17 de novembro de 2019
Plinio Maria Solimeo
Imagem de Sta. Isabel na catedral de Fulda [Foto: Frederico
Viotti]
Em apenas 24 anos de vida, atingiu um auge de santidade,
tanto no trono quanto ao ser despojada dele. Um portento de caridade em meio a
contínuo sofrimento.Sua festa liturgia é celebrada no dia 17 de novembro.
“Parece que Deus deu ao mundo esta gloriosa princesa para
fazer ver até onde podem ir a força da humildade cristã e o amor à cruz, o
desapego das coisas da Terra, o espírito de pobreza na felicidade de um ilustre
nascimento, e o desejo de se despojar para revestir os pobres de Jesus Cristo”,
escreve um dos biógrafos da Santa.[1]
Santa Isabel nasceu em Presburgo (hoje Bratislava), no dia 7
de julho de 1207, numa família de santos. Era filha de André II, rei da
Hungria, ilustre por sua piedade e justiça, e de Gertrudes, filha do Duque da
Caríntia, da família dos Condes Andechs-Meran. Por sua mãe, Isabel era sobrinha
de Santa Edviges, duquesa da Silésia e da Polônia. Por seu irmão Bela IV,
grande e santo rei que sucedeu a seu pai no trono, foi tia de Santa Cunegundes,
que conservou a virgindade no casamento com Ladislau, rei da Polônia, e de
Santa Margarida da Hungria, que se santificou no claustro.
O segundo irmão de Isabel, Colomã, foi rei da Galícia e
príncipe da Rússia, e guardou continência perpétua com a bem-aventurada Salomé
da Polônia, sua esposa.[2] Por
fim, Santa Isabel da Hungria foi tia-avó de outra grande Santa, sua homônima,
rainha de Portugal e prima segunda de Santa Inês de Praga.
Sem dúvida, uma glória para a Idade Média a de possuir
tantos santos nos mais altos escalões da sociedade. Diz um de seus biógrafos que
Isabel “ainda não tinha três anos, e já dava sinais inequívocos de
santidade precoce. Seu coração e seu espírito se abriram para as verdades da
fé, ao mesmo tempo que aos sentimentos de caridade”.[3]
Na corte da Turíngia
Santa Isabel menina fiando para os pobres – Marianne Stokes,
1895. Coleção privada.
Em 1211, o landgrave Herman I,[4] duque
da Turíngia, príncipe de Hesse e da Saxônia e conde palatino, pediu ao rei da
Hungria a pequena Isabel em casamento para seu filho Luís. Em consequência,
seguindo os costumes da época, a menina foi enviada à Alemanha aos quatro anos
de idade, para ser educada com o futuro esposo, que tinha na ocasião 11 anos.
“A corte da Turíngia era, nesse período, famosa por sua
magnificência. Seu centro era o imponente castelo de Wartburg, esplendidamente
localizado num monte na floresta turíngia próximo de Eisenach, onde o landgrave
Herman vivia cercado de poetas e menestréis, de quem era generoso patrono. Não
obstante a turbulência, a vida puramente secular da corte e a pompa dos que a
cercavam, a pequena cresceu como criança muito religiosa, com evidente
inclinação para a prece e a piedosa observância de pequenos atos de
mortificação”.[5]
À medida que crescia, iam se acentuando em Isabel
inclinações piedosas. Não era raro ela parar durante os brinquedos em que se
entretinha com outras meninas nobres, para com elas irem visitar a capela ou
rezar alguma oração. Também gostava de as levar ao cemitério, onde lhes
dizia: “Lembrai-vos de que um dia nos veremos reduzidas a pó e a nada.
Estas pessoas que jazem aqui tiveram vida como nós, e agora estão mortas, como
nós estaremos também. Ajoelhai-vos, e dizei comigo: ‘Por vossa Paixão e Morte,
e pelas dores de vossa queridíssima Mãe Maria, livrai das penas essas pobres
almas, Senhor; e por vossas chagas sacratíssimas, salvai-nos’”.[6]
Isabel dava aos pobres tudo o que tinha, e ia à cozinha do
castelo à procura de alimentos que pudesse levar-lhes. Às vezes, para desgosto
dos que tinham sua tutela, dava mesmo parte de sua veste ou seu calçado.
“Por acaso te pesa demais a coroa?”
Castelo de Wartburg
A menina tinha somente nove anos, em 1216, quando morreu o
landgrave Herman, que tinha sido para ela um verdadeiro pai. Seu futuro esposo
era ainda muito jovem para governar, por isso a regência passou para a mãe
deste, a duquesa Sofia. Esta via com desprazer os crescentes atos de piedade da
sua futura nora.
Um dia, tendo ela levado sua filha Inês e Isabel à igreja,
na festa da Assunção, Isabel ajoelhou-se diante de um grande crucifixo, tirou
da cabeça a pequena coroa e prosternou-se profundamente. A duquesa
reagiu: “Que fazes? Uma jovem de tua estirpe deve manter-se erguida, e não
se lançar ao solo como as beatas. Por acaso te pesa demais a coroa?”. Desfeita
em prantos, a menina respondeu: “Não vos enfadeis, Senhora. Está aqui meu
Deus e meu rei, este doce e misericordioso Jesus, coroado de espinhos. E posso
estar diante dele coroada de pérolas?”.[7]
Todos, na corte, julgavam excessiva a piedade da jovem
princesa, menos o seu futuro esposo. Tudo faziam para desviar o amor que o
príncipe Luís lhe professava. Um dia, mostrando uma montanha aos seus
cortesãos, ele lhes disse: “Vedes essa montanha? Pois ainda que me désseis
uma quantidade de ouro maior, eu não consentiria jamais em apartar-me do
carinho de Isabel”.
Perfeito casal cristão
Igreja Santa Maria Madalena, Vendôme, França [Foto:
Frederico Viotti]
Ao ser celebrada a boda dos dois príncipes no castelo de
Wartburg, no ano de 1220, Luís tinha então 20 anos, e Isabel quase 14. Havia
uma afinidade de alma muito grande entre esposo e esposa. Luís apreciava a
virtude de Isabel, e Isabel a retidão e piedade do marido. “A um valor
legendário nos torneios e nos combates, Luís unia uma inocência inverossímil em
um cavaleiro rodeado de todos os prestígios do poder, do luxo e dos perigosos
azares de uma vida agitada”.[8] Por
isso o casamento foi muito feliz.
Muito conhecido é o milagre das rosas, pois todas as
biografias de Santa Isabel a narram, e o mesmo também ocorreu com Santa Isabel
de Portugal. Apesar de o marido ser muito compreensivo para com suas caridades,
uma vez Santa Isabel se viu em apuros. Tinha acabado de pegar em seu manto uma
boa quantidade de carne, ovos e outros alimentos, e dirigia-se à cidade para dar
aos pobres.
Nesse instante encontrou-se com o marido, que vinha da caça.
Este, vendo-a vergada sob o peso que carregava, perguntou-lhe o que trazia em
seu manto. Ela, olhando para o céu, abriu o manto, e nele estavam belíssimas
rosas encarnadas e brancas, sendo que estavam em pleno inverno. Diante do
milagre, o marido a tranquilizou e guardou consigo uma das rosas milagrosas.
A “paixão” de Santa Isabel
De sua união com Luís, Santa Isabel teve três filhos:
Hermano, nascido em 1222; Sofia, em 1224; e Gertrudes, em 1227.
Entretanto,
esse feliz matrimônio durou pouco. Em 1227, acolhendo à voz do Sumo Pontífice
que convocava uma quinta cruzada para reconquistar o Santo Sepulcro, Luís, como
verdadeiro príncipe cristão, alistou-se para acompanhar o imperador Frederico
II. Apesar de sua aflição, disse-lhe Isabel: “Não permita Deus que tu
fiques a meu lado contra sua adorável vontade, mas antes bem que Ele te conceda
a graça de fazer sempre e em tudo seu adorável beneplácito”.[9]
O valoroso príncipe morreu da peste em Otranto, antes de
chegar a Jerusalém. Apesar de não ter sido canonizado pela Igreja, a voz do
povo alemão o chama de santo, bem como à sua filha Gertrudes.
Após um
sentimento de violenta dor, Isabel dominou-se e aceitou submissa a vontade de
Deus. Começou então para ela o que poderíamos chamar de “sua paixão”. Conforme
narram quase todas as suas biografias correntes, seu cunhado, que deveria ser o
regente em razão da minoridade de seu filho de cinco anos, deu-lhe ordem de
sair do castelo, nada levando, a não ser os filhos. Isabel apenas
murmurou: “Levaram-me tudo, mas ainda tenho Deus”.
Todos os filhos eram ainda muito pequenos, tendo a última
filha apenas dois meses de idade. Eles acompanharam a mãe em sua desgraça. Na
cidade de Eisenach, palco constante de suas incontáveis caridades, as pessoas
não a quiseram receber, por receio de descontentar o regente. Finalmente, ela
encontrou acolhida num estábulo.
Os primeiros biógrafos de Santa Isabel narram mais um fato
que veio somar-se a tantas humilhações. Um dia ela atravessava um riacho muito
barrento, no qual haviam lançado algumas pedras para facilitar a passagem. Do
outro lado vinha uma velha megera, outrora muito ajudada pela santa. Em
‘retribuição’ aos antigos benefícios, a megera deu-lhe um empurrão, caindo
Isabel na lama. A agressora ainda acrescentou: “Não quiseste viver como
duquesa enquanto o eras. Agora que te vejo pobre e caída no barro, não serei eu
quem te levantará”.[10]
Foi nessas circunstâncias que uma tia de Isabel, Matilde,
abadessa de um mosteiro beneditino em Wurzburg, veio em seu socorro e a
encaminhou depois ao tio, Eckbert, bispo de Bamberg. Algum tempo depois, os
cavaleiros que tinham acompanhado o Duque da Turíngia à Cruzada voltaram,
trazendo o seu corpo. Corajosamente enfrentaram os príncipes, irmãos do duque
falecido, e exprobaram-lhes a crueldade praticada contra a viúva de seu próprio
irmão e contra seus sobrinhos. Os príncipes não resistiram às palavras dos
cavaleiros. Pediram perdão a Santa Isabel e a restauraram em seus bens e
propriedades. Graças a isso, seu filho foi declarado herdeiro, sob a tutela do
tio.
Na Ordem Terceira de São Francisco
Crânio de Santa Isabel
Santa
Isabel foi fortemente influenciada pela espiritualidade franciscana, cuja Ordem
surgiu naquela época. Por isso, na Sexta-feira Santa de 1228, foi recebida na
Ordem Terceira de São Francisco, no convento de Eisenach, juntamente com duas
de suas damas que dela não haviam querido se separar. Foram das primeiras
terciárias franciscanas na Alemanha.
A santa renunciou então ao mundo, e instalou-se numa humilde
casa em Marburg, que seria doravante o teatro de suas virtudes.
Suas duas
filhas foram encaminhadas para serem educadas num convento, conforme costume do
tempo, onde depois uma delas professou. A outra casou-se com o duque de
Brabante.
Santa Isabel tinha por confessor o Pe. Conrado de Marburg,
que foi depois inquisidor papal, muito austero para consigo e para com os
outros. Ele exigia de Isabel uma virtude perfeita. Retirou-lhe até mesmo as
damas que a vinham acompanhando, e pôs em seu lugar mulheres rudes e severas às
quais a santa deveria obedecer.
“Nesta época de sua vida, a santidade de Isabel
manifestou-se de forma extraordinária, e seu nome tornou-se famoso em todas as
montanhas da Alemanha. Dizia-se que São João Batista vinha lhe trazer
pessoalmente a Comunhão, e que inúmeras vezes ela foi visitada pelo próprio
Jesus Cristo e pela Virgem Maria, que a consolavam em seus sofrimentos. No
processo de canonização, uma de suas amigas declarou que a surpreendeu várias vezes
elevada no ar, a mais de um metro do chão, enquanto contemplava o Santíssimo
Sacramento, absorta em êxtase contemplativo”.[11]
Santa Isabel faleceu na noite de 19 de novembro de 1231, com
apenas 24 anos de idade, sendo canonizada em 1235, tal a sua fama de santidade.
Nesse ano foi exumado o seu corpo, perfeitamente incorrupto e exalando
delicioso perfume, trasladado depois para a magnífica igreja gótica que os
habitantes de Marburgo construíram em sua honra. Seu túmulo atraía tantos
peregrinos, que chegou a rivalizar com Santiago de Compostela.
A paixão post-mortem de Santa Isabel
Séculos mais tarde, no dia 18 de maio de 1539, o landgrave
Felipe de Hesse, descendente em linha direta de Santa Isabel, fez celebrar pela
primeira vez o culto protestante na própria igreja onde estavam seus restos
mortais. Depois desapareceu com a urna que continha os seus ossos. Em 1548,
tendo sido feito prisioneiro pelo imperador Carlos V, Felipe foi obrigado a
restituir à igreja de Santa Isabel suas relíquias, parte das quais já se haviam
difundido pela Europa.
Depois do protestantismo, no fim da II Guerra Mundial a
Turíngia caiu no comunismo. Finalmente, em 1990, com a reunificação da
Alemanha, tornou-se mais uma vez livre, mas grande parte de sua população tinha
se tornado ateia, como os dirigentes sem-Deus que a escravizaram durante perto
de 50 anos.
[1] Msr. Paul
Guérin, Les Petits Bollandistes, Sainte Elisabeth de Hongrie, Vies
des Saintes, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo XIII, p. 500.
[2] Cfr. Les
Petits Bollandistes, id. Ib.
[3] Edelvives, Santa
Isabel de Hungria, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A.,
Saragoça, 1949, p. 191.
[4] Landgrave –
Título ou dignidade de alguns príncipes ou nobres alemães, que julgavam pleitos
em nome do Imperador. (Dicionário Houaiss)
[5] Michael Bihl, St.
Elizabeth of Hungary, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.
[6] Edelvives,
op. cit. p. 192
[7] Frei Justo
Perez de Urbel, Santa Isabel de Hungria, Año Cristiano, Ediciones
Fax, Madri, 1945, tomo IV, p. 374.
[8] Id. Ib.
375.
[9] Edelvives,
op. cit. p. 197.
[10] Id., p.
198.
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