “Os enfermos não podem ter nenhum
acompanhante, salvo se estiver em estado crítico; então pode haver um familiar
até a hora da morte. Os médicos devem informar os familiares pelo telefone. Em
alguns casos, nós servimos de mediadores e tentamos serenar tanto os familiares
quanto os enfermos”.
Há males que vêm para bem. Assim, o Pe. Lozano observa que a
oração é uma fonte de consolo e de fortaleza nessa situação angustiante: “Em
algumas dependências em que entrei para rezar com os enfermos, impressionou-me
ver como rezam. Hoje ingressou em Valdemoro um casal, cada qual sendo internado
em uma ala do hospital, que se comunicam pelo celular. Impressionou-me muito
ver o fervor e a intensidade com que rezam. Aqui, com tantos dias de isolamento
e pressão, há muito risco de desanimar-se. Mas a oração e a confissão ajudam a
muitos e lhes trazem paz e descanso. Alguns que confessei levavam muito tempo
sem se confessar”.
Assim, quanto bem pode fazer um sacerdote com verdadeiro
espírito sobrenatural!
Mas a tarefa desses capelães não é fácil. Embora sejam cerca
de 100 em toda a região de Madrid, não dão conta do trabalho. Antes, eles
contavam com uma rede de 200 voluntários que os ajudavam a acompanhar os
enfermos nos hospitais e a prepará-los para receber os sacramentos. Mas agora
esses voluntários estão proibidos de entrar. Só entram os capelães, cinco em
Valdemoro.
Um problema colateral a ser enfrentado para o exercício de
seu ministério nos hospitais é que “os capelães têm também que lidar com o
pessoal sanitário, que está sob muita pressão, muito estressados e preocupados”.
No hospital de Valdemoro, esse pessoal “afronta tudo com dedicação e inteireza,
mas já se nota o cansaço. Eles nos pedem orações, e nós os apoiamos e os
alentamos”, diz o Pe. Lozano.
Que esse exemplo sirva para incentivar muitos sacerdotes no
Brasil e em outras partes a não se omitirem diante dessa dura emergência,
prestando o socorro da Igreja e alentando muitas das vítimas dessa terrível
“peste chinesa”.
_________________
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário