10 de outubro de 2019
Fundação da cidade de São Paulo – Oscar Pereira da Silva,
1909. Pinacoteca do Estado de São Paulo.
No post de ontem deste site reproduzimos a introdução do
livro de Plinio Corrêa de Oliveira “Tribalismo Indígena – Ideal
comuno-missionário para o Brasil no século XXI”, no post de hoje segue
praticamente a íntegra do primeiro capítulo desta obra, da qual podemos dizer
que é um prognóstico do atual Sínodo Pan-Amazônico.
Plinio Corrêa de Oliveira
• Como fim, evangelizar.
• Evangelizando, civilizar.
• Civilizando, fazer o bem.
O“diálogo” que o leitor acaba de ler corresponde, na sua
maior parte, a textos emanados de fontes missionárias “atualizadas”, e delineia
uma radical modificação na doutrina das missões. Tal modificação penetrou
largamente, de algum tempo para cá, em ambientes missionários brasileiros, onde
se propaga com a discrição e a rapidez da mancha de azeite. Como se verá, esta
transformação não interessa apenas a especialistas, mas afeta profundamente o
futuro da Igreja e da Pátria.
Assim,
devem estar atentos para ela todos os brasileiros. Pois ela visa estender uma
perigosa ondulação no mundo das selvas incultas. E, ainda mais, conectar esta
ondulação com outra maior, a ser efetuada no mundo dos campos cultivados e das
cidades.
Selvas
incultas, campos cultivados, cidades em franca expansão: é bem o Brasil inteiro
que assim pode ser atingido…
1. Conceito de Missão
Na doutrina
missiológica da Igreja, velha de cerca de vinte séculos, o conceito de Missão
católica, seus fins e seus métodos, está perfeitamente definido. E coincide com
o modo de ver e de sentir do leitor brasileiro médio. Por isto pode-se estar
certo, de antemão, que os próximos parágrafos não chocarão ninguém. Pelo
contrário, parecerão tudo quanto há de mais normal.
Missão vem
do vocábulo latino missio, de mitto, isto é, eu envio. O missionário
é pois um enviado (Bispo, Sacerdote — e, por extensão, também uma Religiosa ou
um leigo).
Enviado, o missionário o é pela Igreja, em nome de Jesus Cristo,
a Quem representa junto a povos não católicos, com o fim de os trazer para a
verdadeira Fé.
2. Fim supremo da Missão – a glória de Deus e a
bem-aventurança eterna
Ensina a
Igreja que a via normal para o homem se salvar consiste em ser batizado, crer e
professar a doutrina e a lei de Jesus Cristo.
Trazer os homens para a Igreja é, pois, abrir-lhes as portas
do Céu. É salvá-los. É este o fim da Missão.
Esta salvação tem por supremo fim a glória extrínseca de
Deus. Salva-se a alma que tenha conseguido assemelhar-se a Ele pela observância
da Lei, nos embates desta vida. E assim Lhe dará glória por toda a eternidade.
Toda semelhança é, em si, um fator de união. A alma dessa
maneira unida a Deus alcança a plenitude da felicidade.
3. Efeitos da Missão na vida temporal
a) A ordem
A glória de
Deus e a perpétua felicidade dos homens são fins missionários da mais alta
transcendência. Isto não impede que a Missão tenha efeitos terrenos, também dos
mais elevados.
Com efeito, Deus criou o universo numa ordem sublime e
imutável. Sendo o homem o rei do universo, tal ordem é sobretudo admirável no
que toca a ele.
Os
preceitos da ordem natural se exprimem nos Dez Mandamentos da Lei de Deus (cfr.
Santo Tomás, Suma Teológica, Ia. IIae., q. 100, aa. 3 e 11), confirmados por
Nosso Senhor Jesus Cristo (“não vim dissolver a lei, mas cumpri-la” – Mt 5,
17), e por Ele aperfeiçoados (Mt 5, 17 a 48; Jo 13, 34).
Ora, a
observância da ordem, em qualquer esfera do universo, é a condição não só para
a conservação desta, como para seu progresso, o que é sobretudo verdadeiro para
os seres vivos, e mais especialmente para o homem.
b) A grandeza e o bem-estar dos povos
Daí decorre
que a Lei de Deus é o fundamento da grandeza e do bem-estar de todos os povos
(cfr. S. Agostinho, Epist. 138 al. Ad Marcellinum, cap. II, n. 15).
Cristianizar e civilizar são, pois, termos correlatos. É
impossível cristianizar seriamente sem civilizar. Como, reciprocamente, é
impossível descristianizar sem desordenar, embrutecer e impelir de volta rumo à
barbárie.
Primeira Missa no Brasil – Victor Meirelles, 1860. Museu
Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
4. Missão e índios
a) O contato com Jesus Cristo
Ser
missionário, no Brasil, é principalmente levar o Evangelho aos índios. É
levar-lhes também os meios sobrenaturais para que, pela prática dos Dez
Mandamentos da Lei de Deus, alcancem seu fim celeste. É persuadi-los de que se
libertem das superstições e dos costumes bárbaros, que os escravizam em sua
milenar e infeliz estagnação. Em consequência, é civilizá-los.
Cabe
insistir: enquanto é próprio ao homem cristianizado e civilizado progredir,
sempre no reto e livre exercício de suas atividades intelectuais e físicas, o
índio é escravo de uma imobilidade estagnada, a qual desde tempos imemoriais
lhe tolhe todas as possibilidades de reto progresso.
Apresentando-se ao índio, está o missionário de Jesus Cristo
no direito de lhe dizer: “cognoscetis veritatem, et veritas liberabit vos –
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8, 32).
b) O contato com o neopaganismo moderno
Bem
entendido, o contato com os missionários traz forçosamente, para o índio, o
contato com a civilização. Não com uma civilização quimérica, descida das
nuvens, mas com a civilização ocidental como ela é concretamente. Na medida em
que esta possui ainda fermentos autenticamente cristãos, a civilização será
rica, para os indígenas, em benefícios espirituais e até materiais. E na medida
em que nela trabalhem os germes de decadência e do neopaganismo, há o risco de
que ela seja ocasião para os índios se poluírem na alma e no corpo.
c) Problema desconcertante
Essa
circunstância cria para as missões contemporâneas dificuldades desconcertantes.
Como podem elas evitar que, levando Jesus Cristo aos índios, não lhe siga o
passo muito de perto o Anticristo, ou seja, o neopaganismo moderno?
5. Para o missionário, uma solução impossível: abster-se
a) O poder de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre as almas retas
O problema, por mais intrincado que seja, não pode servir de
razão para o missionário não ir aos índios. Não lhes levar Nosso Senhor Jesus
Cristo, sob a alegação de que o Anticristo moderno virá logo após Ele, é
ignorar o poder e a bondade do Salvador. Em todas as almas retas, e entre os
índios obviamente, Nosso Senhor Jesus Cristo é infinitamente mais poderoso do
que o Anticristo.
b) O contato com a civilização ocidental
Ao tratar
da presente temática, é preciso não confundir grosseiramente o neopaganismo
moderno com a civilização ocidental. Esta última foi cristã durante mais de mil
anos; e embora por desdita já não se possa dela dizer tal, ainda conserva muito
do caráter cristão de outrora. Da mesma forma que certos edifícios de pedra
que, expostos ao dardejar do sol durante o dia inteiro, depois de entrada a
noite conservam o calor acumulado. Assim também a civilização ocidental — sem
mais poder dizer-se cristã, e a despeito da decadência onímoda em que se vai
afundando — ainda está quente da ação benfazeja que, durante os séculos da
antiga fidelidade, recebeu do Sol de Justiça (Ml 4, 2) que é Nosso Senhor Jesus
Cristo.
De onde se
deve concluir que seria irrefletido, simplista e até fanático pretender que, em
contato com a civilização ocidental, os índios só têm a perder e nada a lucrar.
c) Influência do verdadeiro Sacerdote
Quando vive
na civilização atual, o verdadeiro Sacerdote tem por missão a luta. Luta a
favor de tudo quanto procede de Jesus Cristo e a Ele conduz. Luta contra tudo
que procede do mal e afasta de Jesus Cristo.
Se o índio nota no missionário esta atitude valorosa, de
discernimento e de luta, terá as graças e o bom exemplo para beneficiar-se
dessa civilização, sem nela se corromper.
d) Problema bizantino
Ademais, na
realidade concreta em que vivemos seria perfeitamente bizantino discutir sobre
se convém aos índios receber, com a presença dos missionários, também a
influência de nossa civilização. Esta, em seu vertiginoso desenvolvimento
técnico, os estará alcançando a todos muito em breve, com ou sem missionários.
E melhor será para os índios que, junto com a civilização neopagã, vão também
os missionários de Jesus Cristo.
e) O agitador comunista, missionário de Satã
Aonde a
civilização neopagã for, o mais das vezes levará consigo o que ela tem de pior,
isto é, o agitador comunista, o “missionário” de Satã.
O exemplo da África mostra quanto o comunismo internacional
se empenha em tirar proveito das tribos aborígines. Quem poderá garantir que,
hoje ou amanhã, ele não empreenderá o mesmo entre os índios não civilizados, ou
os que venham a sê-lo?
Mais ainda — e quanto dói dizê-lo! — como se poderá garantir
que, utilizando a infiltração ideológica em meios católicos, o comunismo não
aproveite para a infiltração esquerdista entre os índios os Bispos, Padres ou
religiosos cuja simpatia e cooperação tenha conquistado?
Em consequência, convém que vá ao índio o bom missionário,
por todas as razões. Até mesmo para prevenir contra o “missionário” comunista.
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