Quando abri o quarto, depois de forçar bastante a porta,
deparei com Lúcia sentada, cabeça sobre a penteadeira, respingos de sangue no
espelho e, no tapete branco, uma enorme mancha vermelha escura decorrente do
seu trágico gesto. Ainda em sua mão, segurava firmemente o revólver causador
daquele estrago. Corri desesperado colocando-a em meus braços, mas,
infelizmente, já era tarde demais. Lúcia estava morta!
Uma crise de choro apoderou-se de mim, ao tempo que a
apertava contra meu corpo, estarrecido e surpreso pela sua grotesca atitude
suicida, querendo entender o “por que” de tal gesto.
Mesmo com minha cabeça totalmente debilitada pela cena e o
fato, tentei a todo custo rememorar tudo de nossa vida, no sentido de captar
alguma coisa ou motivo que pudesse de alguma forma, leva-la a desejar acabar
com a sua linda e jovem vida.
Conhecemo-nos há dois anos, estudávamos na mesma faculdade,
sendo que eu fazia economia e ela enfermagem. Fomos apresentados por um amigo
comum e, logo, logo, nos identificamos e começamos a namorar. Como era nosso
último semestre, com as preocupações das provas finais, teses, plantões, etc.,
nossos encontros eram restritos apenas aos fins de semana, ocasiões que
aproveitávamos bastante para conversar, ir ao teatro, cinema, trocar
informações, quebrar as tensões dos estudos e curtir nossa alegria e
felicidade. Amávamo-nos profundamente! Somente em olhar para o meu rosto,
sentia o prazer incomensurável de estar ao meu lado, sendo que essa reação era
idêntica da minha parte. Não vivíamos um para o outro, vivíamos ambos,
despojando-nos de todos os bons sentimentos, para que nos transformássemos em
uma pessoa só. Um amor raro, belo e invejável!
Como éramos do interior, eu morava em um modesto pensionato
e Lúcia dividia o apartamento com uma amiga. Ela somente dedicava-se aos
estudos, sendo provida totalmente pelos seus pais. Quanto a mim, fazia
trabalhos eventuais, principalmente pesquisas e projetos, para complementar
minha manutenção, pois meu pai não tinha condições de bancar-me na capital.
Além do meu sacrifício, uma tia ainda me ajudava eventualmente. Minha formatura
era o esperado orgulho de toda família. Seria eu o primeiro de duas gerações a
completar o curso superior, que para eles era chamado pomposamente de doutor.
Depois de desfilar todos os meus pensamentos procurando
razões ou motivos, infelizmente, nada encontrei que, mesmo de longe,
justificasse tal gesto! Aos prantos, chamei os colegas dela vizinhos e eles se
encarregaram de ligar para a polícia. Depois de alguns dias, já feitas as
perícias e comprovadas que foi uma atitude solitária e suicida sem nenhuma
explicação, ficamos todos na obscuridade de uma justificativa, uma vez que não
foi deixado nenhuma carta ou bilhete e o revolver foi comprado por ela mesma em
uma loja da cidade.
Hoje, dez anos depois, não consegui esquecê-la completamente
e, sinceramente, vivo intrigado como uma pessoa amando e sendo amada por todos,
realizando-se profissionalmente, inteligente, educada e feliz, comete tal
loucura. Só posso dizer que são fatos inexplicáveis dessa Vida Louca que
vivemos!
Quando nessas situações ouço alguém dizer: “Deus sabe o que
faz!”, não ouso duvidar, mas...
Antonio Nunes de Souza, escritor,
Membro da Academia Grapiúna de Letras-AGRAL
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