ainda despois de morto,
conhece quem foi marvado.
Prôs mato da minha terra
não tem boca que não conte
a históra de Manoé Secco.
Desse negro desgraçado.
Pru todo aquele fundão
não tinha um só coração,
que gostasse do danado.
Andava durante o dia
e quáge todas as noite
pulas vendinhas da roça
impilicando cum os mais.
O pai, o Zé do Camais
e a mãe, a Chica do Zé,
já fazia munto tempo
que tinha ajuntado os pé.
Somente inda a vozinha,
tão véia e tão pobrezinha,
inda no mundo sofria,
pruquê Deus ansim queria.
A véia, a pobre vozinha,
só descansava nas hora
que o neto andava nas venda,
bebendo córta-bainha.
Mas porém, chegando em casa,
moiado, cuspindo bala,
de tropelão, aos arranco,
xingava a pobre da véia,
sem um tico de arrespeito
pr’aqueles cabelos branco.
E veje só, meu patrão:
aquele santo “caquinho”
três vez já tinha sarvado
o raio daquele cão.
A premêra, quando o diabo
foi preso pra ser sordado;
a segunda foi, seu moço,
pul’uma coisa tão feia,
que eu devo fica calado;
e a terceira, quando
o Secco
pulo Juca Boca Negra
ia sendo isfaquejado.
Vendo assim, a pobre véia
inda fazia comida
prô raio do mafião!
O seu pade Capellão
disse uma vez cum rezão,
que aquele negro languento,
mao, prevérso, arreliado,
tinha os bofe envenenado
e o coração fedorento.
E tinha toda a rézão
o seu pade Capellão.
Apois, ói!! D’uma feita,
a sua vó, com carinho,
lhe aconseiando baixinho,
dizia assim: meu netinho!
Tu tá cheio de inimigo!
Não anda fora de hora
nos capoão dos caminho,
pruquê tem munto perigo!”
Agora sabe o patrão
o que é que fez o negrão?!
Manoé Secco deu na véia
um tamanho trumbição,
que a véia cuspiu prá longe,
caindo assarapantada,
cum a cabeça esfrangaiada
na barriga dum pilão!”
Tá vendo vancê, patrão?
Agora escute o mió:
- a santazinha da vó,
que tanto e tanto penou,
despois daquela mardade,
prá sempre os óio fechou!
Todo o mundo cum piedade
oiava aquele cadáve!
Pruquê Deos botou no mundo
um home tão miserave?!
O interro daquela santa
foi mêmo uma romaria,
em tempo de impidimia.
Só quem não acompanhava
era o prevérso do neto,
que dia e noite vagava,
se amofunbando nos mato.
Que coração fedorento!...
Que árma de Pé de Pato!
Mas porém, aqui, no mundo,
neste mundo de venêta,
quem ao Capêta fizé,
tem de se vê cum o Capêta.
Três mês ao despois do crime,
do crime do mafião,
foi achado o seu cadáver
prú debaixo d’um Páu Rôxo,
prás banda do varjadão.
Ninguém, patrão, não queria
pegá naquela porquêra
prá se pudê interrá.
Seu pade Féli Imbuzêro
pagou ao Zé Benedito
e mais cinco cachacêro,
prá carregá, n’um giráu,
o cadáver do mardito,
do Secco, desse hôme máu!
Seu pade não consentindo
que ele fosse sipurtado
no çumitero de lá,
os cachacêro dêxáro
o cadáve do difunto
no brejo d’um chavascá...
Que ali ficasse estirado,
inté quando os aribú
não désse fé lá do á!
Já fazia um mez ou mais
que os hôme tinha jogado
lá, naquele chavascá,
o fio do Zé Camais.
Um dia que eu percurava
umas fôia de torêm
prá fazê uma meizinha,
vassuncê não adivinha
o que eu vi, meu bom patrão!
Daquele pobre cadáver
do matadô da vovó,
só restava o coração,
que táva prá lá, prá cá,
ingrovinhado de lama,
rolando no lamaçá.
Tudo o mais os aribú
já tinha tudo comido,
prú fora, cumo prú dento!
Aqueles bicho nojento
só não podia comê
o coração fedorento!
Vassuncê sabe o que eu fiz?
Cavei uma buraquêra,
garrei um páu, que panhei,
fui empurrando, empurrando
o coração do mardito,
inté vê caí no fundo
toda aquela fedintêra...
e, despois, soquei... soquei.
Eu sei que o meu bom sinhô
vai dizê que eu tô mentindo,
pruquê só se vancê visse,
vassucê creditaria.
Apois, no fim de três dia,
eu vortei no chavascá,
somentes prá móde óiá!
O coração do Tinhoso
táva fora do buraco,
fedendo que nem gambá!!
Vancê não via aribú
passa naquele lugá!!!
Despois, entonce, é que eu súbe
que ali, naquelas parage,
ninguém passava, cum medo
de pudê se impestiá!
E o coração, noite e dia,
cum o Só, cum a chuva, a pená!
Tive pena, seu doutô,
pruquê entonce eu me alembrei
que eu era um hôme... um cristão!
Se fosse um figo, um purmão,
um bófe, um rim, um estômbo,
as tripa d’uma cabeça...
vá lá, vá lá, seu patrão!...
Mas porém... um coração!!!
E assunte bem vassuncê:
- um coração que nem
mêmo
os aribú quis comê!!!
Eu não sei lê, seu doutô!
Vancê é um hôme inducado!
Mas porém eu lhe agaranto
que aqui, dentro deste mundo,
não tem coração prevérso!...
Só tem coração feliz
ou coração desgraçado!
Tive pena, meu sinhô,
tive dó do pobrezinho,
pruquê, cumo vancê sabe,
o coração é o ninho
do sofrimento e do amô!
Apois bem, meu bom patrão!...
Ajuêiádo no chão,
eu peguei o coração!
Táva frio, seu douto!
Rezei!... Rezei cum calô!...
Despois de rezá, chorei!...
Cum as aguinha destes óio
toda aquela sujidade
do coração alimpei!
A tarde vinha caindo,
assucegada e serena!
Entonce eu vi cum estes óio,
que o pobre do coração,
avoando aqui destas mão,
mais árvo que uma çucena,
sorrindo, sempre sorrindo,
pró céu, que táva tão lindo,
ia assubindo... assubindo...
cum as aza das suas pena!
(POEMAS BRAVIOS)
Catulo da Paixão Cearense
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário