TERÇA-FEIRA, 17 DE MARÇO DE 2020
É muito ruim para a democracia que o Poder Legislativo seja
tão detestado
*Por José Robherto Guzzo
Tanto faz, de certa forma, quanta gente vai ou não vai para
a rua, ou quantas vezes está disposta a ir no futuro mais próximo. Além e acima
de tudo isso, há um fato que não muda: o Congresso Nacional e todo mundo que
está lá dentro formam hoje um dos grupos de seres humanos maís odiados do
Brasil. Se fizessem uma “pesquisa de opinião” perguntando ao brasileiro qual o
ambiente que ele respeita mais – a penitenciária da Papuda ou dupla
Câmara/Senado – qual você acha, sinceramente, qual seria a opinião da maioria?
Melhor não fazer pesquisa nenhuma, não é mesmo? A Papuda, na
verdade, bem que poderia ser hoje a residência verdadeira de muitos dos nossos
parlamentares – levando-se em conta que até setembro de 2019 cerca de 100
deputados, pelo menos, respondiam a ações penais no STF.
É muito ruim para a democracia de qualquer País que o Poder
Legislativo seja tão detestado como o brasileiro. É muito pior, ainda, que os
culpados disso sejam os próprios deputados e senadores, pelos atos que cometem
e pela conduta que exibem ao público. Não é o “facismo” que está sabotando o
Congresso, nem a direita – embora existam, sim, grupos de extremistas que
querem acabar com a história toda mandando para lá um cabo e dois soldados. Mas
essa turma jamais seria capaz de derrubar um guarda noturno se tivesse como
alvo pessoas de bem.
É o caso? Não é – e não adianta fazer de conta que é. A
maioria da população, hoje, iria aplaudir se a Câmara e o Senado fossem
fechados por um ato de força, ou ficariam indiferentes. Uma democracia assim
está doente.
A verdade é que são eles mesmos que construíram, tijolo por
tijolo, a sua imagem infame junto a maioria da população. A mídia, os partidos,
as entidades que representam alguma coisa, os sociólogos, etc. se levantam
indignados em defesa do Congresso. Queriam o quê? Basta ver o que fazem, no dia
a dia da vida real, os deputados e senadores. Não é só questão criminal – estão
sendo processados por peculato, concussão, lavagem de dinheiro, corrupção
passiva e ativa, falsificação de documento. Conseguem, até mesmo, ser acusados
em ações penais por trabalho escravo. Talvez pior que isso seja a postura que,
no entender das pessoas, eles têm diante do interesse público – sempre que vêem
alguma chance, ficam contra. Escondem-se atrás de crimes coletivos, no
plenário, para saquear o País.
Os congressistas brasileiros são, eles mesmos, uma
dificuldade quase insuperável para quem, honestamente, quer defender o Poder
Legislativo. As vezes, até, nem merecem a imagem que têm. Ainda no passado, por
exemplo, aprovaram a reforma da Previdência Social, uma obra que poucos
parlamentares no mundo fizeram até hoje. Mas isso já está esquecido – o que
interessa é o que o povo acha deles agora. E agora, além do passivo criminal,
são vistos como inimigos de tudo o que o governo tenta fazer para melhorar o
País, e como bandidos que agem o tempo todo contra as mudanças que o Brasil
precisa.
Nada pode ser considerado normal quando o Presidente da
Câmara dos Deputados faz 250 viagens em jatinhos da FAB durante o único ano de
2019 – mesmo porque uma das razões alegadas para isso é o fato de que ele não
pode andar em nenhum meio de transporte público, para não ser triturado por
vaias. Temos, aí, que o chefe da Casa do Povo não pode chegar a um metro do
povo.
É aceitável uma coisa dessas? Apesar de toda sua
mediocridade, que sempre funciona como um manto protetor para qualquer
político, os presidentes da Câmara e do Senado estão hoje entre as pessoas mais
abominadas do País. Não dá para funcionar assim – com ou sem gente na rua.
*José Robherto Guzzo, colunista da Folha de São Paulo
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