Embora o que não esteja nos autos do processo não exista
tecnicamente, advogados, juízes e promotores são influenciados pelo que veem,
pelo que leem, pelo que conversam com amigos ou mesmo na família.
A faísca que desencadeou um processo de reversão de expectativas
no mundo jurídico e político contra a Operação Lava Jato foi provocada pelas
conversas roubadas do celular do procurador-chefe da Lava Jato Deltan Dallagnol
publicadas pelo site The Intercept Brasil.
As mensagens entre Dallagnol e o então juiz Sérgio Moro não
revelam nenhuma ilegalidade, mas a proximidade entre partes do processo, que
comum no cotidiano da Justiça, dá margem aos que já tinham a tendência de
criticar os procuradores de Curitiba, por razões de poder ou política, pretexto
para darem a suas críticas ares de verdade.
Vimos na semana passada três ministros do Supremo em contato
fora da agenda com o presidente Bolsonaro, às vésperas do julgamento mais
importante do ano, sobre o fim da prisão em segunda instância. Dois deles,
ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, tomaram decisões recentes que
beneficiaram diretamente o senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente,
reduzindo a possibilidade de investigações criminais financeiras.
Como já ressaltei aqui na coluna, há anos, desde o julgamento
do mensalão, advogados de defesa dos acusados de corrupção tentam manobras
jurídicas para beneficiar seus clientes. O então ex-ministro da Justiça, Marcio
Thomas Bastos, foi o coordenador das manobras que pretendiam levar para a
primeira instância da Justiça os réus do mensalão que não tinham foro
privilegiado. O relator Joaquim Barbosa defendeu a tese de que os crimes eram
conectados, e foi vitorioso, driblando uma tradição da Justiça brasileira de
desmembrar os processos.
Nos julgamentos do petrolão, diversas táticas foram tentadas
pelos advogados de defesa, mas nos primeiros anos, com o apoio popular da
Lava-Jato no auge, não houve ambiente para que teses diversas fossem aceitas.
Só recentemente, a partir das revelações do Intercept, o vento mudou, passaram
a ser aceitas teses que abrandaram a situação dos réus.
As diversas instâncias que existem de recursos, mesmo em
países de arraigada tradição garantista dos direitos individuais, não impedem o
cumprimento da pena, às vezes até mesmo na primeira instância.
O jurista e cientista político Christian Edward Cyrill
Lynch, editor da revista “Inteligência”, lembra que o se discute agora é se a
Constituição, quando fala que “ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado da sentença condenatória”, está ou não querendo dizer “ninguém
cumprirá pena de prisão decretada na sentença de primeira instância até o
trânsito em julgado da sentença condenatória”.
A provável mudança de maioria do plenário do Supremo, a
favor da prisão apenas ao final do processo, tem a ver com esse novo ambiente
político que está sendo revertido por um esquema profissional que envolve
grandes escritórios de advocacia, políticos poderosos, empresários já atingidos
pela Lava Jato ou que temem vir a ser, num trabalho de desmonte do novo
espírito de aplicação do Direito que veio sendo aprofundado desde o julgamento
do mensalão até agora no petrolão.
Os últimos cinco anos foram intensos na implantação de uma
nova visão da aplicação da Justiça que pretende dar consequência prática aos
processos envolvendo criminosos do colarinho branco, que voltarão a ser
protegidos se prevalecer o estado de coisas anterior ao mensalão.
Também os políticos aprenderam a se defender, através de
legislações como a lei de abuso de autoridade, e a retórica de que os
promotores e Moro estão “criminalizando a política”. Trata-se, ao contrário, de
denunciar e punir a utilização da política para praticar crimes.
É provável que haja um retrocesso, mas o resultado das
pesquisas mostra que a opinião pública continua com sede de Justiça. O ministro
Sérgio Moro continua o mais popular ministro do governo Bolsonaro e vence todos
os adversários num hipotético segundo turno para a presidência da República.
1 - Ao enumerar as diversas instâncias recursais do Antigo
Regime na coluna de sexta-feira, inclui o Supremo Tribunal de Justiça como uma
quarta instância. Na verdade, o STJ foi criado em 1828 para substituir a Casa
de Suplicação. A quarta instância era o desembargo do Paço.
2 – Saio por uns dias e volto a escrever no dia 5.
O Globo, 20/10/2019
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