Quem foram os santos reis magos? A providencial e
esplendorosa estrela foi um novo astro vindo do Oriente? Ou seria um anjo para
anunciar a vinda do Rei dos Judeus, o Messias Redentor de todos os homens?
Tradução, resumo e adaptações: Renato Murta de Vasconcelos*
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 828, Dezembro/2019
Os varões privilegiados, conhecidos pela Cristandade como
Três Reis Magos, foram escolhidos para estar entre os primeiros — depois de
Nossa Senhora, São José e os pastores — a adorar o Divino Infante na gruta de
Belém. Quem foram eles? E o que foi propriamente a radiosa estrela que os
conduziu pelas áridas montanhas da Judéia, para se colocarem junto ao Salvador?
Cornélio a Lapide (1567-1637) no-lo explica em seus
comentários sobre o trecho do Evangelho de São Mateus onde o episódio é
narrado: “Tendo, pois, nascido Jesus em Belém de Judá, nos dias do rei
Herodes, eis que uns magos vieram do Oriente a Jerusalém, dizendo: ‘Onde está o
rei dos judeus que acaba de nascer? Porque nós vimos a sua estrela no Oriente e
viemos adorá-lo’”(Mt 21, 12).
Nasceu Jesus em Belém de Judá, nos dias do rei Herodes
Adoração dos Reis Magos – Corrado Giaquinto (1690-1765).
Coleção Particular
Judá significa aqui a tribo de Judá, à qual a tribo de
Benjamim aderiu após o cisma das dez tribos, provocado pelo rei Jeroboão. Essas
duas tribos formaram o reino de Judá. São Mateus acrescenta a referência a Judá
para distinguir Belém da cidade de mesmo nome situada na tribo de Zebulão, na
Galileia (cf. Josué, 19, 15). Assim também comenta São Jerônimo.
Este Herodes, aqui citado por São Mateus, era o Antipas,
filho de Herodes o Grande, idumeu de raça, que o Senado estabeleceu, por
recomendação de Antônio, como primeiro rei da Judéia conquistada pelos romanos
(cf. Flávio Josefo, livro 14, Ant. cap. 18). São Mateus faz menção a
Herodes para deixar claro que o cetro fora transferido de Judá para um
alienígena, como o era Herodes. Portanto havia chegado o tempo do Messias ou
Cristo, pois o patriarca Jacó havia predito que esse deveria ser o sinal de seu
advento (Gen. 49, 10). Assim comentam São João Crisóstomo e Teofilato. Herodes,
o Grande, ciente dessa profecia, aplicou o oráculo a si mesmo para fortalecer
seu reino. Queria ser aceito como Messias, e por isso construiu um templo
magnífico para os judeus e o dedicou no aniversário do dia em que iniciou seu
reinado (Cf. Josefo, livro 15, Ant. c. 14 e livro 20, c. 8).
Herodes Antipas foi quem mandou decapitar São João Batista e
revestiu Nosso Senhor com a túnica branca e zombou d’Ele em sua paixão. Seu
filho, Herodes Agripa, matou São Tiago, irmão de São João, e morreu ferido por
um anjo. E o filho deste Agripa foi Herodes Agripa II, diante de quem pleiteou
São Paulo quando prisioneiro (Atos 25, 23).
Magos vieram do Oriente a Jerusalém
Adoração dos Reis – José Juárez (1617-1661). Museu Nacional
de Arte, México.
A palavra magos era comum entre os persas, donde a
tradução persa de São Mateus trazer aqui magusan — magos ou sábios,
astrólogos ou filósofos. A palavra parece derivar do hebraico, oriunda do
radical haga, meditar; daí magim, aqueles que meditam. Com
efeito, a meditação é a chave da sabedoria, como diz Ptolomeu. Portanto,
aqueles que meditam são ou se tornam sábios. De acordo com São Jerônimo, os
caldeus chamavam seus filósofos de magos, seguindo os hebreus. Daí os árabes,
sírios, persas, etíopes e outros orientais — cujas línguas são derivadas do
hebraico, ou a ele semelhantes — chamarem seus sábios e astrólogos de magos,
segundo asseveram Plinio e Tertuliano.
A expressão correspondente em grego (α̉πό α̉νατολών)
significa das partes orientais, indicando que esses Magos vieram de várias
regiões ou províncias do leste. A opinião comum dos fiéis é que eles eram reis,
régulos ou príncipes. Esta crença é claramente defendida por São Cipriano, São
Basílio, São Crisóstomo, São Jerônimo, Santo Hilário, Santo Isidoro, São Beda e
Tertuliano, todos citados por Maldonado, Barônio e Barradio. No entanto, São
Mateus não os chama de reis, e sim de magos, porque coube a eles reconhecer
Cristo por meio da estrela. Daí também que eles sejam chamados de reis de
Tarsis e Reis da Arábia e de Sabá (Salmo 71, 10).
Como afirma São Leão, os Magos pensavam que o rei dos judeus
deveria ser procurado em Jerusalém, pois na cidade real estavam os sumos
sacerdotes, escribas e doutores da lei, os quais, pelos oráculos proféticos,
provavelmente sabiam onde e quando Cristo deveria nascer. E de fato eles
informaram que o Messias nasceria em Belém. Os Magos, embora tivessem a
orientação da estrela, prudentemente desejavam consultar também os intérpretes
vivos da vontade de Deus. E foi assim que a estrela se retirou por um tempo,
como que obrigando-os a procurar os escribas. Pois é vontade de Deus que os
homens sejam ensinados a encontrar o caminho da salvação por meio dos homens e
doutores que Ele próprio indica.
O número de Magos
Seriam três, de acordo com as três espécies de presentes que
ofereciam: ouro, incenso e mirra (Santo Agostinho, Serm. 29 e 33, de
tempore). A tradição piedosa dos fiéis favorece a mesma opinião, e a Igreja a
introduz no ofício da Epifania. São Beda, no início de sua Collectanea, assim
os nomeia e descreve: “O primeiro foi Melchior, ancião de cabelos
grisalhos, barba longa e abundante, que ofereceu ouro ao Rei Senhor. O segundo
foi Gaspar, jovem, imberbe e rubicundo, que honrou a Deus pelo incenso, uma
oblação digna da divindade. E o terceiro Baltasar, de pele escura e barba
cerrada, que pela mirra significou que o Filho do Homem deveria morrer para a
salvação dos homens”.
Os magos foram homenagear o rei dos judeus que acabara de
nascer
É preciso ressaltar a fé e a grandeza da alma dos Magos, que
em uma cidade real procuravam outro rei, em vez do monarca reinante, sem temer
a ira e o poder de Herodes, porque confiavam em Deus.
É provável que alguns outros, além dos Magos, tenham visto a
estrela. Pois, se ela era grande, brilhante e visível para eles, por que não o
seria para outros? Deus quis que Cristo fosse conhecido por todo o mundo. Ainda
assim, ninguém seguiu a estrela com os Magos, tanto por não lhe entenderem o
mistério, quanto por causa dos cuidados mundanos. Aprendemos assim quão
necessária é a graça poderosa e eficaz para buscar a Cristo. A respeito disso
nos admoesta São João: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não
o atrair” (Jo. 6, 44). O eclipse do sol, que ocorreu durante a Paixão de
Cristo, foi visto em Atenas por São Dionísio Areopagita, e ele se converteu
posteriormente ao saber que o eclipse fora no mesmo dia e hora da crucifixão de
Nosso Senhor.
O autor da Obra imperfeita sobre São Mateus, citado por
São João Crisóstomo, afirma que, depois da Ressurreição de Cristo, o Apóstolo
São Tomé foi ao país desses Magos, batizou-os e os associou à obra da pregação
do Evangelho. Não poucos exegetas afirmam que esses Magos, enquanto pregavam a
Cristo, foram mortos pelos idólatras e ganharam a coroa do martírio. Eles se
ofereceram a si mesmos em holocausto a Cristo, como ouro, incenso e mirra. Em
sua Crônica, L. Dexter diz que “na Arábia Feliz, na cidade de
Sessânia, ocorreu o martírio dos três santos Reis Magos, Gaspar, Melchior e
Baltasar”. De Sessânia seus restos sagrados foram trazidos para
Constantinopla, de lá para Milão, e de Milão para Colônia, onde são venerados
por grande concurso de fiéis.
A estrela que era do Rei dos judeus
A estrela era do Rei dos judeus, isto é, de Cristo ou
Messias recém-nascido. Parece que daí essa estrela estendeu seus raios com
maior comprimento e brilho na direção de Judéia — da mesma maneira que os
cometas alongam suas caudas em direção a tal ou tal país — para que os magos
entendessem que deveriam ir em direção da Judéia, onde o Messias nasceria.
Sabiamente diz São Gregório: “Todos os elementos testemunharam que seu
Criador havia chegado. Os céus O reconheceram como Deus, e assim enviaram sua
estrela. O mar O reconheceu, sentindo-O andar sobre suas ondas. Quando de sua
morte, a Terra O reconheceu pelos terremotos. O sol O reconheceu ocultando seus
raios. E também as rochas e as pedras ao se romperem. O inferno O reconheceu,
ejetando os mortos que continha. Contudo, Aquele a quem os elementos inanimados
sentiram ser o Senhor não foi reconhecido como Deus pelos corações dos judeus
incrédulos” (Hom. 10).
Os Magos, ao verem a estrela, souberam que Cristo havia
nascido
Balaão havia profetizado a respeito: “Nascerá uma
estrela de Jacó” (Num. 24, 17). Mas os Magos eram sucessores de
Balaão, e também sabiam por meio da Sibila que essa estrela era precursora de
Cristo. Essa é a opinião de São Basílio, São Jerônimo, Orígenes, São Leão,
Eusébio, Próspero, São Cipriano, Procópio e outros. Donde Suetônio (De vita
Caesarum, Vespasianus) e Cícero (lib. 2, de Divinat., e Orosio,
lib. 6, c. 6) dizerem que era então uma crença geral que um rei surgiria da
Judéia e teria um domínio universal.
Provavelmente por um instinto e uma revelação divina,
inspirados por um dom celestial, “eles ouviram uma língua do céu
dizer-lhes que Cristo nascera na Judéia. E assim seguiram a estrela até Belém e
o berço de Cristo” (Santo Agostinho, Serm. 2 de Epiph.). Com efeito,
o brilho e a majestade da estrela de tal modo eram grandes, que os Magos
entenderam que ela pressagiava algo divino, isto é, a vinda de Deus encarnado,
como lhes inspirou o Espírito Santo.
O semblante divino de Cristo menino lançava um raio de luz
celestial que iluminava os olhos, mas sobretudo a mente dos Magos, de modo que
eles percebessem que aquele recém-nascido não era um mero homem, mas o Deus
verdadeiro. Pois, como diz São Jerônimo comentando o nono capítulo de São
Mateus: “O esplendor e a majestade da divindade oculta, que brilhava mesmo
em seu rosto humano, foram capazes de atrair imediatamente aqueles que O
contemplavam”.
A estrela de Belém seria um novo astro? Um anjo?
Nada mais apropriado do que uma estrela para conduzir os
três Reis Magos a Cristo, o Rei dos reis, pois uma estrela tem a aparência de
uma coroa real, com seus raios resplandecentes. Portanto, uma estrela é um
emblema de um rei e de um reino, donde Deus prometer a Abraão: “Olha para
o céu; e conta, se podes, as estrelas”. Depois acrescentou: “Assim
será a tua descendência” (Gen. 15, 5). Aqui Deus designou os reis de
Israel e Judá que deveriam brotar de Abraão, mas especialmente a Cristo Rei.
Por isso Deus diz a Abraão explicitamente: “E de ti sairão Reis” (Gen.
17, 6). Assim diz São Fulgêncio: “Quem é esse Rei dos judeus? Pobre e
rico, humilde e exaltado, carregado como um recém-nascido e adorado como um
Deus; pequeno na manjedoura, imenso no céu, indigente entre panos, precioso
entre as estrelas” (Serm. in Epiph. 5).
Pode-se perguntar de que tipo e quão grande foi essa
estrela. Era da mesma natureza das demais? Ou era peculiar e diversa delas? O
autor de De mirabil. S. Script. sustenta que essa estrela era o
Espírito Santo, que desceu sobre Cristo como uma pomba, e por meio de uma
estrela guiou os Magos (livro 3, c. 40). Orígenes, Teofilato, São Crisóstomo e
Maldonado pensam que se tratava de um anjo; porque, de fato, um anjo era motor
e, por assim dizer, condutor da estrela. Outros defendem que era um astro real
semelhante ao que apareceu na Constelação de Cassiopeia no ano de 1572 d.C.
Ainda outros pensam que era um cometa. Mas eu respondo que era uma estrela nova
e desconhecida, inteiramente diferente de outras estrelas, formada pelos anjos
para arrebatar a admiração dos Magos e levá-los à certeza do presságio de algo
novo e divino.
Era superior às outras estrelas em nove privilégios e
portentos:
1.
Quanto à sua criação, esta estrela superou todas
as demais, que foram produzidas no quarto dia da Criação (Gen. 1, 14), enquanto
aquela foi produzida na própria noite da Natividade de Cristo. Era, portanto,
uma nova estrela, nunca vista antes nem depois desse período. Assim comenta
Santo Agostinho (liv. 2, Contra Faustum, c. 5).
2. Quanto à matéria, os anjos formaram-na a partir do ar
condensado, infundindo-lhe seu esplendor.
3. Quanto ao local, as demais estrelas estão no firmamento,
mas essa estava na atmosfera. E precedeu os três Reis Magos em sua viagem da
Arábia à Judéia.
4. Quanto ao movimento, as estrelas se movem em círculos,
mas essa de modo linear. Com efeito, ela procedeu em uma linha reta do Oriente
para o Ocidente.
5. Quanto ao tempo, as estrelas brilham apenas à noite, e a
luz do sol as obscurece durante o dia. Mas essa era claríssima, tanto de dia
quando brilha o sol, quanto de noite.
6. Quanto à duração, as estrelas brilham continuamente, mas
essa brilhou de modo temporário, apenas durante o período da viagem dos Magos,
desaparecendo depois.
7. Quanto ao tamanho, as estrelas são maiores que a Terra e
a Lua, mas essa foi menor. No entanto, parecia maior porque estava mais próxima
da Terra. Assim como a Lua parece maior que as estrelas fixas, porque está mais
próxima de nós, embora na realidade seja muito menor.
8. Quanto à mobilidade, essa estrela às vezes se escondia,
como em Jerusalém, outras vezes se mostrava visível e era guia da viagem.
Quando os Magos avançavam, ela avançava; quando descansavam, ela descansava.
Por fim, pairou sobre a casa onde estava o Menino Jesus. Realizada sua missão,
ela desapareceu. As outras estrelas não têm essa propriedade.
9. Quanto ao esplendor, ela superou todas as demais
estrelas. Santo Inácio, que viveu pouco tempo depois de Cristo, assim escreveu
em sua Epístola aos Efésios: “A estrela brilhou para superar em brilho
tudo o que havia antes. Sua luz era indescritível e impressionou a todos que a
viram”. E Prudêncio, em seu hino para a Epifania: “Aquela estrela que
ultrapassa o sol em beleza e esplendor”. São João Crisóstomo diz a mesma
coisa. Donde São Leão dizer no Sermão de Epiphania: “Uma nova estrela
apareceu na região do Oriente aos três Reis Magos. Era mais brilhante e
mais bela que todas as outras estrelas. Atraiu para si os olhos e a mente dos
que a contemplavam, de modo que se percebeu imediatamente que essa visão
estranha não era sem propósito”.
Vimos sua estrela no Oriente
Suárez acrescenta que a estrela só brilhava durante o dia em
locais próximos aos Reis Magos, mas estava mais alta durante a noite e era
menos visível. Os Magos eram astrônomos, e foram chamados de modo muito
adequado por uma estrela. Por isso mesmo sabiam que essa não era uma estrela
comum, mas um prodígio que anunciava um acontecimento divino. Assim entenderam
que havia nascido o Criador e Senhor das estrelas, a Quem todas as demais
obedecem. Por isso a Igreja celebra com tanta solenidade a Festa da Epifania,
na qual os Magos foram chamados a adorar Cristo, porque neles e por eles
começou o chamado e a salvação dos gentios.
No sermão de Epiphania, diz São Leão: “Diletíssimos
irmãos, reconheçamos nos Magos, que adoraram Cristo, as primícias de nossa
vocação e de nossa fé. E com a alma exultante celebremos o início da
bem-aventurada esperança, pois começamos a entrar na posse de nossa herança
eterna”. E Santo Agostinho confirma: “Os Magos foram as primícias dos
gentios, e nós somos o povo dos gentios. Isso nos foi anunciado pela língua dos
apóstolos, mas aos Magos o foi pela estrela, como uma língua do céu. E os
apóstolos, como outros céus, nos narraram a glória de Deus” (Serm. 2 de
Epiph.).
______________
* Fonte: Cornelius a Lapide, Commentaria in
Scripturam Sacram, in Matthaeum, Cap. II, Ludovicus Vives, Paris,
1860, vol. 15, pp. 70-78.
Cornélio a Lapide
Exegeta belga, nasceu em Bocholt, no Limburgo flamengo, no
dia 18 de dezembro de 1567; morreu em Roma, a 12 de março de 1637. Estudou
humanidades e filosofia nos colégios jesuítas de Maastricht e Colônia. Cursou
teologia durante um semestre na Universidade de Douai, e depois, por quatro anos,
em Louvain. Entrou para a Companhia de Jesus em 11 de junho de 1592. Após dois
anos de noviciado, e mais um de teologia, foi ordenado sacerdote em 24 de
dezembro de 1595. Ensinou filosofia durante seis meses, e em 1596 foi nomeado
professor de Sagrada Escritura em Louvain; no ano seguinte, professor de
hebraico. Vinte anos depois, na mesma qualidade de professor, seus superiores o
enviaram a Roma, onde granjeou grande fama no exercício do magistério. Nos
últimos anos de sua vida, devotou-se exclusivamente a terminar e corrigir seus
famosos comentários.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário